Entre 2015 e 2024, foram registrados apenas 17 casos de apreensão de bebidas adulteradas no Ceará. As informações foram obtidas via Lei de Acesso à Informação, com informações da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), do Governo do Ceará.
Nos últimos dias, autoridades de saúde brasileiras alertaram para um aumento atípico de casos de intoxicação por metanol, que pode causar graves problemas de saúde, incluindo cegueira e até morte. A principal causa apontada é o consumo de bebidas alcoólicas destiladas — como cachaça, vodka, tequila, rum e whisky — contaminadas com a substância.
Até esta sexta-feira, 3,11 casos de intoxicação por metanol foram confirmados em todo o País. No Ceará, de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), até o momento, não há notificações de casos semelhantes.
A preocupação com a comercialização de bebidas contaminadas por metanol tem aumentado entre comerciantes e consumidores. Segundo a Sesa, a fiscalização da produção de bebidas é de responsabilidade do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). O POVO entrou em contato com o órgão para obter detalhes sobre operações de fiscalização no Ceará e dados de apreensões, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.
Já sobre a fiscalização da venda dos produtos, a Sesa informou que as operações cabem a cada município. Em Fortaleza, Agência de Fiscalização (Agefis) disse que “atua de forma rotineira com fiscalização sanitária e consumerista em bares e restaurantes da Capital. Nas ações, são verificadas todas as licenças e autorizações de funcionamento”.
Contudo, conforme a Agência, a exigência da apresentação de nota fiscal da mercadoria, seria de competência dos órgãos de administração fazendária e tributária. “Em razão dos recentes casos de falsificação de bebidas e intoxicação por metanol, a Agefis irá desenvolver um plano para reforçar uma fiscalização mais direcionada aos bares e distribuidoras de bebidas nos próximos dias”.
Os dados de apreensões no Ceará, obtidos pela Central de Dados do O POVO via Lei de Acesso à Informação, não permitem responder perguntas essenciais, como quais tipos de bebida (cachaça, uísque, cerveja, etc.), qual o volume total de produtos irregulares retirados de circulação; bem como quais são as marcas que são mais falsificadas no Estado.
Enquanto isso, representantes do setor de bebidas no Ceará cobram que a fiscalização seja mais eficiente e alcance, de fato, o mercado clandestino.
Segundo Morais Neto, vice-presidente do Sindicato dos Bares, Barracas de Praia e Buffets e Similares do Estado do Ceará (Sindirest), embora os órgãos de vigilância sanitária realizem acompanhamento constante aos estabelecimentos, ainda não se observa uma fiscalização específica para bebidas alcoólicas destiladas prontas.
“Quando o produto chega pronto aos restaurantes, nosso trabalho é transformar esse insumo em drinks. Mas o consumidor final não tem acesso direto a essa fiscalização”, explica.
Ele explica que a falsificação pode ser muito próxima do produto original, dificultando a detecção pelos próprios empresários. “As falsificações ocorrem nos rótulos, lacres e embalagens, enquanto o produto em si geralmente mantém características semelhantes de aroma e coloração. Por isso, fica muito difícil identificar.”
Altino Farias, 64, é proprietário da Embaixada da Cachaça, empreendimento localizado no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Ele avalia que o problema da falta de fiscalização não é novo. “Há anos os produtores clamam e suplicam ao Estado por fiscalizações severas. Essa questão do metanol apenas evidenciou isso: o mercado clandestino e ilegal”, declara
Também conselheiro da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-CE), o empresário critica a forma como o Poder Público conduz o controle do setor. “O que acontece é que a fiscalização é voltada aos legais. Quem é legal é fiscalizado, de forma ostensiva. Os ilegais, que são visíveis entre aspas, ficam à margem”, diz.
O fim de semana é o período de maior movimento em bares e restaurantes e, este sábado e domingo, 4 e 5 de outubro, também é o primeiro após o aumento dos casos suspeitos de intoxicação por metanol. O vice-presidente do Sindirest avalia que, pelo menos neste momento, não deve haver grandes impactos nas vendas, mas admite que a apreensão dos consumidores deve continuar.
“Talvez haja uma pequena migração de consumidores de destilados para bebidas fermentadas, como chope, cerveja e vinho, que ainda não apresentaram problemas graves e são mais difíceis de falsificar. Não deixem de frequentar bares”, afirma.
Da mesma forma, Altino Farias, da Embaixada da Cachaça, aponta que o fluxo de clientes no estabelecimento não foi afetado nos últimos dias, mas se tornou mais cuidadoso. “O meu público, que é mais cativo, não tem sofrido nenhum transtorno maior. Há curiosidade, as pessoas perguntam, e a gente esclarece, tira dúvidas. Mas, de maneira geral, para mim, até agora, está tranquilo.”
Fátima Queiroz é presidente da Associação de Barracas da Praia do Futuro, local que recebe grande fluxo de visitantes nos finais de semana. Apesar da repercussão nacional sobre os casos de intoxicação, ela aponta que as vendas nas barracas da Praia seguem estáveis. “As vendas de coquetéis, caipirinhas e caipiroskas, especialmente as que levam vodka, continuam normalmente.”
Segundo ela, em 20 anos, não há registros de visitantes da Praia do Futuro que tenham apresentado sintomas semelhantes à intoxicação a partir do consumo de bebidas alcoólicas. No entanto, ela alerta para o cuidado dos clientes em relação ao comércio informal de bebidas. “Não se trata de atacar o setor informal apenas pela concorrência. O problema é que o setor informal não passa por nenhum processo de avaliação ou fiscalização.”
Sobre a situação, o Ministério Público do Ceará, por meio do Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caosaúde), afirmou que "tem dialogado com os órgãos de vigilância em saúde sobre dados e medidas a serem adotadas para enfrentamento de possível intoxicação por metanol após consumo de bebida alcoólica no Ceará".
Diálogo orienta a "adoção das diretrizes nacionais sobre o tema, estabelecidas na Nota Técnica Conjunta nº 360/2025, publicada pelo Ministério da Saúde, que orienta os serviços de saúde quanto à identificação, notificação e condução dos casos de intoxicação por metanol após consumo de bebidas alcoólicas, acrescenta.
Para comerciantes
Para consumidores:
Fonte: Sindicato dos Bares, Barracas de Praia e Defesa do Estado do Ceará (Sindirest).
Em caso de suspeita de compra de uma bebida adulterada, a orientação é isolar o produto e acionar imediatamente a Polícia.
“Se um produto adulterado for servido a um cliente e ele tiver algum problema [de saúde], quem responde é o estabelecimento que vendeu. Essa responsabilização pode ir além da esfera civil ou comercial, podendo chegar à criminal, pois trata-se de crime contra a saúde pública”, conclui Morais Neto, do Sindirest.