Uma política considerada agressiva de impor tarifas a mais de 90 países de uma só vez. Depois, o discurso do "venham a mim" para negociar.
A política comercial dos Estados Unidos baseada em tarifaços mexeu nas relações mundiais e gera impacto cadeia em diversos setores ao redor do mundo. Mas, do lado de Donald Trump, a estratégia dominadora surte vantagens para o projeto dominador do país norte-americano.
Com as tarifas já implementadas, os EUA já arrecadaram mais de US$ 100 bilhões, com projeções que podem ultrapassar US$ 160 bilhões apenas neste ano, o equivalente a aproximadamente 0,5% do PIB de lá. Para se ter uma noção do que o montante representa, o PIB do Brasil em 2024 foi de US$ 2.179,41 bilhões.
O levantamento é de Carlos Ottoni, especialista em comércio exterior e regimes aduaneiros especiais da empresa de consultoria KPMG. Segundo ele, esse montante representa alívio fiscal para o governo norte-americano, mas os efeitos danosos sobre os países exportadores têm sido significativos.
O especialista pontua que cerca de 12% do custo total dessas tarifas serão absorvidos pelos exportadores estrangeiros, enquanto o restante recai sobre consumidores e empresas americanas, que enfrentam preços mais altos e margens comprimidas.
“Para diversas economias emergentes e produtores agrícolas, o impacto tem sido expressivo, especialmente em setores altamente dependentes do mercado americano”, explica Ottoni.
“As tarifas tornam os EUA grandes e ricos de novo”, escreveu Trump em sua plataforma Truth Social na quinta-feira, 31 de julho, após anunciar novas tarifas para o mundo.
O Brasil ficou com a maior delas: 50%. Outros 90 países, incluindo a Argentina, que tem Javier Milei como aliado de Trump, conseguiram manter o percentual em 10%.
Na iminência da tarifa de 50% entrar em vigor para o Brasil, no dia 7 de agosto, no curto prazo, aponta Ottoni, é necessário maximizar o uso de regimes tributários e aduaneiros especiais.
Ele cita como exemplo o Recof e Drawback. O primeiro permite à empresa beneficiária importar ou adquirir no mercado local com a suspensão tributária mercadorias que serão aplicadas no processo produtivo de produtos destinados à exportação, podendo parte da produção ser vendida no mercado local.
Já o Drawback permite a isenção ou suspensão de tributos sobre os insumos utilizados na fabricação de mercadorias que serão exportadas.
Outra medida indicada por Ottoni é buscar créditos fiscais para aliviar custos internos e redirecionar exportações para outros mercados, como União Europeia, Ásia e Oriente Médio.
“No médio e longo prazo, será essencial diversificar mercados, investir em inovação e melhorar a competitividade logística interna, além de adotar uma estratégia ativa em fóruns internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e em negociações bilaterais para mitigar os efeitos das tarifas.
Também se torna fundamental proteger pequenos e médios produtores, que têm menor capacidade de absorver perdas ou redirecionar sua produção para novos mercados”, recomenda.
Não foi por falta de aviso. Em seu discurso de posse, Donald Trump deixou claro qual seria a marca de seu segundo mandato como presidente dos EUA.
“Seremos uma nação rica novamente. Iniciarei imediatamente a revisão do nosso sistema comercial para proteger os trabalhadores e as famílias americanas. Em vez de tributar os nossos cidadãos para enriquecer outros países, iremos impor tarifas e tributar países estrangeiros para enriquecer os nossos cidadãos”, declarou.
E ele tem cumprido à risca. Ameaçando tomar para si países como Groenlândia e Canadá, interferindo em políticas internas de estados soberanos e até mesmo em decisões do Judiciário, como no caso do Brasil, Trump vem impondo ao resto do mundo aumento de tarifas de produtos estrangeiros que entram nos EUA.
