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Dois estudantes são mortos e outros três ficam feridos após ataque a tiros em escola de Sobral
Reportagem

Dois estudantes são mortos e outros três ficam feridos após ataque a tiros em escola de Sobral

Vítimas estavam no estacionamento da unidade escolar Professor Luís Felipe quando foram alvejados por criminosos, que acessaram local pela calçada
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Homens atiraram da calçada contra os alunos  (Foto: Jorge Alves/Especial para O POVO)
Foto: Jorge Alves/Especial para O POVO Homens atiraram da calçada contra os alunos

Dois alunos da Escola de Ensino Médio (EEM) Professor Luís Felipe, em Sobral, a 233,78 km de Fortaleza, foram mortos a tiros na manhã dessa quinta-feira, 25, enquanto estavam no estacionamento da instituição pública. Outros três estudantes ficaram feridos, mas dois já receberam alta hospitalar. 

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Caso aconteceu no momento do intervalo, quando cerca de 600 alunos aproveitavam o descanso. Na ocasião, dois homens atiraram contra as vítimas no estacionamento da escola. Victor Guilherme Sousa de Aguiar, 16, e Luiz Cláudio Sousa Oliveira Filho, 17, foram atingidos e morreram imediatamente. 

Disparos atingiram mais três estudantes, com faixa etária entre 17 e 18 anos, que sofreram lesões no abdômen, na coxa e na panturrilha. Eles foram levados para a Santa Casa de Misericórdia de Sobral. Na tarde de ontem a unidade de saúde emitiu uma nota informando que dois desses alunos já haviam recebido alta hospitalar. O terceiro ainda permanecia sob os cuidados da equipe multiprofissional.

Câmeras de segurança flagraram parte da ação. Pelas imagens, é possível ver quando os dois homens chegam de moto e estacionam o veículo na esquina da escola, caminhando em seguida até o estacionamento da instituição. Mais de dez tiros são ouvidos e a dupla volta para a motocicleta, fugindo.

Um professor que não quis ser identificado e estava na escola no momento do crime afirmou que ouviu uma "rajada" de tiros. "Não aconteceu pior por Deus mesmo. Pela quantidade de tiros e pela quantidade de alunos que estavam na hora, poderia ter sido uma verdadeira chacina aqui", afirmou ao O POVO

Os dois alunos que vieram a falecer eram atletas em iniciativas sociais e tiveram mortes lamentadas por instituições na qual eram ligados. O projeto social esportivo Vila TN usou as redes sociais para lastimar óbito de Victor Guilherme, que era da categoria sub 17. "Não é só mais uma vida tirada de forma cruel e injusta. É o amor de alguém, a alegria de alguém, é a parceria de alguém, o filho de alguém, o amigo de alguém (...) nos despedimos não só de um, mas de dois jovens cheios de sonhos pela frente", relatou.

O outro garoto, Luís Cláudio Sousa Oliveira Filho, participava do projeto Inter Futsal de Sobral. "É com grande tristeza no coração que comunicamos o falecimento do nosso atleta Luiz Cláudio, um garoto alegre, sonhador, brincalhão, respeitador e amigo", escreveu o projeto em suas redes sociais. 

Corpos das vítimas chegaram por volta das 12 horas de ontem no Instituto Médico Legal (IML) e foram liberados às 18 horas, duas horas depois de familiares chegarem ao local.

De acordo com investigação da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), os suspeitos teriam efetuado os disparos pela calçada da escola, atingindo as vítimas que estavam no estacionamento da instituição. Órgão afirmou que as forças de segurança foram mobilizadas para capturar criminosos. 

Elmano de Freitas (PT), Governador do Ceará, foi até Sobral após o crime e falou com a imprensa ao sair da delegacia regional. Na ocasião, gestor garantiu que determinou o aumento do reforço policial na cidade e contou que vai enviar à Assembleia Legislativa (Alece) uma lei que visa comprar férias de policiais. Medida busca expandir o número do efetivo de segurança, principalmente, na cidade sobralense.

