A imagem de que um educador é o detentor de todo o saber cai por terra quando se ouve Célia Luna e Emília Luna falando sobre a tarefa de ensinar. Para a primeira, mãe e fundadora do Colégio Canarinho, educar é uma constância, que envolve formar cidadãos. Já Emília, atual diretora da escola, diz ser tão aprendiz quanto os pequenos estudantes da escola.
Inclusive, foi dentro dele que ela cresceu. E não só nas salas de aula. No pátio, nos túneis de brinquedo, entre as árvores, em dias úteis e nos fins de semana. É que ela é filha de Célia, senhora de fala tranquila que vê o ChatGPT (versão de assinante, claro) como um aliado.
Afinal, aos 80 anos, a fundadora do colégio pesquisa, pergunta, instiga e debate frequentemente com a inteligência artificial que carrega em seu bolso. Tal qual ela fez com a educação e o sistema de ensino de Fortaleza, há 55 anos.
Ainda no quintal da sua casa, iniciou a sua própria "revolução", já que "as escolas eram muito ultrapassadas", relata. Para ela, sua inovadora forma de ensinar nada mais era que uma herança dos seus pais - outra geração de professores.
Enquanto Emília e os irmãos cresciam junto com o terreno do Colégio, seus filhos Leonardo e Gustavo acompanharam uma outra etapa, a de uma nova abordagem pedagógica. Porque a premissa de que educar é transformar é unanimidade entre eles.
Com a certeza de estarem no caminho correto, mas não linear, a diretora celebra o legado e uma nova etapa, com a recém-entrada de Gustavo na instituição. Ele, por sua vez, se orgulha das mudanças que há meio século a escola proporciona às pessoas e à educação fortalezense.
E se Belchior entoava o famoso refrão sobre o fato de ainda vivermos como os nossos pais, a família Luna responde sobre suas paixões e se encanta com invenções. E contradizem o compositor: sonhar é tão bom (e necessário) quanto viver.
Conheça a trajetória da família que está à frente do Colégio Canarinho, pelo olhar de Célia e Emília Luna, fundadora e diretora, respectivamente.
Sobre a empresa
Nome: Colégio Canarinho
Data da fundação: 1971
Fundadora: Célia Luna
Diretora: Célia Luna e Emília Luna
Tipos de produtos: Educação Infantil e Ensino Fundamental I
Unidades (quantidade e cidades): Uma sede, na Rua Barão de Aracati, 1552 - Fortaleza/Ceará
Número de funcionários: 75
Ações de ESG (ambientais, sociais e governança):
> Bolsistas do projeto social Edisca no Canarinho e do Sapiens;
> Projeto de redução de consumo de materiais não-recicláveis;
> Ações de ocupação de espaços públicos e palestras voltadas para educação ambiental de pais e alunos;
> Horta comunitária na escola;
> Campanhas solidárias e de doações;
> Projeto Ponte, onde pais de cada turma representam as famílias e pensam a instituição juntamente com a Escola, com o objetivo de exercer a democracia e o cuidado com a coletividade.
Bastidores
Pipoca
A galinha Pipoca é a sensação do Colégio. Tem seu próprio espaço e casa, compartilhada com alguns coelhos. É comum andar pela escola e ver a ave circulando entre os alunos.
Natureza
Ao entardecer, quando não tem mais alunos, é a vez de ouvir outro som: os dos periquitos-australianos. A hora que os pássaros cantam é uma das favoritas de Emília.
Gatos
Emília conheceu as obras de Aldemir Martins enquanto ensinava aos alunos na sala de aula. Se encantou pelas cores e resolveu colocar as obras do artista em sua própria casa.
Marcos do tempo
1971
Fundação do Colégio Canarinho. Eram cinco turmas, do maternal à 1ª série do Ensino Fundamental, em um prédio adaptado na Rua Pinto Madeira, 1375
1973
Sede passa a funcionar no endereço atual, construída especialmente para acolher o trabalho pedagógico planejado
1974
a escola passou a ser sócia da Organização Brasileira de atividades Pedagógicas (Obrape), método Montessori - RJ)
1979
Membros da diretoria, da coordenação da educação infantil e uma professora participaram de viagem pedagógica a escolas da Itália, berço da educação montessoriana.
