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Isenção de energia começa hoje e famílias falam em trocar dinheiro a mais por alimentos
Reportagem

Isenção de energia começa hoje e famílias falam em trocar dinheiro a mais por alimentos

Medida Provisória de reforma do setor elétrico redesenha tarifas e cria novo benefício social para mais de 17 milhões de famílias. Ceará é o 4º mais beneficiado com isenção de famílias com consumo até 80 kWh/mês
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CERCA de 115 milhões de brasileiros serão beneficiados com as medidas de descontos  (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS CERCA de 115 milhões de brasileiros serão beneficiados com as medidas de descontos

A partir deste sábado, 5 de julho, cerca de 17 milhões de famílias serão isentas do pagamento da tarifa de energia elétrica caso consumam menos de 80 kWh por mês. São as inscritas no Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico) que ganham até meio salário mínimo por pessoa e que falam em trocar o dinheiro a mais que sobrar por alimentação.

Porém, o setor elétrico passa por outras reformulações. Mas estas, no entanto, não focam em algumas questões sensíveis ao setor de energia, como os cortes de geração por falta de infraestrutura e a imposição recente de “jabutis” na composição da tarifa.

Sancionada via Medida Provisória 1.300/2025 pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a medida da isenção também beneficia idosos com Benefício de Prestação Continuada (BPC) e famílias indígenas e quilombolas do cadastro. Assim, os abatimentos devem chegar a 60 milhões de brasileiros.

No Ceará, dados repassados pelo Governo Federal apontam que 1,54 milhão de unidades consumidoras se enquadram em algum desconto, o quarto maior montante do Brasil e 20% do total de famílias com potencial de serem contempladas no Nordeste (7,75 milhões). Com 100% de abatimento, são cerca de 481 mil.

Uma das beneficiárias da nova tarifa social é Edilene Fernandes da Silva, 34 anos, moradora do bairro Siqueira, na Capital. Dona de casa e mãe-solo de três crianças, Vitor, de 6 anos, Vitória, de 4 anos, e Ayla, de 1 ano, ela conta que a renda familiar é composta pelo Bolsa Família e a pensão das crianças. Ela conta que chega a pagar quase R$ 100 em tarifa de energia e espera que o benefício gere um desconto relevante para sobrar mais dinheiro para comprar alimentos para a família.

“Moro num apartamento com dois quartos alugado, só tenho uma televisão. Esse dinheiro vai para as minhas bênçãos (os filhos). Toda economia vai para o leite e agora dá para comprar uma carne a mais. Tudo que sobrar vai para alimentação”, assegura.

Maria da Conceição Costa Sousa, 30 anos, é outra beneficiada. Moradora de uma comunidade quilombola em Itapebussu, Maranguape (Região Metropolitana de Fortaleza). Ela vive junto do marido, Francisco Antônio dos Santos, e da filha Maria Isabelle, de 11 anos.

Ela celebra que desde março passou a ter direito à gratuidade na conta de luz após pedido na distribuidora para que fosse enquadrada como quilombola. Desde então, economiza pelo menos R$ 60 que era tarifada, e celebra a continuidade do benefício.

A dona de casa diz que o valor é realocado inteiramente para alimentação. Conceição revela que a renda da família é composta pelo Bolsa Família, além do trabalho do marido como agricultor, que planta para subsistência e vende o que sobra da plantação de milho.

“(Sem essa despesa) Posso comprar outras coisas, principalmente alimento. Esse desconto é bom que a alimentação acaba melhorando também para minha filha”, pontua.

Para ter acesso ao benefício, o consumidor não precisa fazer nada, pois a tarifa é concedida automaticamente. Conforme o Ministério de Minas e Energia (MME), as faixas de desconto estão defasadas e, com as mudanças, nenhuma família terá redução no benefício atualmente recebido. A expectativa do governo é baixar a inadimplência, os furtos de energia (gatos) e os custos operacionais das distribuidoras.

Antes da MP, a Tarifa Social dava isenção total do pagamento em caso de consumo de até 50 Kwh, beneficiando apenas para indígenas e quilombolas. Já os idosos com BPC e famílias do CadÚnico tinham direito a descontos escalonados de até 65%, caso o consumo fosse menor que 200 kWh.

Outra mudança prevista está na cobrança da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial destinado a financiar políticas públicas como o programa Luz para Todos, que beneficia consumidores de baixa renda, produtores rurais, produtores que usam fontes renováveis, distribuidoras de pequeno porte, cooperativas de eletrificação e produtores de carvão mineral.