“Uma guerra tarifária totalmente ilógica. E que não haverá nenhum vencedor, todos serão perdedores”, avalia Josilmar Cordenonssi Cia, professor de finanças da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). O especialista afirma que, até aqui, os EUA venceram importantes batalhas. “Mas isso ocorreu mais por questões geopolíticas do que realmente econômicas”, explica.
Para ele, a Europa e o Japão não foram rígidos na negociação por conta do risco de perderem apoio militar dos EUA. “A Europa tem uma guerra na Ucrânia, (por isso) tem medo da Rússia expandir essa guerra para países da Otan”, aponta.
É tentando evitar o pior cenário possível, comenta Cordenonssi, que os países da União Europeia acharam melhor capitular, aceitar as condições dos EUA. Segundo o professor, o mesmo ocorreu no acordo com o Japão ao se comprometer a investir 500 bilhões de dólares nos EUA em troca de manter apoio militar contra uma eventual guerra com a China ou a Coreia do Norte.
Na avaliação do professor da Mackenzie, o acordo da Europa com os EUA tirou competitividade dos produtos brasileiros, uma vez que, por exemplo, a carne brasileira agora vai competir com a carne americana sem cota e com alíquota zero.
“Nós perdemos um potencial aliado nas negociações com os Estados Unidos, porque a Europa também está sofrendo essa ameaça, essa chantagem do Trump, Agora, a gente está meio que sozinhos, isolados de outros países”, afirma.
Por outro lado, o professor considera que as concessões que a Europa e Japão fizeram aos Estados Unidos podem indicar uma crença de que o governo Trump não vai ter toda essa força por muito tempo.
Cordenonssi lembra que em 2026 acontecem as eleições parlamentares nos EUA. “Pode ser que ele perca a maioria no Congresso. Então, boa parte dessas medidas que ele está implementando pode ser derrubada num futuro muito próximo, daqui um ano, um ano e meio”, prevê.
Josilmar Cordenonssi classifica a negociação com o Brasil como sendo “a mais complexa de todos os países”, porque não é uma negociação comercial pura, uma vez que envolve uma questão jurídico-política.
No decreto do tarifaço aplicado ao Brasil, Trump justifica a medida como meio de “lidar com as políticas, práticas e ações recentes do governo brasileiro que constituem uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos EUA”.
E cita o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e diz que ele sofre perseguição do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Como é que o Brasil vai negociar? Anistia ao Bolsonaro. Isso foge da alçada do Executivo, avalia Cordenonssi.
Para mitigar os efeitos do tarifaço sobre a economia brasileira, ele sugere, no curto prazo, ajuda do governo federal aos setores e empresas que vão ser fortemente prejudicados com a taxação de 50%.
Ganhos também no mercado de capitais
Além de concentrar as relatorias contra Bolsonaro no STF, Moraes também foi responsável pela abertura de investigação criminal sobre possível crime de insider trading - compra ou venda de ações de uma empresa de capital aberto por alguém que possui informações confidenciais - envolvendo operações bilionárias no mercado de câmbio.
A decisão atendeu ao pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), que identificou movimentações atípicas realizadas horas antes do anúncio das tarifas comerciais de 50% impostas pelo presidente americano Donald Trump ao Brasil, em 9 de julho.
De acordo com AGU, alguém comprou entre US$ 3 e 4 bilhões na cotação de R$ 5,46 às 13h30 daquele dia. Três horas depois, às 16h17, Trump divulgou carta oficial comunicando as sanções comerciais.
Em apenas três minutos, às 16h20, essa pessoa vendeu toda a posição na nova cotação de R$ 5,60, obtendo lucro estimado entre R$ 420 milhões e 560 milhões.
De acordo com o economista Ricardo Coimbra, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), também deve ser investigada a possibilidade de ter ocorrido a prática de insider trading quando da assinatura do decreto que elevou para 50% a tarifa das exportações brasileiras para os EUA.
