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Paraíso dos pancinhas: lar que salva jumentos
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Reportagem

Paraíso dos pancinhas: lar que salva jumentos

|Aquiraz|Sítio abriga 84 animais
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Em uma região isolada no Aquiraz, a 26,97 km de Fortaleza, em um sítio de porteira branca, basta atravessar o portão de madeira para ser recebido com sons de zurros (característico de jumentos) e barulho de cascos batendo contra o chão de terra. No "Lar dos Pancinhas" (@lardospancinhas), em razão das panças magras dos bichos quando chegam, vivem 84 animais de grande porte: 77 jumentos, 3 burros e 4 cavalos. Todos vítimas de violência.

Érica de Caria, 49, é natural de São Paulo, e, em 2020, vivia em Amontada, interior do Ceará, quando viu uma jumenta rasgar "desesperada" um saco de lixo, com fome. Ali se deparou com uma realidade que nunca mais saiu da sua cabeça. Foi um chamado sem volta.

Ela passou a alimentar a jumenta e, com isso, outros animais do tipo foram chegando em sua casa. O seu marido na época, com quem tinha uma pousada, se incomodou com eles e Érica optou por se separar do companheiro. Foi atrás de ajuda e conseguiu alugar um sítio na região.

Um dos primeiros jumentos que resgatou batizou de "Supla", em homenagem ao cantor brasileiro. "É porque eu sou do "rock and roll", explica. Mesmo sendo uma brincadeira, no dia a dia ela já mostrou possuir a autenticidade e a coragem que costumam estar ligadas a essa expressão.

Lá mesmo em Amontada, por exemplo, chegou a denunciar muitos casos de zoofilia (sexo com animais) cometidos contra os jumentos que resgatava. Ela conta que fez mais de dez Boletins de Ocorrência (BO), mas não tinha ajuda.

Há alguns meses ela conseguiu se mudar para o sítio que reside hoje, em Aquiraz, e foi virando uma referência na área, a ponto de resgatar animais até de outros estados. Sabe o nome de todos e dá apelidos para cada um. Como uma mãe, reconhece os filhos pelos detalhes, uma mancha que seja, e sabe decorado as distintas personalidades. Briga quando precisa, mas também faz "voz doce", abraça e dispara beijos.

Tereza tem 30 anos e em todos eles foi colocada para puxar carroça. Chegou no abrigo sem conseguir ficar em pé, com feridas abertas no corpo. Conceição, de quatro anos, de pelagem loira, teve uma das patas amputada após levar uma machada de um agricultor. Já sua "irmã" Madona, com nome de diva pop, levou uma paulada no olho de um pastor que se incomodou com sua presença. José, que chegou há menos de um mês, também foi agredido e está com uma das patas enfaixadas.

"Eu salvo os jumentos mas eles também me salvam todos os dias (...) Eu sempre falo que enquanto eu puder eu vou lutar com eles porque eles são muito escravizados pela sociedade (...) As pessoas veem eles sempre no trabalho bruto, então acham que não sentem dor, não tem sentimento, e todos os animais são seres sensíveis a tudo, a dor, a saudade, ao apego emocional", diz.

O amor pelos "filhos" esbarra somente na dificuldade financeira. Érica conta que sobrevive da ajuda civil, faz rifa, mas enfrenta resistência pelo estigma por trás da palavra "jumento", nome que carrega um sentido pejorativo de "estúpido", "burro".

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