Há pouco mais de um ano, Conceição teve o andar limitado por um golpe de machado. Precisou amputar a pata dianteira, perdeu a agilidade da locomoção e a confiança no ser humano. Resgatada, hoje, a jumenta recebe o afeto que lhe faltou, mas as marcas da violência ainda seguem na pele e no psicológico.
O caso dela não é isolado e, no Ceará, tem registrado aumento. Conforme Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), somente de janeiro a setembro de 2025 o Estado registrou 874 crimes de maus-tratos a animais, número que é cerca de 10% maior ao observado no mesmo período de 2024, de 794.
Dados foram extraídos pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), vinculada da pasta, e reune ocorrências atendidas pela Polícia Civil do Estado (PC-CE).
Em Fortaleza, onde casos são investigados pela Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), também foi identificado um disparo nesse tipo de indicativo. Unidade registrou 398 ações do porte de janeiro a setembro de 2024 e 449 no mesmo período deste ano — aumento de aproximadamente 13%.
Procedimentos registrados incluem ações diversas. Conforme Débora Façanha, pesquisadora de Medicina Veterinária do Coletivo (MVC), área da profissão que liga a saúde humana, animal e ambiental, "qualquer ato que cause dor, medo, trauma, sofrimento físico/psíquico ao animal" é considerado como maus-tratos.
"Normalmente os maus-tratos são caracterizados como atos de abuso aos animais, como por exemplo a zoofilia, a negligência, quando o tutor ou o próprio poder público deixa de alimentar, de cuidar da saúde, [priva de] necessidades básicas. Todo ser que vive tem direito de se alimentar", explica a especialista, que é professora do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Utilizar animais em trabalhos excessivos ou confiná-los em espaços pequenos, como quintais e gaiolas, também são formas de violência contra esse grupo. "O animal não pode viver condenado a ter a sua mobilidade prejudicada, ele precisa se locomover, precisa se exercitar", destaca Débora.
Entre as vítimas que mais configuram como alvos desses maus-tratos, de acordo com a especialista, estão cachorros e gatos, o que pode ser explicado pelo fato deles manterem cotidianamente um contato "mais próximo com o ser humano". Felinos e cães também estão na mira de outro tipo de ação violenta: o abandono, prática que ameaça a integridade física e pode causar um profundo impacto psicológico.
"O animal não entende porquê ele está sendo abandonado, porquê aquela pessoa que ele sempre confiou, que sempre foi o porto seguro dele, a fonte de proteção, a fonte de carinho, de uma hora pra outra deixou ele na rua, (onde) pode sofrer agressões, ficar sem alimentação, ter doenças", explica Façanha.
Especialista pontua que a maior parte dos animais abandonados são provenientes de ninhadas indesejadas. "Essas ninhadas podem ser prevenidas (...) A castração é uma maneira de proteger os animais não só de gravidez indesejada como de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis ", diz.
Débora explica que as políticas públicas existentes para a castração atualmente focam em animais que chegam com tutores ou protetores, e não naqueles que vivem em situação de rua. No entanto, ela destaca que não se pode castrar e devolver o animal para a mesma condição anterior, sem cuidar da saúde dele.
Nesse sentido, a especialista defende que cada cidade crie um Plano Municipal de Manejo Ético Populacional de Cães e Gatos Não Domiciliados, que já existe em esfera nacional, para reunir ações como centros de acolhimento, acesso a consultas, cirurgias de baixa complexidade, entre outras.
Como denunciar crimes de maus-tratos
Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente
Endereço: Professor Guilhon, 606, Aeroporto
Telefone:(85) 3247-2637
E-mail dpma@policiacivil.ce.gov.br
Os Boletins de Ocorrência (BO) podem ser feitos em qualquer delegacia distrital ou por meio da Delegacia Eletrônica (Deletron), no site www.delegaciaeletronica.ce.gov.br.
Queixas também podem ser encaminhadas para o WhatsApp da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), no número (85) 3101-0181, ou pelo número 181, o Disque-Denúncia da pasta. Em caso de urgência, o fato pode ser noticiado pelo telefone 190.