1988 - 1993
Ampliação da abordagem teórica sócio-construtivista
1997
Emília Luna, filha de Célia Luna, começa a trabalhar no Colégio
2003
Construção da sede atual do Colégio Sapiens e abertura da unidade, voltada para o Ensino Fundamental II
2021
Recebimento de uma menção honrosa da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará pelos 50 anos de Fundação da escola
2025
Entrada de Gustavo Luna, filho de Emília e coordenador de gestão
Encontro de ex‑professoras em comemoração aos 55 anos, com homenagem à Celia e Emília Luna
Curiosidade
Todas as etapas
Gustavo Luna, 26, é o filho caçula de Emília. Antes de seguir seu destino no colégio, estudou nos Estados Unidos e trabalhou no mercado financeiro em São Paulo. Ele contou um pouco da sua trajetória no Canarinho através das fardas que ainda guarda, incluindo a assinada pelos colegas no último ano; a de estagiário e a atual, como gestor.
Projeto Legados
Esta entrevista exclusiva com Emília Luna para O POVO faz parte da sexta temporada do projeto Legados.
São cinco entrevistas com grandes empresários para contar a base que sustenta seus princípios, valores e tradições familiares que estão sendo passados para as novas gerações. E, ainda, o legado empresarial para o Ceará.
No dia 9, você confere a entrevista com Juliana Carneiro, diretora da American News
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Confira no OP+ o site do Projeto Legados. Lá você acompanha todos os episódios das entrevistas com os empresários, extras e vídeos.
Entrevista
O POVO - Dona Célia, o que fez a senhora seguir o caminho da educação? Por que fundou a escola?
Célia Luna - Eu fui filha de uma pessoa que era um educador nato. Ele era professor de física, meu pai. Minha mãe também era professora, embora não tenha exercido na época, mas eles dois eram de educação e eu fui criada nesse ambiente.
Eu fui pra faculdade de pedagogia sem pensar duas vezes, porque quis mesmo, e lá eu me encontrei, e nunca mais saí, nem imagino sair dessa desse meio, nunca mais. Até eu ficar gagá. Eu vou ficar sempre nesse mundo da educação. É muito gostoso.
A gente está sempre renovando, partindo para uma outra coisa, estudando. Eu estudo muito, eu digo pros meninos lá na escola que eu ainda estudo. 'Você ainda estuda, tia?' Eu estudo sim, pra gente poder acompanhar o tempo, né?
OP - E por que fundar uma escola, não simplesmente trabalhar em uma?
Célia - Porque as escolas da época eram muito ultrapassadas, muito tradicionais, tinham até aquele púlpito, um piso (mais alto) diferente do aluno e eram muito escuras. E conservadoras na forma de trabalhar também.
Eu fui estudar os métodos de ensino da época e fiquei encantada com a escola ativa que era (Jean-Ovide) Decroly, (Maria) Montessori, (Jean) Piaget, esse pessoal todo estava incluído nesta escola para fazer uma educação diferente.
E comecei a me empolgar. De repente, eu criei um grupo para fundar uma escola, mesmo. Começamos em uma casa pequenininha na (rua) Pinto Madeira, pra gente começar, ver como era trabalhar com escola. Depois a gente foi ampliando e estamos hoje na (rua) Barão de Aracati.
OP - Quais são as principais diferenças de trabalhar com a educação infantil e o ensino fundamental?
Célia - Educação infantil tem muito o lado lúdico, embora o fundamental tenha também, mas num tom diferente. O infantil trabalha muito com o sensorial. Pegar, sentir as coisas do mundo. E o fundamental vem a partir disso, a gente vai construindo conhecimentos, da matemática, do português.
Sempre trabalhando como se a criança estivesse descobrindo, nesse sentido. Quando ela vai estudar o sistema numérico, por exemplo, ela descobre o sistema numérico. Não é uma coisa que vem de cima para baixo, como era na escola tradicional. E isso é muito difícil, porque a gente tem que formar o professor para isso.
As universidades nem sempre estão muito adequadas, nem todo professor da universidade trabalha nisso. E a gente está sempre nessa busca, dessa nova forma de trabalhar, como socioconstrutivismo, que é uma abordagem nova que a gente troca com aluno e intermedia esse conhecimento.
OP - A escola trabalha com projetos. Quando vocês começaram a adotar essa metodologia?