Roberto Sá, secretário da Segurança do Ceará, esteve junto ao mandatário estadual e disse acreditar que o crime foi premeditado, afirmando que a morte dos dois adolescentes se tratou de uma "execução". “Toda aquela movimentação dos dois que estavam na motocicleta terem estacionado, ido para aquele local que a gente perde a visão (...) terem efetuado disparos... me parece que sim, premeditaram”, disse. 

O titular da SSPDS também informou que com um dos jovens que foi a óbito foi encontrado entorpecente no bolso e uma balança de precisão. O POVO apurou que a substância se tratava de maconha. Já um dos adolescentes que foi atingido pelos disparos, mas que sobreviveu, responde por ato infracional análogo a homicídio, a roubo, porte ilegal de arma de calibre permitido e dano, conforme Sá.

Secretário também informou que a Polícia Militar (PMCE) apreendeu duas armas de fogo em um "dos lugares do qual se suspeita ter partido o ataque". Uma delas tinha calibre semelhante a cápsulas encontradas no local da ocorrência, e foi encaminhada para a perícia. 

"A Policial Civil (está) fazendo diligência a todo o momento, para identificar e localizar (criminosos) (...) Há já uma pessoa suspeita, cuja linha de investigação aponta uma forte possibilidade dela ter participado desse ataque", frisou Roberto Sá à imprensa, dizendo ainda ser cedo para apontar ligação entre as organizações criminosas e a ocorrência, uma vez que oitivas ainda estão sendo realizadas. 

Crime acontece quase três anos após Sobral ter presenciado uma tragédia parecida a essa. No dia 5 de outubro de 2022 um adolescente de 15 anos atirou em três alunos dentro da sala de aula da Escola de Ensino Médio (EEM) Professora Carmosina Ferreira Gomes, no bairro Sumaré. Uma das vítimas morreu.

(Com Alexia Vieira, Jéssika Sisnando e Mirla Nobre)

Escola tem aulas suspensas após ataque e comunidade escolar vai receber apoio psicológico

 

Os alunos da escola Professor Luís Felipe foram liberados das aulas logo após o crime. De acordo com informações da Secretaria da Educação (Seduc), nesta sexta-feira, 26, também não haverá aula na instituição.

Em nota encaminhada ao O POVO, a pasta disse "lamentar profundamente" o ocorrido, confirmou que os alunos estavam no estacionamento quando foram atingidos e anunciou que a "comunidade escolar também contará com suporte dos profissionais de Psicologia da Coordenadoria Regional no retorno às aulas, a partir de análise da escola e da própria Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (Crede)”.

"A Seduc tem reforçado, constantemente, ações visando a segurança do ambiente escolar, tanto em termos físicos quanto psicológicos", garantiu ainda a Secretária da Educação. Conforme O POVO apurou, alunos da escola estiveram na delegacia regional hoje para prestar depoimento sobre o caso.

Localizada no bairro Campos dos Velhos, área suburbana próxima ao Centro de Sobral, a escola Professor Luís Felipe é uma das mais tradicionais instituições da região. Fundada em 27 de dezembro de 1943, ela atende 1.159 alunos, segundo o Censo Escolar do Inep (2024), e conta com mais de 50 professores.

Instituição atende alunos de 27 bairros da cidade e de seis localidades da zona rural. Conforme o Ideb de 2023, a unidade registrou 97,7% de aprovação: a cada 100 estudantes, apenas três não concluíram o ano letivo. Já no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cerca de 80% dos alunos participaram da avaliação, com Redação como a disciplina de melhor desempenho.

(Com informações de Victor Marvyo, Alexia Vieira e Fernanda Barros)

Camilo Santana e outras autoridades repercutem crime

Momentos depois do crime, autoridades públicas se manifestaram lamentando o ocorrido. O ministro da Educação, Camilo Santana, disse em suas redes sociais que colocou o Ministério da Educação (MEC) à disposição do governador Elmano de Freitas (PT) e do prefeito de Sobral, Oscar Rodrigues (União Brasil).

Ele informou também que equipes especializadas em situações de crise e violência extrema acompanham o caso, através do Núcleo de Resposta e Reconstrução de Comunidades Escolares. Camilo afirmou também que é hora de "unir forças", para "preservar a escola como espaço sagrado, lugar de paz e acolhimento".