“Com a informação sobre a exclusão de diversas empresas do tarifaço, a gente sabe que algumas empresas se tornaram beneficiárias. Se esse tipo de informação foi vazada com algum tipo de antecedência, pode ter potencializado algum tipo de ganho para um grupo de pessoas", explica o economista.
De acordo com Coimbra, as autoridades do mercado de capitais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) devem estar apurando se pode ter havido alguma movimentação atípica em decorrência da divulgação da lista de produtos isentos da tarifa norte-americana para os produtos brasileiros.
Vinculada ao Ministério da Fazenda, a autarquia atua na fiscalização, normatização e disciplina do mercado de valores mobiliários.
Dos países atingidos pelo aumento de tarifas pelos EUA, o Brasil é o único a ter aspectos políticos envolvidos. Isso porque Trump condicionou a abertura do diálogo com o governo brasileiro ao fim do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - réu por tentativa de golpe de Estado.
Momentos antes de assinar o decreto que aumentou para 50% as tarifas sobre os produtos brasileiros exportados para os EUA, Donald Trump aplicou a Lei Magnitsky contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes.
De imediato, o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) publicou nota em suas redes sociais afirmando que a Justiça no Brasil é ïnegociável” e prestou solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes.No STF, o ministro concentra as relatorias dos principais processos relativos ao crime de tentativa de golpe de Estado imputado a Bolsonaro.
Criada durante o governo Obama, a Lei Magnitsky, que foi aplicada pelos EUA contra Moraes, permite a imposição de sanções unilaterais contra indivíduos estrangeiros acusados de graves violações de direitos humanos ou envolvimento em corrupção. Entre as punições previstas, estão o congelamento de bens sob jurisdição norte-americana, bloqueio de transações financeiras e restrições de entrada nos EUA.
“A aplicação dessa lei contra o ministro Alexandre de Moraes representa um movimento extremamente grave e inédito na história recente das relações diplomáticas entre Brasil e EUA”, avalia a professora Sarah Lima, especialista em Direito Internacional.
Sarah explica que, ainda que não tenha efeitos diretos no ordenamento jurídico interno brasileiro, essa sanção representa uma forma de interferência política indireta na atuação do Poder Judiciário brasileiro, atingindo sua independência ao tentar deslegitimar internacionalmente um magistrado que exerce suas funções de acordo com o ordenamento jurídico nacional.
“Essa lei está sendo aplicada como uma ferramenta de pressão política”, afirma a especialista. Segundo ela, juridicamente, o ato se apoia no direito interno norte-americano, mas do ponto de vista do Direito Internacional, é problemático, uma vez que viola os princípios da soberania, da não intervenção e da igualdade soberana dos Estados.
“Ao aplicar essa lei contra um Ministro do STF, me parece que os EUA têm a intenção de enviar uma advertência global, na tentativa de reafirmar, perante o restante da sociedade internacional, a sua hegemonia”, destaca.
“A Lei Magnitsky, na prática, é um exercício de hard power com roupagem moral de soft power...ou seja, é coerção (hard power) travestida de defesa de valores (soft power)”, analisa Sarah.
De acordo com a professora, essa ambivalência é típica da política externa dos EUA nas últimas décadas. “Usam o discurso dos direitos humanos para justificar medidas unilaterais que impõem sanções, isolamentos ou retaliações, principalmente quando envolvem interesses geopolíticos”, explica.
Para Sarah Lima, a imposição unilateral de tarifas feita pelos EUA a diversos países do mundo representa um evidente desrespeito ao espírito da cooperação internacional e ao próprio Direito Internacional. “Uma perturbação à ordem econômica global”, afirma.
De acordo com ela, na carta enviada ao Brasil, por trás de todas as frustrações políticas mencionadas e das alegações de déficit infundadas, ficam evidentes as motivações geopolíticas dessa conduta, que, indica a especialista, seria a evolução do Brics, ou seja, o receio da desdolarização e da criação de uma nova ordem mundial.