Célia - Por volta de 1980, 1990 a gente passou a ser o que a gente é hoje. Começamos com a metodologia montessoriana, mas a gente achou que era pouco para o que o mundo estava exigindo, um ser pensante, não quem só reproduz o que vê. É quem pensa, quem produz conhecimento.
Então a gente passou a adotar essa forma de trabalho que não é nem uma metodologia, mas uma abordagem pedagógica. A gente cria tudo em volta disso. E eu gosto do professor que trabalha também criando, porque se for um professor que só reproduz um sistema de ensino, fica muito fraco.
Pode atingir ou pode não atingir, porque ele não é o dono daquele saber, ele reproduz o saber de alguém. Então a gente faz questão que o professor crie a aula dele, saiba porquê está fazendo aquele trabalho. É muito mais interessante do que só reproduzir o sistema. Dá mais trabalho, mas o resultado é melhor.
OP - Quais foram os maiores desafios que vocês enfrentaram em todas essas décadas de trabalho?
Célia - Ah, tem muitos desafios. Quando a gente muda um sistema que, aparentemente, está dando certo, as pessoas ficam muito preocupadas se funciona mesmo. A gente fez questão de ser pequena/média, não passar desse tamanho, embora a gente pudesse ter feito isso, mas foi uma opção nossa.
Porque trabalhar como a gente trabalha, só sendo uma escola pequena. E as pessoas vão saber se, de fato, está dando certo o que a gente está fazendo, na escola grande. Ela que vai dizer pro pai: "Fulano se deu muito bem nessa escola, foi quadro de honra".
Sim, ele era isso mesmo. A gente sabia que ele ia se dar bem. E por que está dizendo isso? Aí a pessoa fica chateada, porque fica achando que o filho não sabia de nada porque estudava em escola pequena. Parece que o conhecimento fica pequeno quando estuda em uma escola menor.
OP - Para você, o que representa ser uma educadora?
Célia - Representa formar uma pessoa integralmente, no sentido de ver a parte ética, artística, social da pessoa. A gente trabalha essa pessoa como um todo, não só levando conhecimento pronto para ela, mas fazendo ela pensar, fazendo ela refletir bastante.
Tudo que a gente ensina, chega a essa conclusão, que a gente tem que refletir com o aluno. Quando vem um menino que outro bateu nele, por exemplo, que é bem comum na escola, a gente pede a versão, para contar como foi. E fica ouvindo calado. Aí o outro vai, espera e depois ele fala.
E a gente vai intermediando, até que eles chegam à conclusão de que poderiam ter feito de outra forma. Isso demora uns 10, 15 minutos, mas, em compensação, eles vão sabendo fazer.
Melhor do que a gente dizer: "vamos punir por isso, por isso e por isso". A gente vai sempre fazendo assim até conseguir transformar aquela pessoa.
OP - Como se sente quando olha para trás e vê a quantidade de pessoas que foram formadas pela senhora?
Célia - Ah, você não queira imaginar como isso é muito bom. Hoje mesmo eu vivi, como o nono ano terminando. E é uma turma perfeita, porque está com a gente desde pequenininho, quase todos.
E é uma emoção muito grande ver aqueles pais, aquelas famílias que confiaram na gente esse tempo, uma trajetória de vida. E a gente se emociona muito e gosta do que faz cada vez mais. Cada vez mais eu me empolgo com o que eu faço.
Eu acho que eu escolhi o caminho certo, transformar pessoas, buscar, mudar o cenário educacional na cidade também. Hoje acho que muita gente pensa como a gente, depois da gente ter plantado essa sementinha.
OP - Como foi começar 50 anos atrás, já com esse pensamento? Como foi a aceitação dos pais?
Célia - É, a gente quebrou paradigmas no começo. E isso assustou um pouco as pessoas. Depois fomos aumentando o número de alunos, fazendo estudos e divulgando. O jornal O POVO ajudava muito a gente a divulgar o que fazia.
E aí depois tem o resultado das próprias crianças. Como eles eram, como eles gostam do ambiente escolar, como voltam com os filhos hoje para estudar com a gente. E tudo isso mostra que eles podem seguir qualquer profissão. Tem médicos, artistas plásticos, educador físico, advogado, dentista. É só a pessoa querer.
Não tem essa história de ser diferente porque estudou na escola A, B ou C, não existe isso. E hoje a gente é reconhecido na Cidade por esse trabalho.