Assim que soube do caso, o governador Elmano de Freitas (PT) também se manifestou, dizendo receber notícia com "indignação e profundo pesar", considerando o fato como "gravíssimo e intolerável".

"Além de reforço policial em toda a região para capturar os criminosos, determinei a ida da cúpula da Segurança Pública ao Município para a adoção de todas as medidas que forem necessárias. Externo minha solidariedade aos familiares e amigos das vítimas desse ato tão cruel", disse gestor em suas redes sociais.

O prefeito de Sobral, Oscar Rodrigues (União Brasil), publicou um vídeo em sua conta no Instagram sobre o ataque. “Já tomamos providências conversando com o ministro da Educação, que ficou altamente indignado com o ocorrido, assim como o governador, que também já está adotando medidas para que este problema de segurança pública seja resolvido em Sobral", frisou em gravação.

O mandatário informou ainda que a Guarda Municipal "foi imediatamente acionada para o local" logo depois do acontecido, assim como ambulâncias foram encaminhadas para o socorro dos feridos, além de transportes da Secretaria da Educação para a retirada de todos os alunos da unidade.

Órgãos institucionais também se manifestaram. Em nota enviada à imprensa, o Ministério Público do Ceará (MPCE) disse "lamentar, com profundo pesar, as duas mortes", repudiou violência e garantiu que vai acompanhar investigações para identificar envolvidos, designando o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) para dar apoio às averiguações policiais.

A Bancada da Educação no Congresso Nacional manifestou pesar pelo ocorrido, expressando solidariedade a todos os que foram atingidos pelo crime. "Sobral é reconhecida nacionalmente como referência em políticas públicas educacionais, inspirando o Brasil com práticas que elevaram de forma consistente a qualidade do ensino. O episódio atinge, portanto, não apenas uma comunidade local, mas um símbolo do compromisso com a educação pública e de qualidade. Por essa razão, repudiamos de maneira veemente toda forma de violência que comprometa esses avanços", frisou entidade por meio de nota.

A Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME) disse ainda "não admitir retrocessos" trazidos pela violência" e que trabalha pela aprovação do projeto que Institui Política de Prevenção e Combate à Violência em Âmbito Escolar (Prever). Texto tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados.

Já o Comitê de Prevenção e Combate à Violência (CPCV), da Alece, destacou a necessidade de fortalecer políticas públicas de proteção e ampliar a rede de apoio a familiares das vítimas fatais e sobreviventes. A entidade citou ainda a Lei Estadual nº 17.253/2020, que instituiu as Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra Crianças e Adolescentes em escolas públicas e privadas do Ceará.

"Não podemos permitir que a escola, espaço de proteção, aprendizado e garantia de direitos, seja atravessada pela lógica da violência”, publicou o órgão em suas redes sociais.

 

 

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 25-09-2025: Ataque em escola de Sobral deixa três jovens feridos e dois mortos. Na foto, a Escola de Ensino Fundamental e Médio Professor Luis Felipe. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 25-09-2025: Ataque em escola de Sobral deixa três jovens feridos e dois mortos. Na foto, a Escola de Ensino Fundamental e Médio Professor Luis Felipe. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

ONG pediu transferência de um estudante ameaçado em agosto

Um ofício enviado pela ONG Visão Mundial à Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc), no dia 4 de agosto passado, solicitou apoio para a transferência de um estudante da Escola Professor Luís Felipe, em Sobral, por riscos à integridade do adolescente.

A instituição de ensino foi alvo de ataque nesta quinta-feira, 25, com a morte de dois alunos.

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O documento aponta que o jovem recebia ameaças de grupo armado atuante na região da escola, localizado no bairro Campo dos Velhos. Ele era morador do bairro Nova Caiçara, dominado por um grupo rival.

Devido ao risco de deslocamento diário, o adolescente acumulou 125 faltas na unidade escolar, resultando em sua ausência completa das aulas no primeiro semestre de 2025. O acúmulo de ausências também colocou em risco a permanência do adolescente no programa Pé-de-Meia, do qual é beneficiário.

