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Os desafios de implementação do PPCAAM no Ceará
Reportagem

Os desafios de implementação do PPCAAM no Ceará

| FACÇÕES | Conflitos territoriais dificultam trabalho de proteção
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Durante os 12 anos de atuação do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) no Ceará, o panorama da segurança no Estado se complexificou. Com o acirramento dos conflitos entre facções, cada vez mais capilarizadas e enraizadas, o programa enfrenta novos desafios para proteger as vítimas.

"Nós temos hoje no Ceará cerca de cinco facções que brigam por território. A gente não tinha isso em 2013. Isso torna o gerenciamento do programa de proteção muito mais complexo", diz o promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (Caopij) do Ministério Público do Ceará, Lucas Azevedo.

De 2015 a setembro de 2025, 3.204 adolescentes de 12 a 17 anos foram assassinados no Ceará. Essa faixa etária concentra 8,4% de todos os crimes letais contra a vida da última década, de acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

Azevedo afirma que grande parte dos adolescentes atendidos vive em territórios onde há disputa entre facções. Nem sempre são envolvidos diretamente com as organizações criminosas, mas a violência acaba respingando por meio de parentes e amigos ou pela localização da residência.

A vivência em territórios comandados pelo poder do crime organizado, em alguns casos, faz os adolescentes "desacreditarem um pouco da força da estrutura estatal", conforme o promotor, e recusarem a entrada no programa, mesmo passando por alto risco de serem vítimas de homicídios. Como o PPCAAM depende da voluntariedade, é preciso que as pessoas queiram ser incluídas.

Nesse contexto, Lucas destaca o trabalho do Núcleo de Acolhimento às Vítimas de Violência (NUAVV), do MPCE. "Boa parte dos acionamentos do PPCAAM pelo MP vem através desse núcleo, que faz essa escuta mais qualificada. Quando os adolescentes são ouvidos de uma forma mais empática, mais acolhedora, a gente consegue quebrar em alguns casos essa resistência", conta.

O processo de atendimento especializado também ocorre com egressos do sistema socioeducativo. Rubens de Lima Júnior, defensor titular do Núcleo de Atendimento aos Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja), da Defensoria Pública do Estado, explica que o trabalho envolve monitorar o risco da ameaça e apresentar o programa aos jovens e às famílias, além de solicitar a inclusão assim que o jovem está apto a sair do sistema.

"Se ele sair do socioeducativo e não quiser entrar no programa, porque alguns acham que a facção vai proteger, mas depois de um tempo quiser, ele tem direito", afirma. Os egressos podem ser atendidos no PPCAAM até os 21 anos.

A presença das facções no Estado demanda ainda mais atenção no momento de encontrar um território seguro para transferir os ameaçados. Nenhuma região é "intocável" pela violência armada, relembra o coordenador do programa.

"O programa teve uma evolução. Os governos estadual e federal foram entendendo a complexidade. Começamos com uma equipe mínima, hoje nós temos 21 profissionais. Talvez ainda não seja suficiente. A gente entende a importância de criar núcleos em regiões estratégicas, como no Cariri e na região Norte", diz o coordenador.

Apesar de reconhecer a expertise e o êxito do PPCAAM, Rubens acredita que o programa precisa de mais recursos e formatos que garantam a continuidade dos serviços.

"Já passamos meses sem o programa por causa de fim de contrato. Às vezes, muda o instituto que vai gerir e muda toda a equipe. O cenário de hoje não admite mais esses intervalos. Existem questões também que ultrapassam os limites do programa de proteção. O formato não é capaz de atender a tantas hipóteses. É preciso continuamente ser reinventado", afirma.

"O PPCAAM tem um histórico de sucesso, é um programa levado muito à sério e muito bem gerido, mas o público-alvo que a gente consegue atingir ainda é pequeno", diz Lucas, que defende a ampliação da proteção emergencial. Em cerca de 15 dias a vítima é incluída.

Por isso, as portas de entrada acionam também o Programa de Proteção Provisória (PPPro), criado no Ceará em 2020, que garante medidas de proteção em menos de 24 horas para vítimas de ameaças de morte. O caráter provisório da proteção foi pensado para diminuir o tempo de espera de outros programas. O modelo é referência no Brasil.

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