A arrecadação da CDE deixa de recair sobre as famílias do CadÚnico com renda per capita entre meio e um salário mínimo no consumo mensal de até 120 kWh. Isso deve beneficiar 55 milhões de pessoas com redução de cerca de 12% nas contas.

Ricardo Coimbra, economista e professor universitário, destaca que boa parte da população que será isenta no novo modelo de tarifa social já tinha algum desconto no regime anterior, que era escalonado.

Por isso, entende que o impacto nas contas a partir do benefício social não é novo. Ele pontua ainda que, enquanto sobre mais recursos no orçamento dessa população mais pobre, é certo que ele retornará para a economia, por meio do consumo.

“Potencializará o direcionamento da renda para outros gastos. Se antes essas pessoas precisavam pagar parte da conta de energia, agora não precisarão mais, e muitas delas já vinham sofrendo com o processo inflacionário”.

E enfatiza: “Essa diferença na renda, que para alguns pode parecer pequena - de R$ 60, R$ 70 - para quem tem uma renda muito baixa, pode ser significativa”.

Um homem monta sua bicicleta perto da usina termelétrica Ernesto Guevara em Santa Cruz del Norte, província de Mayabeque, Cuba em 20 de setembro de 2021. (Foto de YAMIL LAGE / AFP)
Um homem monta sua bicicleta perto da usina termelétrica Ernesto Guevara em Santa Cruz del Norte, província de Mayabeque, Cuba em 20 de setembro de 2021. (Foto de YAMIL LAGE / AFP)

Impacto de R$ 3,6 bilhões e série de "jabutis" ainda sem solução

Apesar do foco na melhoria no quadro social com os descontos aplicados às famílias mais pobres, a avaliação de especialistas no setor de energia é de que a política de energia brasileira não é clara, mas como um barco à deriva, que vai para onde o vento soprar, avalia Hanter Pessoa, CEO da H3 Energia e diretor do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia-CE).

Segundo ele, existe uma série de bombas a serem “desarmadas” nos próximos meses e o momento para se discutir tudo deve acabar quando o Congresso for tratar da MP de reforma do setor elétrico, que só será confirmada após apreciação nas casas legislativas.

Mas foi criada uma crise de confiança sobre os legisladores e o Executivo para a discussão da reforma no Congresso - com a obrigação de apreciar a medida em até 120 dias a partir da assinatura. Serão propostas soluções para melhorar a reforma do setor ou serão incluídos novos jabutis?

Ele lembra que a reforma do setor elétrico tem impacto estimado em R$ 3,6 bilhões, o que no médio prazo deve ser repassado para os próprios consumidores, seja direta ou indiretamente.

Apesar de ser apresentada como reforma, Hanter observa que ela não aborda problemas estruturais e ainda gera impacto substancial, que se soma aos já impactantes “jabutis” implementados pelo Congresso na ocasião da regulamentação das eólicas offshore. A exemplo dos curtailments - os cortes de geração de energia eólica por falta de infraestrutura para escoar a energia a mais produzida - que não entraram em pauta.

Os “jabutis” no Projeto de Lei (PL) 576/2021 são emendas que não possuem relação direta com o tema central: as regras para geração de energia eólica em alto-mar. Dentre os dispositivos incluídos estão a contratação obrigatória de usinas térmicas a gás natural com operação mínima de 70% do tempo, a prorrogação de contratos de usinas a carvão mineral e a aquisição compulsória de energia de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).

Hanter aponta haver questionamento sobre o fato de os brasileiros serem obrigados a pagarem mais nas suas contas por meses seguidos por conta do acionamento de termelétricas, enquanto usinas renováveis estão sendo obrigadas a desligar por falta de capacidade de escoamento. “É uma crise generalizada no setor.”

Erildo Pontes, presidente do Conselho de Consumidores da Enel Distribuição Ceará (Conerge), entidade que representa todos os tipos de clientes da distribuidora cearense, critica que a reforma do setor elétrica não inclua aportes do Tesouro Federal para compensar a gratuidade para mais de 17 milhões, o que, no médio prazo, vai pesar sobre os demais consumidores.

“Se o governo decide fazer uma política pública, ela tem que sair do recurso do Tesouro e não da conta do consumidor. Não tenho nada contra o mais carente ter ajuda, ter subsídio de alguma coisa, mas eu sou absolutamente contrário a uma atitude que joga mais na conta das outras pessoas, que já têm uma tarifa tão cara.”

