Logo O POVO+
Idade média da frota de ônibus de Fortaleza ultrapassa 8 anos
Reportagem

Idade média da frota de ônibus de Fortaleza ultrapassa 8 anos

| TRANSPORTE PÚBLICO | O POVO obteve dados que dão panorama sobre a frota das empresas em atuação no sistema. Empresa com menor média tem quase 5 anos. No pior cenário, chega próximo de 11 anos. Frota envelhecida impacta passageiros sem ar-condicionado até as encomendas à indústria automobilística
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Frota de ônibus do transporte coletivo de Fortaleza nunca foi tão antiga, segundo o Sindiônibus (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Frota de ônibus do transporte coletivo de Fortaleza nunca foi tão antiga, segundo o Sindiônibus

A idade média da frota de ônibus do transporte público de Fortaleza é de 8,4 anos. Em 2019, era de 6 anos. O POVO obteve, com exclusividade, os dados da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor).

O envelhecimento da frota ocorre ao mesmo passo em que diminui a quantidade de passageiros. Em 2019, o sistema transportava quase 1 milhão de usuários (954,8 mil). Desde 2020, esse montante vem em queda até atingir a atual média de 539,9 mil.

De acordo com a Etufor, com a pandemia, em 2020, houve uma queda exponencial na demanda de passageiros, “resultando em queda na receita das empresas, prejudicando, portanto, a renovação da frota”.

“A Prefeitura segue estabelecendo diálogos para melhorar a qualidade do serviço de transporte público na Cidade”, afirma em nota.

O POVO também procurou o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus), que repassou o detalhamento da idade da frota por empresa em operação.

Conforme os dados, a empresa com a frota de menor idade média é a Viação Fortaleza, com pouco menos de 5 anos. Por outro lado, a maior idade média é da Siará Grande, com quase 11 anos.

O Sindiônibus também inclui neste levantamento informações sobre a Santa Cecília (ex-Timbira), que anunciou falência no último dia 8 e ocasionou a demissão de mais de 200 trabalhadores. A frota tinha uma média de 12 anos, a mais defasada entre as operantes.

O modelo mais antigo era um ônibus leve, sem ar-condicionado, modelo Busscar de 2009. Já o mais novo na operação da companhia era um ônibus com ar-condicionado, modelo Caio de 2017.

Com a saída da Santa Cecília, o mais defasado que ainda roda na Cidade é um ônibus sem ar-condicionado, Mascarello, de 2010, pertencente à empresa Aliança.

Segundo o levantamento do Sindiônibus, das nove empresas na Capital, apenas duas delas têm frota totalmente composta por veículos com ar-condicionado (Viação Fortaleza e Via Urbana).

Outro apontamento possível é que seis das nove operantes adquiriram modelos 2025: Fortaleza, São José, Maraponga, Urbana, Vega e Dragão do Mar.

O tema idade da frota em circulação no sistema de transporte não é regulamentado pela Legislação Municipal. Diferentemente do que existe atualmente na Estadual, que regula o transporte metropolitano e intermunicipal.

No Ceará, está estabelecido que o limite de idade para a frota de ônibus em circulação, em serviços regulares, é de 15 anos, com exceção dos ônibus metropolitanos, em que o limite é de nove anos, conforme decreto de 2024. 

Ademar Gondim, chefe da Superintendência de Infraestrutura da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Conselho de Leitores do O POVO, avalia como problemática a atual condição do sistema de transporte público em Fortaleza.

Para ele, adaptações importantes precisam ser realizadas, como mudar a lógica na rede de vans, além de reforçar a importância das faixas prioritárias para o transporte coletivo.

“O que tenho visto nos últimos anos é que o transporte público não tem sido prioridade, por isso estamos nesta situação”, diz.

Ademar ainda aponta que, caso a situação do sistema piore, quem mais serão prejudicados são os moradores de bairros periféricos. Ainda segundo ele, é necessária uma discussão mais aprofundada sobre os meios de transporte individuais.

Segundo ele, apesar de positiva, a expansão das faixas para bicicletas compete com as demais faixas da via. E, neste conflito por espaço na rua, defende que o transporte coletivo seja priorizado em detrimento às bicicletas, carros e motocicletas.

“Não é justo você ter numa mesma rua um carro engarrafado com um ônibus engarrafado também. Um ônibus transportando 80 pessoas e os carros, motos e bicicletas levando apenas uma pessoa”.