“O ‘tarifaço', assim como as ameaças de investigações sobre o Pix, para além de atos comerciais, configuram uma clara intervenção política”, afirma Sarah.
Para alguns países, em especial, Brasil, Canadá, México, Panamá e Colômbia, as ameaças tarifárias envolvem, claramente, questões que ferem a soberania nacional. Mesmo assim, alguns estão negociando com o governo norte-americano, inclusive com muitas perdas, sem ao menos recorrerem às Cortes Internacionais.
Sarah explica que há uma combinação de fatores que explicam essa postura.de subserviência do mundo diante dos EUA. Primeiro, aponta a professora, é a assimetria de poder político, econômico e militar entre os Estados Unidos e seus parceiros comerciais.
“Muitos países, ainda que igualmente soberanos, estão inseridos em redes de dependência econômica que limitam sua margem de manobra”, explica.
Segundo, continua Sarah, é o receio de retaliações mais duras e a crença de que soluções diplomáticas, ainda que custosas, são preferíveis a uma confrontação jurídica prolongada, especialmente considerando a morosidade e a politização de algumas instâncias internacionais.
“Na OMC (Organização Mundial do Comércio), por exemplo, os processos costumam ser lentos e a organização não tem poder para obrigar um país a suspender taxações”, cita.
A professora explica que, juridicamente, o Brasil possui instrumentos legítimos para reagir. Ela aponta como exemplo a Lei da Reciprocidade Econômica (Lei 15.122/25), que permitiria a imposição de tarifas equivalentes aos produtos norte-americanos.
A medida, regulamentada recentemente, enfrenta, contudo, forte resistência de setores empresariais, preocupados com os efeitos colaterais de uma guerra comercial.
Além disso, o Brasil tem outras opções como: recorrer à Corte Internacional de Justiça, se houver base jurisdicional (como cláusulas compromissórias em tratados ratificados, por exemplo).
Uma outra saída, segundo ela, seria explorar a via diplomática multilateral, articulando coalizões com países igualmente afetados, o que pode gerar maior pressão e visibilidade internacional.
“Essa, porém, embora politicamente interessante, não apresenta garantia de sucesso”, pondera.
De acordo com especialistas, o Brasil poderia recorrer, ainda, ao Tribunal Americano de Comércio Internacional, aliando-se às empresas americanas que usam insumos brasileiros em seus produtos e vão lucrar menos com o tarifaço de Trump.
Internamente, avalia Sarah, a pressão empresarial contrária a essas medidas reflete o temor de retaliações comerciais e a visão de curto prazo, priorizando o acesso ao mercado norte-americano em detrimento da afirmação da soberania nacional e da ordem jurídica internacional.
“Cabe, portanto, ao Estado brasileiro ponderar o interesse público e a necessidade de proteger sua autonomia institucional, inclusive do Poder Judiciário”, diz. “A partir disso, vemos um retorno preocupante ao unilateralismo e à lei do mais forte — um retrocesso histórico que desafia os fundamentos do sistema internacional construído no pós-guerra”, completa a especialista.
Sarah lembra que desde 2017, observa-se uma crise de autoridade na OMC, por exemplo, com o bloqueio das nomeações para o Órgão de Apelação por parte dos próprios Estados Unidos, inviabilizando o sistema de solução de controvérsias.
“O mesmo ocorre em outras instituições, onde a fragmentação do multilateralismo e o avanço de tendências nacionalistas têm corroído a legitimidade e a efetividade dessas instâncias”, aponta.
“Ademais, o direito internacional, por sua natureza descentralizada e dependente da cooperação voluntária dos Estados, revela suas limitações em contextos de assimetria acentuada”, destaca Sarah.
A capacidade do País de rebater
Em um primeiro momento, o Brasil sentirá os impactos negativos das medidas do tarifaço, como desemprego e redução nas exportações. Mas a longo prazo, o país, como "celeiro do mundo", tem a capacidade de se recuperar, já que países menores não conseguirão suprir a demanda dos EUA.
