Se você está lendo este texto, existe um responsável por isso: um alfabetizador ou alfabetizadora que te ajudou a embarcar no universo das letras. Eles são como heróis sem capa, cujo dom em deixar palavras atrativas é uma das várias artes educacionais celebradas nesta quarta-feira, 15, Dia do Professor.
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No Ceará o trabalho desses educadores é refletido em números. Conforme divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) em julho passado, o Estado é o único do Brasil a superar a meta nacional de alfabetização na idade certa. Segundo o novo Indicador Criança Alfabetizada (ICA), a unidade federativa tinha como meta atingir 80% de crianças alfabetizadas ao final do 2º ano do ensino fundamental, mas chegou a 85,3%.
O Ceará assumiu a liderança nacional em alfabetização de crianças, superando em mais de 25 pontos percentuais a média brasileira, que ficou em 59,2%, abaixo da meta de 60% instituída para 2024.
No recorte dos municípios cearenses, nove tinham todas as crianças alfabetizadas no ano passado, sendo elas: Catunda, Coreaú, Forquilha, Graça, Novo Oriente, Pacujá, Piquet Carneiro, Pires Ferreira e Poranga.
Além disso, outras cidades apareciam próximas de atingir o índice total, como: Pedra Branca (99,70%), Nova Russas (99,64%), Ipueiras (99,54%), Nova Olinda (99,53%) e Quiterianópolis (99,49%).
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) considera como alfabetizada a criança capaz de: ler palavras, frases e textos curtos, localizar informações explícitas em pequenos textos e inferir informações em textos com linguagem verbal e não verbal.
Professores "alfabetizadores" são aqueles responsáveis por introduzir os alunos a esses códigos de leitura e escrita. De acordo com a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), para incentivar educadores do tipo no Estado, a pasta desenvolve o Programa de Aprendizagem na Idade Certa - Paic Integral, "com formação continuada aos docentes, apoio à gestão, materiais pedagógicos estruturados e avaliação, incentivando a jornada com suporte técnico, financeiro e pedagógico nas redes municipais".
O programa conta com a adesão de todos os municípios cearenses e tem entre as ações: formação continuada de literatura, formação do leitor para docentes dos anos iniciais e formação em gestão para os diretores e coordenadores pedagógicos do ensino fundamental de toda a rede pública de ensino.
Além disso, buscando democratizar o acesso ao livro e à leitura, a pasta distribui material estruturado para todos os professores e alunos do 1° ao 5º ano e as coleções literárias Paic Prosa e Poesia para todas as turmas da Educação Infantil ao 5º ano, compostas de obras inéditas de autores cearenses.
Neste ano de 2025, foi lançado o Projeto de Redução das Desigualdades de Aprendizagem no Ensino Fundamental, visando apoio técnico às redes municipais e no desenvolvimento de iniciativas estratégicas para assegurar a aprendizagem plena, por meio de encontros, mentorias, oficinas e visitas técnicas.
"Há também o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada – programa federal de cooperação entre União, Estado e municípios, tendo como principal objetivo a melhoria da qualidade da educação pública brasileira. Esse conjunto de ações tem sido fundamental para a evolução dos resultados de alfabetização no Ceará, consolidando o Estado como referência nacional em educação pública de qualidade", destaca a pasta.
Nas salas de aula, as iniciativas são endossadas pela paixão de quem ensina. Resultados são frutos, principalmente, do empenho e de uma fonte inesgotável de criatividade dos professores que desenvolvem a leitura e a escrita das crianças. Para entender "os bastidores do ofício", O POVO conversou com Geovana Meire, Jane Viana e Israel Araújo, alfabetizadores cearenses que atuam com projetos diversos de alfabetização, transformando alunos em leitores e, ao mesmo tempo, sendo transformados por eles.
No dia 15 de outubro de 1827, consagrado à educadora Santa Teresa de Ávila, D. Pedro I criou o Ensino Elementar no Brasil por meio de um Decreto Imperial, estabelecendo a criação de escolas de primeiras letras em todo o País.
O texto trazia avanços como a descentralização do ensino, a padronização de conteúdos e a remuneração dos professores.
