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Exportações do Ceará em xeque com o tarifaço
Reportagem

Exportações do Ceará em xeque com o tarifaço

Todos os principais setores impactados aguardavam a confirmação do percentual da tarifa para rever estratégias. Governo e federações atuam em busca de atenuar os impactos
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Mais da metade das exportações cearenses são para os EUA (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Mais da metade das exportações cearenses são para os EUA

A oficialização do tarifaço imposto por Donald Trump aos produtos brasileiros deixou o Ceará em uma situação extremamente complicada. Isso porque, além de ser a unidade federativa com maior dependência
do mercado americano (51,9%), os principais itens da pauta de exportação cearense não entraram na lista de exceções e, portanto, devem ter a alíquota elevada a partir de 6 de agosto.

As placas de aço escaparam da tarifa adicional de 40% anunciadas ontem, mas sobre a cadeia como um todo já incidia uma taxa de 50% em vigor desde junho. Ou seja, nada muda.

Caso não haja solução para os percentuais, os empresários cearenses se agarram ao cumprimento de promessa feita pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que, em reunião com a comitiva cearense, em Brasília, disse que o Estado receberá atenção prioritária no momento em que o Governo Federal anunciar medidas compensatórias aos setores mais impactados.

Quem confidenciou foi a fundadora da Associação Nacional dos Produtores de Coco (Aprococo), Rita Grangeiro. Fora da lista de exceções publicada pelo governo Donald Trump, ela afirma que o setor pode entrar em crise no Ceará, já que quase 90% da produção das duas principais indústrias que beneficiam coco no Estado são vendidas aos Estados Unidos.

"É um desastre. Vai impactar o pequeno produtor lá na ponta com a queda no preço. Com os contratos de exportação, eu pagava R$ 1,80 por 1 litro de água de coco. Agora, é esperar que esse preço fique em R$ 1,20, mas já tem gente pagando R$ 1 só pela crise e assim não banca o custo de produção", aponta.

Segundo ela, o momento do anúncio da tarifação foi o pior possível, pois há uma super safra sendo colhida. Isso faz com que, mesmo com as exportações em alta, ainda haja coco cobrando no Ceará. A proporção é comparável ao período de seca extrema ocorrido na década passada, última crise enfrentada pelo setor.

Em julho, total de US$ 3 milhões em água de coco foram exportados somente de uma das cinco fábricas, sendo que 90% da produção foi destinada aos Estados Unidos. Outra operação fabril exportou aproximadamente 80% de sua produção ao país.

"Em um raio de aproximadamente 150 km (de Paraipaba), temos de 1,7 mil a 1,8 mil produtores. Reduzir o valor pago pelo litro da água de coco significa sério problema para o produtor", pontua.

Negociação

Governo do Estado e líderes de setores se reúnem há semanas e devem, agora, listar quais os principais impactados para executar planos de socorro para eles. Reveladas ontem à tarde, o decreto da taxação e a lista de exceções são objeto de estudo pelas equipes técnicas.

Amílcar Silveira, presidente da Federação da Agricultura do Estado do Ceará (Faec), diz estar de olho na confirmação dos produtores rurais cuja exportação deve ser alvo do tarifaço. Cera de carnaúba, pescados e água de coco são as principais preocupações do líder classista.

“Eu me espanto com uma atitude dessa, de um presidente da República. Intempestivo. Eu só posso lamentar”, falou sobre Donald Trump. Ele ainda destacou a sugestão do acesso aos créditos de exportação para os produtores impactados, que defendeu junto ao governador Elmano.

No agronegócio, afirmou, os empresários tinham nos Estados Unidos um mercado exigente e que chancelava a produção para chegar a qualquer parte do mundo. Mas, após o tarifaço, ele disse ampliar os esforços para diversificar os mercados atendidos pelos produtores cearenses.

A gerente do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Ceará, Karina Frota, observa que, "independente se o problema tem a sua origem em uma questão política, hoje é um problema econômico e comercial extremamente relevante". Ela se refere aos argumentos americanos, que classificam o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro como perseguição.

A gerente do CIN destaca que, dos mais de R$ 1 bilhão exportados na primeira metade de 2025 pelo Ceará, R$ 556 milhões tiveram os Estados Unidos como destino e é impossível ignorar aquele mercado.

"Para o estado do Ceará, é um país extremamente importante, é a nossa exportação mais expressiva", reforça, acrescentando que não é possível substituir um mercado que concentra tanta produção em poucos dias.

Por meio de nota, a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) afirma que reuniu suas áreas técnicas, o Observatório da Indústria do Ceará, o CIN, além de empresários para analisar todas as informações. As partes estudam os impactos da medida tomada por Trump "e ações a serem tomadas para mitigar os efeitos do tarifaço assinado pelos EUA".

Josilmar Cordenonssi, economista e doutor em Administração, avalia que, mesmo com a lista de exceções, o cenário continua adverso, já que a média de tarifas enfrentadas pelos produtos brasileiros era de 2%, ou seja, o patamar subiu em cinco vezes.

