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"O novo petróleo": a soberania do Brasil na expansão dos data centers
Reportagem

"O novo petróleo": a soberania do Brasil na expansão dos data centers

|Desenvolvimento|De que maneira o Ceará pode ganhar com o mercado de datacenter e a importância dos armazéns de dados para a economia
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Foto: FÁBIO LIMA capa - data centers 3

Os data centers ganharam o debate público, alvos de críticas e fortes defesas. Gastam muita água, energia e retornam em pouco emprego, relembram alguns. Ao mesmo tempo, outros alegam que os empreendimentos dão destaque ao território nacional, importância política e ganho em impostos e na cadeia de produção direta e indireta do País em que estão hospedados.

Um dos pontos que mais chamam atenção sobre os data centers é a relação entre investimentos e retorno em empregos. O POVO visitou o centro de dados mantido pela Hostweb, em Fortaleza, utilizado por 1.000 clientes.

A estrutura contém três andares e o prédio hospeda outras ações da empresa, conforme o diretor técnico, João Victor Moreira de Sousa. Para a operação do centro de dados, trabalham apenas quatro pessoas diretamente. Outros, 80, operam outras funções de tecnologia de informação ligadas à infraestrutura.

Data center, no geral, não traz emprego. O POVO solicitou dados às empresas com empreendimentos certificados Tier III em Fortaleza e os em fase de construção ou instalação. Obtivemos alguns retornos. Em todos os casos, são milhões ou bilhões em troca de centenas de empregos na fase de operação.

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Especial

Este é o terceiro episódio da Série de reportagens que investiga os mais diversos impactos do novo investimento cearense e nacional: os datacenters. Acompanhe todas as reportagens no O POVO

Políticas de Governo: poucas ou demais?

A principal política de incentivo aos data centers, em nível federal, é a ReData, detalhada no episódio anterior desta série. Ela está em andamento no Congresso, prevista para ser implementada em 2026.

Além disso, o presidente Lula assinou, no Ceará, Medida Provisória (MP) que altera as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs). Ficou estabelecido que toda energia elétrica a ser utilizada por empresas instaladas em ZPEs seja proveniente de fontes renováveis que não tenham entrado em operação até a publicação da MP.

O Governo do Ceará oferece benefícios na ZPE do Estado como isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e no diferencial de alíquotas nas aquisições interestaduais de bens destinados. Como resultado, para além do projeto da Casa dos Ventos, outros cinco mega projetos, tão robustos quanto o do TikTok.

Há ainda iniciativas de Prefeituras. A Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico (SDE) de Fortaleza informou que duas empresas de data centers são beneficiadas com incentivos fiscais municipais no âmbito do Programa de Apoio a Parques Tecnológicos e Criativos de Fortaleza (Parqfor). São elas a Hostweb e a DB3.

"A inclusão de empresas do setor de Data Center no Parqfor reforça o compromisso da Prefeitura de Fortaleza com o fortalecimento do ecossistema de inovação, promovendo um ambiente propício ao crescimento de serviços de alta tecnologia e à atração de novos investimentos no segmento", justificou a Prefeitura.

Caucaia, por meio de Machidovel Trigueiro, secretário de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, citou programas de incentivo para fomentar a mão de obra local nos data centers.

Incluem o Programa Talentos para Data Centers, em estudo de parcerias com IFCE, UFC, Sistema S, e escolas técnicas, com trilhas rápidas (facilities, redes, cibersegurança, operação de missão crítica) e metas de contratação local nas contrapartidas voluntárias dos empreendedores. Também preveem bolsas, residência técnica e bootcamps para acelerar a empregabilidade de jovens de Caucaia.

Já Aquiraz foi além e aprovou o Parque Tecnológico de Data Centers (Parqraz). O texto prevê incentivos fiscais — como reduções de impostos (ISS e ITBI) — e estabelece diretrizes para a instalação de centros de dados, startups e instituições de pesquisa.

Mas como essas medidas são recebidas? O mercado espera totalmente o ReData e, com ele, pretende atrair "o máximo de investimentos para o Brasil, não apenas das empresas de prestadoras de serviços de cloud estrangeiras, as big techs, mas também com também o desenvolvimento das aplicações organizadas".

