O mercado fonográfico brasileiro registra uma trajetória de crescimento. Apenas em 2024, esse segmento tão popular teve um faturamento de R$ 3,5 bilhões, segundo o relatório da Pró-Música Brasil Produtores Fonográfico Associados – antiga Associação Brasileira dos Produtores de Discos.
Os números aumentaram 21,7% em comparação ao ano anterior, atingindo um avanço recorde, muito impulsionado pelo sucesso do streaming, que ocupa 88% dessa receita total.
Em comparação com outros mercados, o brasileiro ocupa a nona posição no ranking global da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI).
Dentro do segmento da música, uma pequena parcela é composta pelas vendas físicas, mas que apresentou crescimento. O formato atingiu faturamento de R$ 21 milhões em 2024, contando com alta de 31,5% ante o ano anterior. As comercializações atingiram melhor patamar desde 2017.
No contexto de faturamento das vendas físicas, o vinil computou 76,7% do total, com R$ 16 milhões. Consequentemente seguidos pelas comercializações de CDs (23%), DVDs (0,1%) e outros produtos (0,2%). O resultado representa um crescimento de 45,6% em comparação à 2023, primeiro ano em que o formato superou a preferência por CDs.
Os Long Playing Records (LPs), ou discos de longa duração no português, foram chamados de obsoletos por alguns. Nos anos 1990, com a popularização dos discos compactos digitais, os CDs, o formato foi dado como ultrapassado. Com a novidade na praça, muitos amantes da música se desfizeram de coleções inteiras, com a perspectiva da nova tecnologia.
Atualmente seria ainda mais impensável olhar para aqueles bolachões pretos gigantes, quando se tem milhões de canções na palma da mão, mas os dados mostram o contrário.
Com o aspecto da digitalização, o físico ficou muito mais atrativo, é o que explica ao O POVO Leonardo De Marchi, professor e pesquisador da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ).
Para ele, a geração atual está saturada do "universo da internet" e do "excesso de informação", influenciando-se por um "culto ao objeto, que você tenha, que você guarde, que você coloque para ouvir com os colegas", criando um "ritual ao redor dele".
"Muita gente tem preferido ter os LPS, usados ou novos, como uma forma de mercado de nostalgia ou de legitimidade do produto cultural. Então, a lógica do mercado de vinil se mantém como aparece para o consumidor, como um objeto durável ao longo do tempo, que pode virar objeto de culto", complementa.
Segundo Leonardo, que também tem dois livros publicados sobre a passagem dos discos físicos para o digital, parte do público consumidor se manteve e não seguiu para a novidade: os puristas e colecionadores. Hoje há uma transformação: "Um mercado muito singular, porque como ele deixou de ser um produto industrial, o disco de vinil ficou muito caro de ser feito, então ele virou um objeto de luxo".
O pesquisador aponta para outra perspectiva, dos artistas que têm a produção de vinil como uma fonte de renda certa, por eles serem caros e com preços fixos, diferente do streaming que hoje em dia "paga muito pouco para eles".
Além da questão da remuneração dos artistas, produtores e das vendas de discos físicos, o formato da música movimenta a economia de outras formas.
Mercado cresce atrelado à comunidade de amantes do formato
Thiago Borges, administrador de formação e fundador da Direct Discos, contou que sua paixão pela música foi herdada do pai, que colecionou a vida inteira. Aproveitando do contexto musical, a família se reunia para escutar discos juntos e "viver a música".
Para ele, o apreço e o aprendizado da música vinda do pai foram o principal motivador para criar a loja, transformando o hobby em negócio entre 2020 e 2021.
A ideia inicial era vender os discos pelas redes sociais, e daí vem o nome por se referir ao "chama no direct". Thiago surpreendeu amigos próximos: "Meus amigos mais próximos achavam que eu estava fazendo uma loucura, quem que gosta de disco?"
Desde a concepção da ideia, a procura por discos tem uma crescente constante. Com o sucesso, a loja foi se expandido e "dando muito certo". A Direct virou referência no segmento, com vendas constantes tanto na loja física quanto no meio online.
Ele estima comercializar em média 300 a 500 discos por mês, movimentando essa economia voltada para os discos. Com as plataformas de vendas, o administrador distribui música pelo mundo todo, vendendo álbuns tanto no Brasil, como em países como Estados Unidos e Espanha.
Com planos mais ousados que apenas uma loja, Borges idealizou criar um movimento da cultura do vinil na cidade, com o intuito de "fortalecer a cena, e fazer expandir" com um senso de comunidade. Foi quando surgiu, no fim de 2021, a ideia da feira "Mais Vinil".