Essa é a previsão de Carlos Rifan, consultor internacional, especialista em Relações Institucionais e Governamentais e presidente da Associação Nacional dos Profissionais de Relações Internacionais (Anapri).
Com mais de uma década de experiência em negócios internacionais, comércio exterior e cooperação multilateral, ele afirma que a tarifa de 50% imposta ao Brasil, embora justificada politicamente pela situação do ex-presidente Bolsonaro, tem raízes mais profundas, incluindo questões com as bigtechs e a aproximação do Brasil com os países dos Brics para diminuir a dependência do dólar.
“A gente tem essa brasilidade na nossa negociação e o Trump não gosta disso. Ele quer um processo de subserviência. Ele quer um processo que a gente fique à disposição dele”, afirma.
Rifan acredita que a questão política interna, como a posição do presidente Lula nas pesquisas e a pressão do centrão, se tornará mais relevante do que as questões externas.
De acordo com o consultor, a busca por outros mercados, os acordos comerciais com Vietnã e Indonésia, vão funcionar como medidas paliativas que, junto à devolução dos créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), anunciadas por alguns estados, vão se somar aos esforços diplomáticos para ganhar tempo.
Rifan avalia que o Brasil ceder à política de justificativa de tarifas baseada no ex-presidente Bolsonaro seria abrir mão de sua soberania, e que a questão é mais profunda, envolvendo os movimentos diplomáticos e econômicos do Brasil que são contrários aos ideais de Trump.
Na opinião dele, Trump vê a América do Sul como um "quintal" dos EUA, esperando que continue sendo um fornecedor de commodities e em posição de subserviência.
Rifan contextualiza a política diplomática brasileira de fazer acordos com diversos países, citando a negociação do acordo nuclear com o Irã em 2008-2009 e a aliança do General Geisel com a Alemanha Oriental na ditadura militar, demonstrando um histórico de "boa praça" que o Trump não aprecia, levando a retaliações como as que ocorreram com o México e o Canadá.
De acordo com ele, Trump não irá aguentar a pressão interna das empresas e da sociedade norte-americana, que será muito maior do que a pressão sofrida pelo governo brasileiro.
Ele pontua que 3 milhões de empresas americanas, que comercializam os produtos brasileiros nos EUA, serão afetadas, e que o lobby dessas empresas no Congresso e na Casa Branca é significativo.
Nessa queda-de-braço entre Brasil e EUA, Rifan acredita que o Brasil tem maior "musculatura" e aposta no recuo de Trump, que, embora não retire toda a tarifa, pode reduzi-la para patamares como 30%. Essa redução, prevê o especialista, jogaria a responsabilidade para os governos estaduais no Brasil, que teriam de lidar com a perda de arrecadação.
Brasil trava guerra assimétrica com os EUA, avalia ex-diretor da Apex
“Vivemos uma guerra comercial assimétrica: os EUA usam tarifas como ferramenta geoeconômica para realocar cadeias produtivas (reshoring), enquanto o Brasil tem capacidade limitada de retaliação”, analisa Márcio Coimbra, ex-diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e CEO da Casa Política, empresa especializada em palestras sobre cenários e risco político.
Ele explica que os EUA negociam acordos bilaterais pressionando países a reduzir tarifas em troca de acesso ao seu mercado.
“Essa estratégia busca recuperar a base industrial, especialmente em setores como o aço, reduzir o déficit comercial e impor regras favoráveis, como limites a políticas industriais de parceiros”, diz. Mas, segundo ele, embora obtenham acesso ao mercado norte-americano.
Países que aceitam reduções tarifárias perdem receita tributária e podem enfrentar desindustrialização em setores não competitivos.
No caso brasileiro, a diversificação de mercados é apontada pelo ex-diretor da Apex, como medida a ser adotada no curto prazo, bem como subsidiar a logística de exportação e buscar isenções via diplomática ou OMC.