"A gente é muito otimista e nós estamos fazendo um trabalho de acompanhamento em todas as alçadas do poder público para ajudar na emissão do na publicação do Redata com maior brevidade, para para consolidar os investimentos a tomada de decisão e que a gente consiga sair os datacenters de inteligência especial para o Brasil", completou.

Já Vladimir Nunan considera que "estamos cedendo sem contrapartidas estruturantes". Como solução, ele sugere caminhos como: soberania digital como política de Estado; exigência de contrapartidas concretas dos centros de dados estrangeiros; investimentos em formação técnica local; apoio direto a ecossistemas de inovação e startups locais.

Geração de empregos

Ascenty - 2025:

Custou R$ 120 milhões e emprega 50 pessoas entre colaboradores próprios e terceiros.

V.tal - Mega Lobster - em contrução:

Tem investimento de R$ 500 milhões e deve gerar 400 empregos na instalação - na operação: serão criados 50 postos de trabalho.

Scala - em planejamento:

De R$ 1 bilhão, retornará em 700 empregos durante a construção e 60 na fase de operação.

Casa dos Ventos - em planejamento:

Do TikTok, que ganhou o debate público pelos elevadíssimos gastos de água e energia, tem R$ 55 bilhões previstos de investimento. Em retorno, empregará 3.800 na construção do data center e mais de 400 na operação.

Vladimir Nunan, CEO da Eduvem
Vladimir Nunan, CEO da Eduvem

Um olhar nacional: entre avanço e "vassalagem"

Como os data centers geram pouco emprego e focam em um retorno mais indireto, o perigo - para especialistas - é que países se tornem "meros vassalos" dos dados de empresas estrangeiras, que utilizarão de recursos naturais estrangeiros a troco de muito pouco.

Há conceitos teóricos e linhas de estudo voltadas para isso, como o imperialismo da Inteligência Artificial ou tecnofeudalismo. Defendem que o modelo de mercado da tecnologia seria uma espécie "reformulada" das antigas colonizações, nas quais as metrópoles sugavam as riquezas dos países menores, utilizavam dos produtos finais e refinados, e deixavam os países com lixo e no abandono.

Nesta lógica, se formos comparar com a colonização portuguesa, os dados seriam nosso ouro. Se compararmos com o imperialismo estadunidense do século XX, seriam o petróleo. É a coisa mais valiosa que existe.

Explica Vladimir Nunan: "Quem controla os dados, controla a capacidade de prever, influenciar e moldar comportamentos em massa. As plataformas digitais operam com algoritmos alimentados por volumes massivos de dados pessoais, sensoriais, financeiros, políticos e institucionais. Esses dados não são neutros: eles decidem o que vemos, o que consumimos, em quem confiamos e em quem votamos".

Os data centers, conforme a teoria do tecnofeudalismo seriam "os castelos dos senhores feudais". "Onde as big techs, armazenam e controlam os dados que alimentam sua dominação econômica e social", explica Nunan, que, no entanto, prefere a metáfora do petróleo: "Se os dados são o novo petróleo, os datacenters são as refinarias e nós, muitas vezes, apenas os poços", defende Vladimir.

O principal debate circula, de novo, nos recursos naturais. O data center de Mesa, no Arizona (Estados Unidos), foi expulso pelo governo local após denúncias de que utilizaria mais de um milhão e meio de litros de água por dia. A região é afetada por seca extrema.

Amsterdã, nos Países Baixos, implementou uma medida para impedir a construção de novos datacenters. Já em Santiago, no Chile, o data center da Meta mudou sistemas de refrigeração.

No Brasil, há uma forte luta no Ceará narrada nesta série de reportagem especial do O POVO. O mega data center da Casa dos Ventos, para o Tiktok, gastará água e energia em abundância em um território indígena em que isso já falta. Para os anacés do Cauípe, vizinhos do futuro empreendimento, a luta não é para impedir, mas por justiça de que eles recebam também.