 

Curtaliment

No setor de energia, o corte de energia é uma redução ou paralisação da potência do gerador de energia elétrica, de forma a manter a sanidade e estabilidade da rede de transmissão. Desde o ano passado, o Brasil sofre com esse problema, notadamente fontes eólicas e solares, com prejuízo estimado em mais de R$ 1 bilhão.

Custo dos "jabutis"

O custo dos jabutis é estimado em R$ 197 bilhões ao longo dos próximos 25 anos, segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Um aumento prático de 3,5% diretamente na conta de luz.

Atenção, consumidores

O consumidor deve ficar atento às regras dessa reforma, pois o boleto de cobrança do serviço de energia elétrica deve continuar chegando todos os meses, agora cobrando outros encargos, estaduais e municipais, como a taxa de iluminação pública. Ou seja, a gratuidade se refere exclusivamente ao consumo de energia, mas outros encargos assessórios permanecem.

Fortaleza, Ce Br 22.11.22 Fachada da Enel, distribuidora de energia do Ceará (Fco Fontenele/O POVO)
Fortaleza, Ce Br 22.11.22 Fachada da Enel, distribuidora de energia do Ceará (Fco Fontenele/O POVO)

Ampliação: Cerca de 235 mil clientes podem aderir à Tarifa Social, mas falta atualizar cadastro, diz Enel Ceará

O número de clientes cearenses beneficiados com a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) poderia ser ainda maior do que as atuais 481 mil unidades consumidoras. Segundo a Enel Ceará, cerca de 235 mil clientes ainda não aderiram ao benefício por falta de atualização cadastral.

A companhia diz que tem trabalhado para ampliar a concessão do benefício social a mais clientes que estejam aptos.

Em seus canais de atendimento, a distribuidora disponibiliza materiais didáticos e atua com equipes prontas para orientar potenciais beneficiários da Tarifa Social sobre os ajustes cadastrais necessários para a inclusão no benefício.

O diretor de Mercado da Enel Ceará, Marcelo Barbosa, destaca que oferecer essa garantia às famílias é uma prioridade da empresa.

“Queremos aumentar nossa base de clientes de Tarifa Social para garantir que outras famílias também possam se beneficiar de um desconto importante e que pode impactar bastante no orçamento familiar. Já conseguimos ampliar significativamente essa base nos últimos tempos e vamos continuar trabalhando para estender o benefício para todos os que têm direito a ele”, pontua.

A adesão à Tarifa Social de Energia Elétrica é concedida automaticamente desde 2022 após regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), desde que as informações do cliente estejam atualizadas no CadÚnico ou no BPC.

A recomendação é que os consumidores aptos a receber o desconto mantenham as informações atualizadas no CadÚnico e na distribuidora de energia para serem incluídos ou mantenham o desconto. O cliente pode checar na conta de luz a informação de que está sendo faturado com a Tarifa Social.

Caso atenda aos requisitos e não possua o benefício na fatura, pode checar seu cadastro no CadÚnico de forma online (cadunico.dataprev.gov.br). Os interessados também podem procurar uma unidade do Centro de Referência em Assistência Social (Cras) da sua cidade para verificar o cadastro.

 

Enel Ceará alerta para a falta de atualização no cadastro

O número de clientes cearenses beneficiados com a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) poderia ser ainda maior do que as atuais 481 mil unidades consumidoras. Segundo a Enel Ceará, cerca de 235 mil clientes ainda não aderiram ao benefício por falta de atualização cadastral.

Em seus canais de atendimento, a distribuidora disponibiliza materiais didáticos e atua com equipes prontas para orientar potenciais beneficiários. O diretor de Mercado da Enel Ceará, Marcelo Barbosa, destaca que oferecer essa garantia às famílias é uma prioridade da empresa. A adesão à Tarifa Social de Energia Elétrica é concedida automaticamente desde 2022 após regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), desde que as informações do cliente estejam atualizadas no CadÚnico ou no BPC.

A recomendação é que os consumidores aptos a receber o desconto mantenham as informações atualizadas no CadÚnico e na distribuidora de energia para serem incluídos ou mantenham o desconto. O cliente pode checar na conta de luz a informação de que está sendo faturado com a Tarifa Social.

Caso atenda aos requisitos e não possua o benefício na fatura, pode checar seu cadastro no CadÚnico de forma online (cadunico.dataprev.gov.br). Os interessados também podem procurar uma unidade do Centro de Referência em Assistência Social (Cras) da sua cidade para verificar o cadastro.

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