“No médio prazo (2-5 anos), acelerar acordos com União Europeia e Ásia, e agregar valor a produtos, exportando semi acabados, para evitar tarifas sobre commodities”. No longo prazo (5+ anos), desenvolver indústrias de alta tecnologia e posicionar-se como alternativa sustentável em cadeias globais (mineração verde, biocombustíveis), sugere.
“Os EUA têm reconfigurado sua política comercial por meio de acordos bilaterais seletivos, pressionando países a reduzir tarifas e ajustar regras em troca de acesso privilegiado ao seu mercado”, explica o ex-diretor da Apex Brasil.
Essa estratégia, segundo ele, é impulsionada por objetivos de "reindustrialização" e redução do déficit comercial, e já rende ganhos tangíveis aos EUA. O país fortaleceu setores como aço e autopeças ao atrair investimentos domésticos (ex.: US$ 23 bilhões em novas plantas siderúrgicas desde 2021) e ampliou o controle sobre cadeias de suprimentos, como no acordo com México e Canadá, que impôs quotas de produção local e limitou políticas industriais dos parceiros.
“Estima-se que essas medidas contribuíram para reduzir o déficit manufatureiro em US$ 68 bilhões entre 2022 e 2023”, informa Márcio Coimbra.
De acordo com ele, os países que aceitaram os termos, os custos são significativos. “O México, sob o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (UMSCA), perdeu autonomia para subsidiar setores estratégicos e viu empresas realocarem operações para os EUA”, cita.
Ele lembra também o caso do Vietnã, que ao concordar com monitoramento cambial rígido em seu acordo de 2023, comprometeu instrumentos de política econômica.
“Essas nações enfrentam erosão de receitas tarifárias (a média de perda fiscal gira em torno de 0.8% do PIB entre parceiros menores) e riscos de desindustrialização precoce em setores incapazes de competir com produtores americanos subsidiados. Embora obtenham acesso ao mercado consumidor mais rico do mundo, estudos como os do Peterson Institute indicam que 40% das exportações adicionais geradas por esses acordos são, na realidade, desvios de comércio de outros países – não ganhos líquidos globais”, afirma.
O decreto do tarifaço assinado por Donald Trump impõe tarifas sobre as importações dos EUA provenientes do Brasil, alegando "ameaças à segurança econômica nacional" e práticas comerciais desleais. Contudo, a medida exclui produtos estratégicos da lista de exceções.
“Essas isenções revelam um pragmatismo calculado. Apesar do tom protecionista, as exclusões confirmam que interesses econômicos domésticos e relações setoriais específicas moldam a política comercial”, avalia Carlos Coimbra.
A lista de exceções de Trump indica, na análise do especialista, que o Brasil mantém acesso privilegiado para commodities essenciais, minimizando danos imediatos. “Mas o tarifaço sinaliza tensões bilaterais em setores industriais”, aponta Coimbra.
Segundo ele, a não isenção do café prova que a influência do agronegócio americano foi seletiva: protegeu commodities essenciais para insumos industriais (soja/algodão) e proteína básica (carne), mas não bens de consumo não-essenciais (café).
A soja e o algodão ficaram isentos do tarifaço, na avaliação dele, por serem matérias-primas críticas para indústria (óleos, têxteis) e ração animal. Já a carne bovina é uma exceção estratégica para evitar inflação alimentar nos EUA.
O café foi excluído, explica Coimbra, por ser substituível (importações de Colômbia, Vietnã) e menos vital para cadeias produtivas.
O especialista acredita que as isenções refletem o cálculo de dependência estrutural, e não lobby generalizado. “A omissão do café expõe limites da influência setorial e prioriza commodities com menor elasticidade de demanda. O Brasil enfrentará pressão assimétrica: setores de commodities protegidos vs. agronegócio de valor agregado e indústria penalizados”, prevê.