Mais notícias de Economia

Impacto da idade média na indústria automobilística

O aumento da idade média da frota afeta até mesmo a indústria automobilística, que viu os pedidos por ônibus novos diminuírem nos últimos anos. O movimento é evidenciado em levantamento do Anuário do Transporte Público, da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

Segundo o Anuário, a idade média da frota de ônibus no Brasil se manteve em seis anos e cinco meses. Em Fortaleza, na gestão da então prefeita Luizianne Lins (2005-2012) atingiu 3,4 anos.

A NTU alega ser um dos principais entraves para a modernização da frota e a transição tecnológica/energética. Ainda assim, os principais itens de custos apresentaram estabilidade: o preço do diesel variou apenas 0,9% e os salários dos motoristas não registraram aumento significativo. Por esta razão, o custo por quilômetro apresentou variação negativa de 1,0%.

Em nível nacional, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) explica que houve uma retração geral do mercado, não só de ônibus, durante a crise econômica de 2015/2016.

Ainda segundo a entidade, nos anos seguintes, os volumes vinham se recuperando, mas esse segmento de transporte de passageiros sofreu outro baque durante a pandemia, em função das restrições sanitárias.

Mais recentemente, a Anfavea tem notado um processo de recuperação do mercado e estima obter o melhor resultado de emplacamento de ônibus desde o início da crise de uma década atrás. "Desde 2022 os emplacamentos vêm se recuperando, em especial neste ano, que prevemos fechar com 25,3 mil ônibus emplacados, maior volume desde 2014."

*O jornalista viajou a São Paulo a convite da NTU

 

FORTALEZA-CE, BRASIL, 12-08-2025: Frotas de ônibus de Fortaleza, na Estação BRT Jornal O Povo. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 12-08-2025: Frotas de ônibus de Fortaleza, na Estação BRT Jornal O Povo. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

43,3% dos usuários não pagaram passagem em 2024

No ano passado, apenas 56,7% dos passageiros de ônibus urbanos no País pagaram passagem, ante 72% em 2021. Noutros termos, 43,3% não pagaram em 2024, contra 28% em 2021. A diferença entre passageiros transportados e passageiros equivalentes (pagantes) vem se ampliando como resultado da criação de gratuidades e da concessão de subsídios.

De todo modo, os subsídios pagam em média 30% dos custos. Em Fortaleza, 32%. Este descompasso que fragiliza o sistema é demonstrado pela nova edição do Anuário NTU 2024-2025, da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). A nova edição foi lançada na terça-feira, 12, durante o 38º Seminário da entidade, em Brasília.

O presidente do Sindicato das empresas (Sindiônibus), Dimas Barreira, um dos mediadores do evento, disse que a maioria das pessoas que paga tem algum tipo de benefício. "Ou não paga, como idosos acima de 65 anos, ou paga um terço, como o estudante". Em Fortaleza, a tarifa cheia para o público custa R$ 4,50.

A tarefa técnica, que daria equilíbrio sem nenhum subsídio, segundo Dimas, seria de R$ 7,27. Ele pondera que mesmo quem paga a inteira, no mais das vezes, faz um longo percurso e acaba sendo deficitário. "A pressão é porque o passageiro que paga inteira para curta distância sai do sistema e opta pelas plataformas. Esse era o único passageiro que ajudava a fechar a conta".

Do ponto de vista operacional, os dados apontam sinais de recuperação. Em 2024, a quilometragem produzida — medida da oferta de serviços — cresceu 10,3%. O número total de passageiros transportados aumentou 9,8%, enquanto a quantidade de passageiros pagantes cresceu 4,7%. A diferença entre passageiros transportados e passageiros pagantes vem se ampliando.

Nos últimos cinco anos, o número de municípios que subsidiam o transporte coletivo mais que dobrou. Segundo o Anuário, passou de 120 para 241. Os subsídios são destinados a custear integrações, promover a separação das tarifas públicas e de remuneração e reduzir o custo total.

Outro dado: hoje há 154 cidades com tarifa zero. Destas, em 127 o benefício é pleno e universal. Vale em todos os dias da semana e para todos os usuários. Todavia, em nenhuma capital existe tarifa zero para todos de modo indiscriminado. Em 62% dos casos, a tarifa zerada é oferecida em cidades com menos de 50 mil habitantes.

O presidente do Conselho Diretor da NTU, Edmundo Pinheiro, destaca que esses números comprovam o impacto positivo dos subsídios integrais na reconquista de usuários, mas pondera que este modelo subsidiado exige uma política nacional, com diretrizes federais e fontes permanentes de financiamento.