Mais de um século depois, em 1963, o presidente João Goulart, após a sugestão do professor paulista Samuel Becker, oficializou a data como feriado nacional.
Fonte: Secretaria de Educação de São Paulo.
A história de Geovana Meire, 52, como alfabetizadora começou em 2014 e veio com inquietações. Ela se perguntava como ensinar as crianças a ler e a escrever quando resolveu usar a estratégia mais humana que poderia: conhecer os alunos, entender suas dificuldades e elaborar métodos que os fizessem avançar.
O desejo genuíno de levar os pequenos a se acostumarem com as letras deu frutos. Atualmente ela atua na EMEIF Nossa Senhora Aparecida, no Centro, em Fortaleza, e ensina crianças do 2º ano do ensino fundamental", e acumula uma série de projetos de alfabetização durante os mais de dez anos de carreira.
Entre iniciativas realizadas estão: Sarau de Poesias; Café com Poesia; Trilha Encantada da leitura; Desvendando Textos e Palavras Através da Brincadeira, Arraiá Junino; Festival de Cantigas de Roda, Pirata de Palavras; Contação de História; Texto que Puxa Texto, entre outros.
De acordo com a docente, cada projeto é único, mas todos buscam explorar as práticas de linguagem. "Eu penso que as atividades têm que ser contextualizadas. Também utilizo jogos em que as crianças possam refletir sobre as palavras, possam refletir sobre o sistema de escrita alfabético", explica.
Para o processo de tornar letras mais atrativas, a professora usa a seu favor cenários dinâmicos. No projeto "Detetive de Rimas", por exemplo, realizado na escola neste ano, ela conta que foram espalhados diversos objetos em uma mesa para que as crianças juntassem aqueles cujos nomes rimavam.
"Nesse momento eles usavam uma boina e uma lupa representando um detetive. Foi bem interessante, divertido e, ao mesmo tempo as crianças refletiam sobre o sistema de escrita alfabética. Então, eu utilizo jogos para reflexão, atividades de retextualização para a produção de texto escrito e para produção de
texto oral. Para fluência, leitura teatralizada e sarau de poesias. Produção de textos escritos a partir de situações reais, como o convite para uma apresentação", conta a docente.
Na sala de aula da professora, a imaginação não tem limites e o interesse dos pequenos também é responsável por criar novas atividades. Ela conta que no Projeto Retextualização: ler, contar, recontar e representar, que partiu da leitura do livro "Quem me dera", de Ana Maria Machado, houve uma curiosidade das crianças em saber como a lagarta virava uma borboleta e como passarinhos costroem ninhos.
"Elas tiveram (então) o momento para pesquisar sobre essa curiosidade e fazer descobertas para entender o processo da lagarta virar uma borboleta, e também com materiais que eu organizei e que eles mesmos pegaram na escola, como galhos, as crianças tiveram a oportunidade de construir um ninho de
passarinho. Então assim, essas atividades não tinham sido pensadas, mas a partir do interesse delas, do envolvimento, da curiosidade das crianças, elas passaram a fazer parte do projeto", conta.
Criatividade já rendeu reconhecimento. Em 2019, por exemplo, ela foi uma das finalistas do 9º Prêmio Ação Destaque, da Editora Opet, que ocorreu em Curitiba, ficando em 2° lugar na categoria "Ensino Fundamental, Anos Iniciais, 1º ao 3º ano” com o projeto "Descobrindo Saberes e Sabores na Trilha Encantada da Leitura". O projeto buscava incentivar a leitura e o aprendizado por meio da combinação de experiências educativas e sensoriais, misturando saberes e sabores.
O prêmio maior para a professora, contudo, está dentro da sala de aula. Geovana relata que nesse percurso como alfabetizadora ela vive em um "constante processo de construção e reconstrução da prática", que também a ensina. Quando indagada sobre a melhor parte desse ofício, não exita: "A melhor parte da profissão é acompanhar o processo das crianças, as descobertas que elas fazem com relação à escrita. A forma como elas vão construindo suas hipóteses de escrita até chegar à escrita convencional. É acompanhar o processo de leitura. Desde as primeiras leituras, muitas vezes inventadas a partir da sua imaginação e dos conhecimentos que já possuem, até chegar à compreensão do que está escrito. Daí, elas olham pra gente e dão um sorriso encantador e dizem: “Tia, aqui está dizendo isso..."