OP - Emília, você e seus irmãos cresceram dentro da escola?
Emília Luna - Na verdade, a escola era o quintal de casa, era onde a gente brincava. Nos finais de semana, vinham os garotos da rua brincar com a gente e o pátio da escola era o nosso quintal.
Então, de alguma maneira, meu corpo sempre esteve dentro da escola. E era a minha casa também, era uma extensão. Esse limite era muito tênue entre a minha casa e a escola, sempre foi.
OP - Pode falar um pouco sobre a filosofia da escola e da importância da relação entre família e colégio?
Emília - A gente é uma escola sócio-construtivista, que presume que essa criança que chega à escola não é um papel em branco qualquer. Ela já traz muitas experiências, mesmo dos primeiros meses, dos primeiros anos, essa criança está olhando e está experimentando esse mundo.
Esse saber vem com ela para a escola. E o que a gente propõe aqui? começa a partir do que a criança tem para oferecer dentro daquela situação, daquela pergunta, daquela experimentação. E ela vai ouvindo também o que cada colega vai experimentar.
E, logicamente, a intervenção do professor é para que aquela criança vá sempre além de onde ela está. Então, quando a gente traz uma leitura, um jogo, é sempre abrindo possibilidades para que ela construa outros conhecimentos, para que ela vá aprendendo e se desenvolvendo.
É sempre o mecanismo, a gente aprende e se desenvolve. A escola tem que ser um espaço onde possibilite essas crianças existirem com o arcabouço que elas têm. E, de repente, tem um momento que o arcabouço da criança, ela nem sabe às vezes o que é dela e o que é do outro, porque as trocas são muito intensas.
Um fala uma coisa, o outro joga uma pergunta em cima, o outro traz uma afirmação, o outro chama para experimentar e ver o que aconteceu no experimento dele.
Daqui a pouco, aqueles saberes fazem parte de um grande saber. E a escola é isso, é espaço onde a gente aprende junto e cada um oferece o que tem naquele momento, que se transforma e está sempre sendo diferente.
OP - O que é educação para você e para o Canarinho?
Emília - Educação é possibilidade. Educação é a gente construir ferramentas, sustentações pra gente desbravar, desejar e dar sentido aos desejos. É o que eu sempre digo: é abrir possibilidades.
OP - Quais são os maiores desafios de estar sempre inovando, até "nadando contra a maré" do mercado?
Emília - Um dos desafios é a gente entender que, assim como as crianças, tem que ser estudante. Quando a gente entende isso, a gente se permite ter perguntas, a gente se permite pensar, olhar, às vezes, para o mesmo, com olhares diferentes. Exemplo: eu escrevo um texto, escrevo um bilhete. Quando eu volto e olho, falo: "Meu Deus, eu que escrevi isso?" Porque a gente já está num outro momento, com outro olhar.
Então eu acho que é isso que faz a gente inovar, porque as perguntas precisam também de novas respostas, precisam se fundamentar e uma marca muito forte do Canarinho é que a mamãe sempre traz essas perguntas: Por quê e para quê?
Quando a gente tem essas duas respostas, o para que, "o que eu quero alcançar", e o por que, "por que eu preciso ir por esse caminho para alcançar isso?", a gente sustenta a coerência. E percebe quando estamos sendo incoerentes quando a gente faz essas duas perguntas.
E aí que eu acho que é a inovação, é a gente estar sempre se refazendo, mas, ao mesmo tempo, entendendo quem somos nós. Para não entrar em uma onda que depois a gente não se reconheça mais. Eu acho que isso é o mais importante.
OP - Hoje, quais são os principais desafios de quem trabalha com educação?
Emília - Eu acho que a rapidez do mundo. Eu fui recentemente para um seminário sobre inovação na educação e o que se fala é que a gente está hoje formando alunos e, daqui a 10 anos, mais da metade dos nossos alunos vão estar trabalhando em profissões que ainda não existem.
Há uma grande incerteza do que está por vir. Então o que muda pra gente? A gente precisa formar crianças e jovens para estar no mundo que não se sabe como ele vai ser. A gente tem apostas. Então a gente tem sempre que se perguntar o que a gente precisa formar nessas crianças e jovens para elas estarem neste mundo em transição.
