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Após 15 anos de implantação, lei ainda permanece como desafio
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Reportagem

Após 15 anos de implantação, lei ainda permanece como desafio

|Mudança| A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal aprovou, quarta-feira passada,3, projeto de lei que revoga a Lei de Alienação Parental
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A Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010) completou 15 anos em agosto de 2025. Contudo, desde a sua promulgação, mecanismos internacionais e regionais de direitos humanos destacam críticas sobre os impactos discriminatórios da legislação contra mães que compartilham alegações críveis de abuso doméstico sofrido por elas e seus filhos.

A informação faz parte de comunicado da relatora especial das Nações Unidas sobre violência contra mulheres e meninas, Reem Alsalem. "Há relatos de mulheres que foram privadas do direito à guarda de seus filhos, e as crianças entregues aos seus abusadores", diz a relatora. Alsalem afirma que o Brasil é o único país que continua a definir e penalizar explicitamente atos de alienação parental como uma ofensa legal.

No dia 3 de dezembro de 2025, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal aprovou um projeto de lei (PL nº. 2.812/2022 ) que revoga a Lei de Alienação Parental. A decisão foi definida por 37 votos contra 28, e como tramita em caráter conclusivo e pode seguir para análise do Senado, caso não haja recurso para votação no Plenário.

Segundo Camila Pires, mestre em Psicologia Social, embora a Lei 12.318/2010 não utilize o termo "síndrome de alienação parental", ela emprega a expressão "atos de alienação parental" e se baseia no mesmo conjunto de ideias que deram origem à formulação de Gardner.

"A justificativa do projeto de lei que antecedeu a norma cita explicitamente a noção de que um dos genitores poderia 'programar' a criança para rejeitar o outro, o que retoma diretamente a lógica da síndrome", diz.

A legislação atual, alerta Camila, mesmo sem adotar o rótulo da "síndrome", incorpora parte desse entendimento ao listar comportamentos considerados alienadores e prever medidas judiciais para combatê-los.

"Do ponto de vista da Psicologia, a proteção prometida pela LAP (Lei de Alienação Parental) não se concretizou. O desafio atual é construir práticas e políticas que realmente coloquem a criança no centro — não como objeto de disputa, mas como sujeito de direitos — e que priorizem abordagens cuidadosas, interdisciplinares e não punitivas", explica a pesquisadora.

Sobre o debate relativo à suficiência da norma, a advogada Bianca Studart pontua que a legislação "não conseguiu ser objetiva e não conseguiu trazer uma satisfação suficiente à seriedade". "E caber ao juízo fazer essa análise com provas frágeis, é muito delicado, porque a gente está mexendo com uma criança, com a vida, com a integridade, com a formação de uma criança, de um adolescente", explica. Nesse contexto, um trabalho estrutural, envolvendo as escolas e as famílias também é um fator a ser considerado.

Quando informações ou indícios de alienação parental são apresentados, a Defensoria Pública requer ao Poder Judiciário a adoção de medidas que resguardem o bem-estar da criança e do adolescente. O primeiro passo é a solicitação do estudo psicossocial. Paralelamente, a defensora Michele Camelo diz que outras medidas "capazes de restabelecer o equilíbrio afetivo e garantir à criança ou adolescente a convivência com ambos os genitores", devem ser consideradas.

Essa reaproximação, que nem sempre acontece de forma espontânea, costuma ser acompanhada por profissionais especializados, quando possível o custeio. Pleiteia-se também ao Poder Judiciário a presença da família em oficinas de parentalidade.

A inversão da guarda e a suspensão da convivência com o outro responsável são medidas drásticas, justificadas apenas em situações extremas.

Em sua pesquisa, a partir das entrevistas realizadas no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e na Defensoria, Camila Pires ressalta os "desafios profundos" enfrentados por psicólogos quando atuam em casos enquadrados como alienação parental.

"O primeiro deles é a própria expectativa criada pela Lei de Alienação Parental: a lei pede que o profissional 'diagnostique atos de alienação', mas, na prática, esse tipo de diagnóstico não é compatível com a natureza do trabalho psicológico", relata.

A legislação prevê, de acordo com a gravidade do caso, que o juiz reconheça a ocorrência de alienação parental e adote diferentes medidas. Entre elas, estão: advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão.

"Há um tensionamento constante entre a lógica jurídica e a lógica da Psicologia. O sistema de Justiça costuma empurrar os peritos para uma posição de 'investigadores' ou de 'aferidores da verdade', o que muitos profissionais rejeitam por considerarem esse papel incompatível com a ética da profissão", explica Camila. Outros desafios incluem o tempo limitado, alta demanda, estruturas insuficientes e pouca garantia de que a criança será ouvida de forma adequada

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