A declaração indicou ainda que o estudante possuía bom desempenho em suas atividades até o surgimento do quadro de risco.

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O jovem citado no ofício não chegou a ser atingido no ataque dessa quinta-feira. Dois alunos, Victor Guilherme Sousa de Aguiar, 16, e Luiz Cláudio Sousa Oliveira Filho, 17, não resistiram — um deles também residia em Nova Caiçara. 

“No contexto dessas brigas de facções criminosas, de grupos armados, há o domínio pelo território e um adolescente pode ser assassinado simplesmente por morar em um território diferente”, alerta o gerente nacional de Advocacy e participação de Crianças e Adolescentes da ONG Visão Mundial Brasil, Regis Pereira.

O POVO teve acesso ao ofício destinado à Seduc, solicitando a “máxima urgência e atenção” ao caso. O POVO procurou a pasta estadual e não houve retorno até o fechamento da página.

Especialistas refletem sobre ataque à escola de Sobral

Para o doutor em Sociologia Ricardo Moura, pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC) e colunista O POVO, é preciso considerar que as escolas não estão imunes à violência urbana. Pelo contrário: talvez sejam um dos espaços de maior vulnerabilidade.

Em entrevista ao programa O POVO News, o profissional ressalta a atuação do ambiente escolar como um local de proteção e suporte aos alunos, em especial nas fases de desenvolvimento da infância, pré-adolescência e adolescência. Ao mesmo tempo, o ambiente também é exposto a fatores externos.

“No sentido de que os jovens que compõem a escola, os professores, todos eles são afetados por essa insegurança, são afetados por essa violência. Então, quando a gente fala em educação, estamos falando num processo de médio a longo prazo”, explica. “Mas as medidas de segurança têm que ser mais imediatas”.

Em sua análise inicial, o cientista político e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Rodrigo Chaves de Mello, em entrevista à rádio O POVO CBN, expressou o sentimento de indignação e pesar sentido pelos moradores de Sobral. “As escolas devem ser locais socialmente sagrados, santuários sociais. De forma que um ataque dessas proporções a uma escola foge a toda e qualquer razoabilidade”, reflete Rodrigo.

Do ponto de vista político, o professor alude à chegada de uma série de discursos distintos, que se intercruzam. As declarações variam, desde a necessidade de maior punição à demandas por um maior grau de cuidado e apuração das informações recebidas.

“Situações como essa precisam ter muita responsabilidade na sua apuração, para que a política, que é algo muito sério e muito importante, não seja banalizada ou se coloque refém de discursos sensacionalistas, aproveitando tragédias para vender soluções baratas, que sempre terminam por penalizar os mais vulneráveis”, acrescenta.

A neuropsicóloga clínica Maria Júlia Melo Farias, atuante há mais de 10 anos no contexto escolar, ressalta que a instituição de ensino, em um primeiro momento, deve oferecer um espaço de escuta, acolhimento e suporte emocional aos alunos, professores e familiares.  

Alguns sinais de alerta também devem ser observados nos adolescentes, como mudanças bruscas de comportamento, um isolamento pontual, choro frequente, queixas que antes não existiam e dificuldade de concentração, além de queda no rendimento acadêmico.

"Em alguns momentos, podem ter alunos que tenham uma evasão escolar, que comecem a ter faltas frequentes", elenca Maria Júlia. "Então, isso é um outro comportamento de alerta para os professores ficarem atentos". 

Uma escuta ativa também é prioridade na análise da neuropsicóloga Ellen Araújo. Para a restauração da confiança quebrada, a profissional relata que palestras são uma oportunidade de falar não apenas sobre a segurança, mas dos sentimentos de cada um, incluindo um atendimento individualizado aos estudantes que precisarem. 

"Se os profissionais e os alunos não tiverem um acompanhamento adequado, especializado, a gente pode ver uma depressão, um medo exacerbado de ir pra escola, um estresse pós-traumático pelo que vivenciaram, uma ansiedade, fobia de ir para a escola", explica. "Você pode perceber também dificuldade nas relações da família, nos pares, nas relações interpessoais".

 

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