Para além da água e energia, os estudos sobre o tecnofeudalismo voltam os olhares para o uso dos dados e a falta de controle dos países que os abrigam. No Sul Global, diz Vladimir, a instalação de datacenters é apresentada como avanço tecnológico, mas muitas vezes ocorre sem soberania sobre os dados que circulam.

Os territórios oferecem vantagens como energia barata, terras subsidiadas, incentivos fiscais, e estabilidade jurídica.

No entanto, não deteriam o controle sobre os dados nem sobre os algoritmos que os processam. Como consequência, consolidam um papel periférico, no qual o valor dos dados e o poder deles vai para fora. A configuração impacta diretamente um cenário global já muito desigual e democraticamente instável - especialmente para a América Latina.

Para Luis Tossi, da ABDC, não se pode dizer que o serviço de dados será "extraído por outros países", uma vez que as empresas brasileiras também o usarão. Hoje, o Brasil importa 60% dos serviços de nuvem que consome, o que, segundo a Associação de Data Centers, significa uma perda dos ganhos em serviços citados por ele mais acima.

"Então eles não estão aqui explorando energia e mão de obra para consumir em outro local. Não, a gente consome, a gente precisa desses data centers aqui no Brasil para que a gente consuma esses serviços regionalmente e gere riqueza aqui", defende.

Quanto à soberania de dados, Tossi citou a cláusula soberana, projeto do Governo Federal, que subjuga o processamento de dados às leis e regulamentos nacionais - a exemplo da Lei Geral de Proteção de Dados.

Algumas iniciativas do projeto, como a Nuvem de Governo, garantem que os "dados estejam armazenados em território nacional, com alto nível de segurança e controle público", segundo a União.

No entanto, uma política de fato de soberania de dados ainda está em fase de escuta popular e deve sair bem depois das isenções fiscais previstas aos data centers.

Setor defende diminuição de impostos no Brasil

Data center é caro. Os milhões ou bilhões na instalação ou operação incluem construção civil, equipamentos de infraestrutura, elétrica, equipamentos de refrigeração. O custo de cada Megawatt (MW) é de mais ou menos 10 milhões de dólares. Tudo isso é tributado no Brasil.

O total de tributos que incide sobre o investimento para construção de um data center chega a 23%, segundo estudo da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Com o arrecadado, seria possível realizar inteiramente as etapas de espaço físico e infraestrutura de telecom pelas empresas.

Já segundo Luis Tossi, da Associação Brasileira de Data Center (ABDC), o percentual de tributação da cadeia gira em torno de 15% a 20%, considerando produtos e serviços no investimento. Na parte de operação, diz ele, mesmo seja haja incentivos ou isenções de importação, os tributos ainda assim caem sobre os serviços.

"Vai tributar tudo que vai ser gerado de serviço nos próximos 5 ou 10 anos que o equipamento vai estar ativo. A parte tributária, de retorno financeiro para o país é muito significativa", defende.

O representante da ABDC cita um estudo de injeção tributária na cidade de Ashburn, na Virgínia - conhecida como capital mundial dos data centers, ou Data Center Alley. Em 2025, 150 centros de dados estavam em funcionamento ou em construção por lá.

O condado onde a cidade se localiza, de Loudoun, oferece acesso a diversos loops de fibra óptica, energia barata e incentivos fiscais. Em doze anos, a política de data centers cresceu a base tributária de 19% para 34%. O estudo é de 2022, da Mangum Economics, em nome do Conselho de Tecnologia do Norte da Virgínia.

Ao O POVO, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), informou, via nota, que "o estímulo à instalação de data centers estará diretamente vinculado ao adensamento das cadeias produtivas do setor de TICs no Brasil, ampliando as possibilidades de geração de emprego e renda".

"O programa (ReData) também trará obrigatoriedade quanto ao uso e a produção de fontes de energias renováveis, além de contrapartidas para que parte da produção de dados seja direcionada ao mercado brasileiro", seguiu o texto.

Sobre os benefícios, afirmaram: "ocorrerão na exata medida dos tributos equivalentes, condicionados às exigências e contrapartidas que constarão do programa e com previsibilidade fiscal".

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