OP - Emília, seu filho entrou recentemente na escola. Como foi a preparação para essa nova etapa?
Emília - A entrada do Gustavo foi um pouco como a minha, no sentido de que a preparação é a própria história de vida da gente. Como a casa e o trabalho de alguma maneira se misturam também na família, a gente acaba participando muito das coisas da escola, só que de um outro lugar.
A nossa pergunta às vezes como criança é ouvindo o que os adultos falam sobre a escola, mas, de alguma forma, a gente vai criando esse pertencimento. Às vezes, ele fazia um um comentário sobre um processo da escola e eu precisava lembrá-lo: "filho, você é aluno da escola, quem trabalha lá é a mamãe".
Eu achava importante lembrar para que ele pudesse ser a criança da escola, mas de alguma forma ele adentrava. Ele via a mãe, a avó, o pai circulando aqui. Então o Gustavo sempre viveu imensamente isso aqui. Mas eu não queria que eles estivessem aqui porque eu estou aqui.
Eu penso que para cada geração vai fazer um sentido diferente esse legado. Eu fui por esse caminho porque eu tinha perguntas e o que eu buscava estava na escola e eu queria muito que eles tivessem a oportunidade disso ser uma escolha, dentre tantas outras.
Eu tenho dois filhos, um deles escolheu outro caminho. O Gustavo escolheu a escola. Ele foi por um caminho, foi vivendo e eu acho que, no fundo, ele sempre teve esse desejo, mas ele precisava amadurecer até o dia que ele me chamou para um café e disse: "Mãe, eu tenho certeza do que eu quero. Eu venho contigo para a escola".
Mas esta foi uma escolha dele. Claro que a vivência, a minha paixão, talvez de alguma forma tenha influenciado também, mas ele teve a oportunidade de escolher.
E, para mim, o legado nos constrói, mas ele também nos dá a opção da gente escolher. Ele podia querer estar na escola de um outro lugar, talvez como pai, mas ele quis estar nesse lugar.
OP - E como foi a sua reação quando ele decidiu ficar no Canarinho?
Emília - Foi um grande presente, porque é uma aposta de que essa história, que foi construída com muitas mãos, com muito cuidado, com muita história, que ela possa continuar.
O nosso slogan de 55 anos diz: "Viver o tempo para estar sempre novo". Não é fazer igual. Eu tenho muito medo da palavra tradição. Eu prefiro dizer que a gente tem algo que nos sustenta e que nos move. Dentro do que nos sustenta, que nos move, esse sonho vai se materializando de diferentes formas. Mas o sonho é o mesmo.
Meu avô era professor de física e a coisa que ele mais adorava era quando eu chegava para ele e pedia para me ajudar. Ele não me deixava usar fórmulas, ele queria que eu entendesse quais eram as relações de movimento, porque acontecia tal coisa, porque eu usava aquela operação.
O que ele estava desenvolvendo há 40 anos era o pensamento analítico, ensinando a entender as relações entre as grandezas. E é o que eu faço hoje. Só que eu faço em um contexto histórico diferente, em um momento de mundo diferente.
A gente usa um termo na escola que é "em espiral". A gente segue por caminhos, mas também para outros tempos e outros momentos. E eu acho que o que sustenta esse legado é isso. São os princípios, que são os mesmos, mas os caminhos vão se diversificando a cada história.
OP - Na sua opinião, qual legado que o Canarinho deixa pra sociedade e para a educação cearense?
Emília - Eu acho que o legado é que a vida é aprendizagem. Que o tempo que a gente passa aqui nessa esfera é um tempo de aprender, de crescer espiritualmente, cognitivamente, de se conhecer e crescer também socialmente. A gente entender que não vive sozinho, que deixa marcas um no outro.
Eu entendo muito que a existência da gente é a construção de marcas, de lugares, de afeto. E é isso que a gente quer, que essas crianças possam existir, sonhar. Nesse tempo rápido, as crianças e os jovens, eu percebo que os sonhos não estão vindo mais com tanta potência.
E eu acho que um grande desafio para gente hoje é manter esse sonho e o desejo de fazer diferente nessas crianças e jovens. Que o sonho não se resuma ao consumo. Eu sei que a gente precisa disso também, mas que ele se resuma a mudanças. O que move o mundo? Mudanças. Alguém ou alguéns que queiram fazer a diferença.