Em países da Europa, a ajuda financeira estatal banca até 50% dos custos. O presidente do Conselho Diretor da NTU, Francisco Christovam, defende que a tarifa zero deve ser vista como política pública. Ele sugere estudo técnico para demonstrar o impacto social e econômico.

Christovam destaca que apesar da recuperação gradual, o número de passageiros transportados não atingiu os níveis pré-pandemia, sinalizando uma possível perda estrutural da demanda que reforça a necessidade urgente de mudanças. Em abril passado, o nível de demanda era de 86% em relação ao mesmo mês do ano de 2019.

"O Brasil vive um momento decisivo. Sem políticas públicas adequadas de financiamento, o transporte coletivo seguirá perdendo espaço para o transporte individual, o que impacta diretamente nas metas ambientais e no acesso universal à mobilidade".

O Anuário revela estagnação nos investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana. Dados compilados a partir de 2023 mostram a tendência de freio na implantação de faixas exclusivas, corredores e sistemas BRT.

Mesmo com o lançamento do Novo PAC, o número de empreendimentos ativos e operacionalizados segue abaixo do ideal, comprometendo a qualidade do serviço e a atratividade do ônibus como meio de transporte. A NTU alerta para a ausência de infraestrutura dedicada, com efeito, no maior tempo de deslocamento, menos conforto para o passageiro, maior custo e menor eficiência operacional.

*O jornalista viajou a Brasília a convite da NTU

 

FORTALEZA-CE, BRASIL, 12-08-2025: Frotas de ônibus de Fortaleza, na Estação BRT Jornal O Povo. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 12-08-2025: Frotas de ônibus de Fortaleza, na Estação BRT Jornal O Povo. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

As queixas de quem depende do serviço

Saindo da Estação da Aguanambi, o aposentado Luiz Carlos da Silva, manobrava a cadeira de rodas com cautela. Embora com dificuldade, carregava gentileza no olhar e nas palavras. Mas não poupou sinceridade ao apontar as adversidades que enfrenta diariamente na travessia pela cidade. Suas observações, afiadas, ficaram evidentes para além do que dizia.

"Alguns motoristas são gente boa, outros não. Já ouvi que ‘não pode parar mais à frente senão toma multa’. Eu digo: multa você pode até ter, mas não vou reclamar. Só queria que parasse. O problema é que a calçada não deixa passar, é alta, quebrada", relata.

Aos 74 anos, Luiz enfrenta obstáculos físicos e de atendimento. Quando não consegue desembarcar onde seria seguro, é obrigado a percorrer mais de 100 metros no meio da rua, dividindo espaço com os carros.

Luiz Carlos volta a destacar a falta de fiscalização e acessibilidade. "Hoje só tem uma vaga para cadeirante, no máximo duas. Muitas vezes estão ocupadas, e ficamos horas esperando outro ônibus", afirma. Reclama também da ausência de policiamento. "Reclamar para quê, se não tem policiamento? Já aconteceu de eu pedir para descer e o motorista ir embora. Apertei o botão, gritei, mas nada".

Ele cobra mais alinhamento entre Prefeitura e empresas para melhorar a operação, principalmente no Centro. "Aqui até dá para andar, mas no Centro é um horror", resume.

Apesar do sistema enfrentar uma crise, em que apenas 80 das mais de 300 linhas de Fortaleza são financeiramente viáveis e as demais operarem com prejuízo - mantidas por exigência contratual para atender áreas deficitárias, segundo o Sindiônibus -, para alguns usuários, há, sim, avanços no transporte.

"Hoje está mais fácil por causa do bilhete único. A gente tem duas horas para trocar de transporte sem pagar outra passagem. Isso ajuda bastante", afirma Maria Suiane, operadora de caixa.

Usuária diária, ela circula apenas durante o dia e diz se sentir segura nesse horário, mas reconhece que à noite o risco aumenta. Sua principal queixa é o tempo de espera aos fins de semana: "A rota é reduzida e ficamos muito tempo no terminal. Para ir para casa, espero uns 40 minutos".

Por outro lado, uma cuidadora que se apresentou como Elisângela, vê o serviço em declínio. "Tá ruim, péssimo. Eu pego às 6h10 e já está lotado. Sempre é lotado. O ar-condicionado não dá conta. Já achei até barata dentro do ônibus", conta.

