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20 anos depois, "poeira" do furto ao BC ainda encobre histórias e personagens
Reportagem

20 anos depois, "poeira" do furto ao BC ainda encobre histórias e personagens

Quadrilha que violou caixa-forte do Banco Central de Fortaleza por um túnel, e de lá saiu com R$ 164,7 milhões em agosto de 2005, ocultou personagens debaixo da poeira deixada pelo episódio histórico. E fez um legado no cenário criminal brasileiro
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QUARTO nos fundos da casa de onde partiu o túnel (Foto: imagens REPRODUÇÃO POLÍCIA FEDERAL)
Foto: imagens REPRODUÇÃO POLÍCIA FEDERAL QUARTO nos fundos da casa de onde partiu o túnel

Vinte anos depois, o tempo e a memória picotam detalhes do que foi aquele furto milionário ao Banco Central de Fortaleza. Mas o enredo é tão longevo quanto intrigante. De um plano absurdamente ousado e tudo o que até hoje se sucede. Uma quadrilha de 30 e poucos homens escavou um buraco de 80 metros de extensão, entre o final de abril e o início de agosto, por debaixo de uma das avenidas mais movimentadas da Cidade, para invadir uma caixa-forte até então inviolável.

Tanto tempo depois e a poeira daquele túnel segue espalhada pelo ar. Em histórias e personagens que não foram notados à época das investigações policiais. Pelo impacto que causou no cenário criminal brasileiro, ao financiar diversas ações ilícitas nos anos seguintes. A sujeira ficou mais densa. Na época, não havia no Brasil notícias de um crime desse porte. Era o maior furto registrado no País.

Entre a noite do dia 5 e o começo da manhã de 6 agosto de 2005, o grupo entrou e saiu de lá, sorrateiramente, levando mais de três toneladas e meia em notas de 50 reais. No total, R$ 164.755.150,00. Eram cédulas que estavam separadas dentro do cofre porque iriam a descarte, por serem desgastadas. Seriam mais difíceis de rastreamento. Esta era informação vazada aos criminosos por seguranças terceirizados do banco. 

Pela quantidade de criminosos, fatos conectados em pelo menos 14 Estados mais o Distrito Federal, desde a retirada até a lavagem do dinheiro, seria difícil o passado não apresentar velhas “novidades”. É o próprio responsável pelo inquérito do caso ao longo de cinco anos, o delegado federal Antônio Celso dos Santos, 65 anos, hoje aposentado, que conta de pequenas pontas que ficaram soltas. Uma delas, segundo ele, foi a de que pelo menos dois homens da quadrilha não foram alcançados pelos investigadores quando o trabalho policial estava em andamento. Passaram incólumes, sem denúncia, sem punição pelo crime.

“Depois que o caso todo terminou, você pensando, repensando, lembrando de detalhes, teve dois que hoje nós sabemos que participaram, que a gente descobriu já no final, mas não tinha até então identidade de quem seria. E depois de muito tempo a gente pensando, falou: ‘pô, mas esse aqui era o era fulano de tal que a gente nunca conseguiu pôr a mão, que um era um genro do Pedrão (Pedro José da Cruz, um dos réus) que o pessoal chamava ele de ‘Loirinho’ e a gente não sabia quem era’”.

Celso aponta que Loirinho teria sido inclusive um dos “tatus”, tendo participado ativamente da escavação do túnel desde o início e recebido sua fatia de quase R$ 5 milhões. Sua identidade não foi confirmada durante a investigação principal. E se soube posteriormente de um desfecho trágico para o personagem. Sem lembrar de datas, o delegado descreve que Loirinho “foi sequestrado junto com o Anselmo (Oliveira Guimarães, o ‘Cebola’) para ser extorquido (por policiais). Foi morto e jogado dentro de uma cisterna”.

Cebola tinha 32 anos quando foi morto nessas circunstâncias em janeiro de 2007, com outros dois homens, Márcio Markoski Simão e Quirino José Brito, ambos de 27 anos. Os corpos acabaram num buraco como o que escavaram. Estavam amarrados, estrangulados, dentro de um poço a 22 metros de profundidade, no município de Santa Isabel, Região Metropolitana de São Paulo. Loirinho seria o apelido de Markoski. Sua relação com o furto ao BC teria sido identificada postumamente.

Do segundo personagem que passou batido à investigação, o delegado reconta que seu envolvimento não teria sido de chefia, era papel menos relevante no grupo. Teria sido próximo de gente da “casa do Mondubim”, apontada como uma das bases da quadrilha em Fortaleza nos primeiros dias pós-retirada dos milhões. “Nós nunca conseguimos identificar porque aparecia só apelido. E nem todo mundo conhecia o cara. Um morreu (Loirinho), não adiantava mais ir atrás, e esse outro até hoje não sei a identidade dele”, admite Celso.

No imóvel do bairro Mondubim, na avenida Perimetral, foram recuperados R$ 12,2 milhões em espécie e cinco pessoas foram presas. O dinheiro estava dentro de um buraco — mais um dessa história — debaixo da cama de um dos quartos da casa. Também houve buraco no quintal de uma casa na periferia de Natal, cerca de R$ 450 mil enterrados dentro de uma mala. Foram achados por meninos que pularam o muro para buscar uma bola que havia caído no local.

Um desses buracos estava na cozinha de uma casa em Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, que escondia o cofre de um dos investigados mais procurados do caso: Antônio Jussivan Alves dos Santos, o “Alemão”. Apontado como um dos mentores do furto, Alemão foi preso em 25 de fevereiro de 2008, após 931 dias de fuga. Atualmente, está recolhido na Penitenciária Federal de Catanduvas (PR). 

Segundo o delegado, o financiador teria sido o paulista Luiz Fernando Ribeiro, o “Fernandinho”, que teria investido cerca de R$ 300 mil. Fernandinho foi morto apenas dois meses depois do furto. Em 7 de outubro, foi sequestrado quando chegava numa boate em São Paulo. Sua família pagou o resgate, de R$ 2 milhões, mas seu corpo foi desovado dois dias depois numa estrada em Camanducaia (SP). Policiais civis teriam cometido a extorsão mediante sequestro.

O dinheiro em espécie que não foi recuperado é uma das controvérsias mais perpetuadas nesse tempo. Muitos ainda pensam em cédulas de 50 enterradas por quem fez parte da quadrilha. Perguntado se, na hipótese de a investigação ser reaberta, ainda haveria gente a ser presa e mais coisa poderia ser descoberta, Antônio Celso não hesita. “Certeza, muita coisa, muita gente. Não os cabeças, mas um ou outro que teve participação secundária, algum lavador de dinheiro que acabou ficando com dinheiro também”.

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