Na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIF) Ari de Sá Cavalcante, no José Walter, em Fortaleza, a criatividade faz parte da rotina. Uma das responsáveis por isso é Jane Viana, 59, que há pelo menos quatro décadas tem o orgulho de dizer que é "professora alfabetizadora"
Ela conta que a vontade de atuar na área educacional se entrelaça a sua própria história, pois demorou a aprender a ler e chegou a sofrer preconceito em razão da dificuldade que teve. Quando cresceu, tomou para si a missão de evitar que outras crianças passassem por isso. "Eu trouxe isso pra mim não como uma coisa ruim, mas como um desafio (...) Gostaria de fazer com que meus alunos não tivessem medo", diz.
Por meio do Programa Aprender Mais, do Governo Federal, ela ajuda crianças que não desenvolveram bem a leitura, exercendo aulas no período de contraturno. Enquanto fala com a reportagem, confecciona jogos para os pequenos em casa. Gosta de usar a imaginação para aproximá-los das letras, inventar dinâmicas.
Desejando melhorar suas práticas, busca saber sempre o que de infantil está na moda e traz para a sala de aula atividades ligadas a isso. Também pergunta aos pais os gostos dos alunos e usa seus personagens favoritos para criar dinâmicas em que desvendem palavras. Observa e respeita a individualidade deles.
Não parou de dar aulas nem quando foi diagnosticada com um cancêr de mama, em 2023, que atualmente está em processo de remissão. "O que me sustentava (após diagnóstico) era ir para o computador na madrugada, fazer meu planejamento (...) Quando eu me via na sala de aula, os meninos aprendendo, jogando, eu esquecia completamente da doença", relembra.
Há cerca de um mês passou por outro momento difícil quando seu filho, de 32 anos, veio a falecer. Em meio ao luto foi mais uma vez a sala de aula que a ajudou. Diz encontrar conforto nas "pequenas doses de amor" que recebe diariamente: "Além de ocupar a mente, as crianças me confortam, através de cartinhas, desenhos, abraços apertados, silenciosos".
Na sala de Israel Araújo, 29, as brincadeiras são levadas a sério. Professor da Escola Francisco Cipriano Moreira, na zona rural de Paraípaba, ele usa atividades lúdicas para suavizar o ensino de alunos do 2º ano do Ensino Fundamental e costuma divulgar os projetos que cria em suas redes sociais.
Entre as iniciativas está o “Tirinhas que Viram Histórias”, que traz propostas de produção textual a partir de quadrinhos para que as crianças criem as suas próprias histórias, e o "Pintando a Intrusa", onde os pequenos leem, identificam grupos de palavras e se divertem enquanto pintam elas.
Ele costuma ainda criar metódos divertidos para apresentar as crianças a relação entre letras e sons, utilizando recursos que facilitam a memorização dos pequenos. "É muito melhor a gente ensinar o som das letras por meio de um jogo, de uma brincadeira, do que ter uma aula só falando e ai a criança se torna uma mera ouvinte e começa a ficar mais difícil (o conteúdo), chato", diz.
Nem o professor sai ileso das atividades. Dentro da sala de aula, Israel volta a ser criança. "Eu ensino de um jeito que gostaria de aprender (...) Então quando a gente ensina com o lúdico, com as brincadeiras, a gente desperta algo que tá dentro de nós (..) Desperta em mim também o meu lado criança, eu me envolvo, eu brinco, eu corro, eu pulo, eu participo da atividade, eu me divirto", conta o docente.
O retorno de tudo isso vem em forma de uma sensação que não sabe descrever: "Sempre quando eu vejo uma criança lendo ali, que tinha dificuldade, eu tento repassar essa alegria pra eles, eu me arrepio, é um sentimento que as vezes eu não consigo explicar, de tão grandioso que é".