Vítima da insegurança, ela revela que já foi assaltada duas vezes dentro do transporte coletivo. Além disso, reclama da baixa oferta de ônibus e defende o aumento da frota: "A linha que eu pego é muito ruim, já vem quebrada. Precisa ter mais transporte".

Outro usuário, que se identificou como Michel Douglas Moura da Silva, a avaliação é que o sistema merece uma maior atenção e diz que há poucos veículos para a quantidade de passageiros, além da insegurança. "Tem que melhorar muito, principalmente no cumprimento dos horários e na quantidade de ônibus. É pouco para muita gente", diz.

Assim como Elisângela, Michel também já foi assaltado em um ônibus. Sobre a falta de segurança, reflete que no horário noturno a sensação de insegurança é muito maior e hoje se sente aliviado por ter deixado de trabalhar à noite.

Na cadeira de rodas de Luiz, na pressa de Suiane, no aperto diário de Elisângela ou na tranquilidade de Michel, o transporte coletivo de Fortaleza se revela em múltiplas faces. Entre pequenos avanços e problemas crônicos, a rede de ônibus segue pressionada por dificuldades econômicas e operacionais. Para quem depende dela, cada atraso, lotação ou parada ignorada não é apenas estatística: é um obstáculo concreto no direito de ir e vir.

Pressão sobre o sistema

O presidente do Sindiônibus, Dimas Barreira, alerta que a crise financeira ameaça a manutenção do serviço em áreas deficitárias. Apenas um terço das linhas é lucrativo e, desde 2012, cinco empresas encerraram atividades. A mais recente foi a Santa Cecília, que operava 31 linhas e teve sua frota substituída temporariamente por veículos de outras empresas.

 

O que dizem os números

Linhas viáveis: cerca de 80 das mais de 300

Queda de demanda: mais de 50% desde a pandemia

Empresas fechadas: 5 desde 2012

Frota da Santa Cecília: 31 linhas, remanejadas pela Prefeitura

Risco: redução de atendimento em áreas deficitárias

Seminário Nacional da Associação das Empresas de Transporte Urbano (NTU) discute subsídios

 

 

Mais notícias de Economia

Confira os assuntos econômicos no Ceará, no Brasil e no Mundo

Acompanhe mais notícias de Economia no Linkedin do O POVO

Siga o canal de Economia no WhatsApp para ficar bem informado

Veja dicas rápidas sobre Educação Financeira no Dei Valor

Freio na criação de corredores e BRTs

O Anuário revela estagnação nos investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana. Dados compilados a partir de 2023 mostram a tendência de freio na implantação de faixas exclusivas, corredores e sistemas BRT

Marco Legal está na Câmara

Na agenda positiva do setor, 2024 marcou a aprovação no Senado Federal do Marco Legal do Transporte Público Coletivo. Do Senado, foi para a Câmara. E lá está. O Marco promete redefinir as bases da regulação do setor. Edmundo vê caminho para maior segurança jurídica, melhor governança e novos modelos de contrato.

Entre as medidas previstas, estão novas formas de financiar infraestrutura e operação, isenção de pedágio para ônibus urbanos, ampliação das receitas extra tarifárias e regras claras para reajuste de tarifas e equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Também está prevista a possibilidade de União, estados e municípios custearem parte das tarifas, para garantir benefícios à população e ampliar o nível de serviço.

O representante do Ministério das Cidades, o diretor do Departamento de Regulação da Mobilidade e Trânsito Urbano, Marcos Daniel, defende a aprovação do Marco Legal para dar segurança nos investimentos no setor. O discurso de Marcos agrada ao setor porque ele destaca o papel do segmento.

“O transporte público é um direito do cidadão e um dever do estado, ou seja, é uma responsabilidade da coletividade, assim como a saúde e segurança pública”.

A regulamentação da Reforma Tributária garantiu isenção do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para o transporte coletivo urbano, metropolitano e semiurbano para os operadores e um passo em direção à desoneração do serviço para os usuários.

“Não há mobilidade sustentável sem transporte coletivo forte, acessível e eficiente. Os avanços registrados nos últimos anos são fruto da ação conjunta de municípios e operadores, mas ainda carecemos de uma estrutura federal permanente que reconheça o transporte público como prioridade nacional”, diz o presidente do Conselho Diretor da NTU, Francisco Christovam. (Jocélio Leal, em viagem a Brasília, a convite da NTU)

O que você achou desse conteúdo?