Ele ainda destaca o papel de pressão exercido pelos empresários dos EUA, que defenderam seus interesses na importação de produtos brasileiros. O que pode continuar sendo uma estratégia a ser explorada, já que o teor da lista de exceções revela a ideia protecionista da medida.

"Não dá para negociar quando a moeda de troca exigida é a interferência no sistema de Justiça com o perdão ao (ex-presidente) Jair Bolsonaro. Mas dá para tentar negociar indiretamente, através do setor privado americano que compra os nossos produtos, que eles pressionem", pontua.

Ação de curto prazo e resposta aos exportadores brasileiros

Célio Fernando Bezerra Melo, economista e consultor, defende que, mesmo com a lista de exceções, o Brasil prossiga no objetivo de negociar o fim de taxações. Mas também atue de forma prática para proteger as empresas exportadoras.

Para isso, sugere um pacote de medidas fiscais e tributárias, como crédito subsidiado em bancos públicos, mas o principal seria a formação de um fundo soberano usando de US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões em reservas do País em dólar para custear um possível baque nas exportações temporariamente.

Célio acrescenta ainda que essas medidas emergenciais passam pela atuação mais firme do Congresso Nacional, com a aprovação de leis federais e alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal. "Precisamos de quatro a cinco ações estruturantes e que possam atender o curto prazo até a estabilização".

Veja lista completa dos 694 produtos isentos da taxa de 50%, segundo a Casa Branca:

 

Mais notícias de Economia

Exportação de frutas sofrerá "impacto grande", diz Abrafrutas

O setor de frutas espera impacto negativo nas exportações a partir da imposição de tarifas pelo governo dos Estados Unidos. Especialmente por conta da safra de manga.

Quem faz a análise é Luis Alberto Barcelos, diretor da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas). Conforme ele, como as frutas não estão entre os quase 700 itens isentos da taxa, o Brasil de forma geral deve sofrer um "impacto grande" com a cobrança, principalmente sobre a manga.

"Embora o destino maior das frutas brasileiras não seja os Estados Unidos, seja a Europa, os EUA representam 12% do que a gente exporta, mas na manga tem uma participação muito grande, a safra começa exatamente agora, exatamente nesse comecinho de agosto", explica.

"Sobre a oferta, o consumo é o mesmo, então o preço cai e atualmente não vai nem compensar colher uma parte da manga que tem aí, então o desemprego (que pode causar) é muito ruim", completa.

No entanto, quanto ao Ceará ele diz que no caso específico da manga o mercado não será afetado, pois o produto "sai predominantemente do Vale do Rio São Francisco e um pouco do Rio Grande do Norte". Já frutas como o melão e a melancia devem, segundo analisa, sofrerem um pouco de impacto.

Apesar disso, Alberto destaca que o Porto do Pecém vai perder muita carga, uma vez que "essas mangas e uvas que iriam para os EUA produzidos em outros estados são exportados pelo Pecém".

Outro setor impactado é o de castanhas de caju. Um detalhe técnico gera apreensão, já que a lista de exceções inclui a castanha-do-Pará, mas excluiu os demais tipos típicos do País.

O POVO apurou que a indústria cearense Usibras - que possui fábricas no Brasil, Gana e Estados Unidos - segue em contato com parceiros nos EUA para compreender os detalhes da medida.

Indústria Wirth Calçados
Dois Irmãos (RS) 14.04.2006 - Foto: Miguel Ângelo
Indústria Wirth Calçados Dois Irmãos (RS) 14.04.2006 - Foto: Miguel Ângelo

Setores ainda avaliam efeitos, mas alcance das perdas preocupa

Dos cearenses exportadores de produtos para os EUA, o de rochas ornamentais ainda analisa os impactos e mantém expectativas positivas em relação ao seu principal item na pauta de comércio internacional, os quatzitos, que representam 50% das exportações de rochas aos EUA.

Carlos Rubens Alencar, presidente do Sindicato das Indústrias de Mármores e Granitos do Estado do Ceará (Simagran-CE), afirma que, segundo a lista inicial divulgada pela Casa Branca, apenas as rochas ornamentais quartzitos estão na lista de exceções - sendo taxadas em 10%, mas outros produtos como pedra sabão, mármores e granitos, que também são exportadas pelo Ceará aos EUA, não - sendo taxadas em 50%.

Para Carlos Rubens, "motivos meramente políticos estão se sobrepondo às questões técnicas". Apesar das críticas, espera que haja uma ampliação da lista de exceções.

Outro setor fortemente afetado - não somente no Ceará, mas no Brasil - é o de calçados. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) fala em danos irreversíveis.

Segundo o presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira, o decreto de Trump antecipou um quadro grave e que irá atingir, em cheio, não somente o setor calçadista brasileiro, mas milhares de empregos.

"Temos empresas cuja produção é integralmente enviada ao mercado externo, a maior parte para os Estados Unidos. Essas empresas terão produtos muito mais caros do que os importados da China, por exemplo, que pagam uma sobretaxa de 30%. Estamos falando, neste primeiro momento, de uma perda estimada em cerca de 8 mil empregos diretos", concluiu. (Carmen Pompeu e Samuel Pimentel)

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