A "Mais Vinil", realizada na Estação das Artes pelo menos uma vez por mês, é considerada por ele a "mais importante do Estado". Com cerca de 15 expositores, o evento atrai uma média de 900 a 1.000 pessoas por edição, funcionando como um "ritual" cultural para muitos.
A feira deu tão certo que a cada edição novas pessoas se interessam em participar, consolidando-se no calendário cultural da Cidade. Para além da tradicional feira, Fortaleza reúne outros polos de comércio coletivo, como a feira que ocorre no Museu da Imagem e do Som, atendendo à demanda existente no mercado.
O senso de comunidade realmente foi sendo criado e impulsionando os negócios, é o que diz Marilia Eskinazi, proprietária da HiFive Discos e Bar.
"Não importa se ele vai comprar de um, do vizinho, do outro, sempre acaba dando certo para todo mundo, cada um tem o seu público. Se você olhar para o mês, o dia que mais vendeu o disco é o dia da feira, é um dia que tem muita importância [...] Tem esse senso mesmo de comunidade", afirmou.
A HiFive é um exemplo de como esse contexto do vinil aqueceu o mercado. Foi criada em 2020 com o objetivo de agregar a música com um ambiente de alegria e descontração, que é um bar. Marília conta que, a partir de 2024, as vendas de vinil só cresceram. A loja atualmente também realiza eventos como apresentações culturais, fortalecendo a cena para quem realmente "gosta de música".
"O cenário é bem positivo para o ramo musical, tendo espaço para todos os tipos de públicos. O importante é a música em si, a música que move o mundo", conclui Thiago.
Com crescimento da indústria, oportunidades de negócios em novos formatos surgem
Que o mercado da música está aquecido já é um fato, mas a possibilidade de novos meios de comércio surgem com a demanda crescente. É o caso da Noize Record Clube, o primeiro clube de assinatura de vinil da América Latina.
Segundo Pablo Rocha, diretor da Noize Media, grupo que engloba o clube de assinaturas, uma revista especializada em música e outro negócios, o mercado está em expansão no Brasil e em todo o mundo: "Vemos isso, na prática, com o aumento da nossa base de assinantes e de seguidores".
O clube funciona com dois formatos, as assinaturas mensais que têm valor fixo de R$ 95, e é o principal foco da empresa, e as vendas avulsas que ficam em torno de R$ 200 por disco. Atualmente, a empresa conta com 10 mil assinantes recorrentes em todo o país.
Pablo conta que o clube surgiu em 2014, como forma de agregar a revista que já existia, distribuída de forma gratuita e com foco no comportamento musical. Ele afirma que na época o modelo de clubes de assinaturas já vinham aparecendo com outros produtos, mas que na área da música não havia sido aproveitada, quando viu a oportunidade de agregar com outro modelo que começara a crescer, o vinil, o clube iniciou de forma pioneira.
"Tivemos que mudar a cultura do mercado, principalmente de licenciamento, para achar o modelo do que sempre quisemos fazer: popularizar a cultura do vinil[...] O clube possibilita que as pessoas conheçam artistas novos e também adquiram clássicos por um preço mais acessível e com uma experiência muito complementa".
A ideia ousada valeu a pena, conta Rocha, o clube Noize, com mais de 10 anos de existência, vai chegar em agosto na sua 100ª edição, sempre ouvindo toda a comunidade que gira em torno da marca, trazendo sempre "o melhor para gerações distintas que consomem música". A empresa tem 50 pessoas trabalhando diretamente com a produção.
A produção dos discos é feita com uma fábrica do Rio de Janeiro, a Polysom, fundada em 1990, uma das únicas que se manteve operando no Brasil, e uma das mais antigas do País. Durante 8 anos, foi a única fábrica de vinil de toda a América Latina.
Para além do clube de assinatura, a Noize busca incentivar a música em muitas frentes, trazendo benefícios como discos mais acessíveis ou descontos em shows. Em 2024, eles lançaram um novo produto, a NRC+, oferecendo edições especiais com itens colecionáveis. Eles também contribuem para a expansão de artistas independentes, realizando eventos ao vivo com alguns dos músicos que passaram pela casa.
O DNA da música esteve presente desde a criação da Noize, com esse mercado do "barulho" sendo o principal negócio da marca eles buscam "cada vez mais, ampliar a comunidade dos amantes da música", conclui.