Depois de se dedicar a uma imersão na obra de Tom Jobim e cantar Portugal afora (inclusive em palcos brasileiros), Carminho se fez Maria para lançar seu quinto álbum. O título do disco é também o primeiro nome da fadista portuguesa, que aderiu Carminho a partir de Maria do Carmo de Carvalho Rebelo de Andrade. Ela usa o nome de nascença para dar título ao disco, já indicando o que o ouvinte atento vai encontrar ali: um repertório, agora, mais íntimo, em que sete das 12 composições são assinadas pela cantora - algo inédito em sua discografia.
Filha da fadista Teresa Siqueira, Carminho conheceu o tradicional ritmo português em casa, ouvindo a mãe e vendo o pai apreciar as composições, com os olhos e ouvidos atentos. Aprendeu bastante sobre aquilo que, para ela, já era tão natural. "(O fado) é, sobretudo, uma experiência de emoções a ser vivida", definiu a cantora e compositora durante a primeira apresentação de Maria, no início de dezembro último, em um pequeno espaço na livraria Fnac Chiado, em Lisboa (Portugal), que rapidamente ficou lotado. "O poeta é, assim, um ser elevado", comentou ainda, ao explicar a homenagem que faz na música Poeta, em uma forma de gratidão a quem constrói versos e estrofes.
Se Carminho cresceu ouvindo o mais tradicional do fado, ela, aos 34 anos, reinventa o ritmo e o torna mais acessível e popular. A artista passeia pelas veredas que misturam o tradicional e o pop, levando seu estilo para multidões. Prova disto é que a cantora traz na bagagem dois Globos de Ouro, o primeiro em 2013, pelo disco Alma, enquanto o segundo veio em 2017, coroando Carminho canta Tom Jobim. Carregando o tom de voz das fadistas tradicionais, Carminho brinca com destreza, cerzindo recursos mais pops aos versos e aos arranjos. Hoje ela é considerada uma das mais internacionais artistas portuguesas, reacendendo uma projeção mundial para o fado e para a música de seu País, que já ganhou repercussão com nomes, como Amália Rodrigues, Madredeus, Dulce Pontes e António Zambujo.
Em Maria, o ouvinte é recepcionado por Tecedeira, fado autoral em que sua voz potente é protagonista, sem a utilização de instrumentos, assim como nas mais tradicionais músicas do estilo. A letra carrega uma beleza sombria, velha conhecida de quem acompanha o fado. Com interpretação bastante íntima - marca da cantora -, a música é uma bela forma de receber quem irá desbravar aquele universo musical. Esta interpretação já indica o retorno de Carminho ao fado mais tradicional. Outras autorais são Desengano (em parceria com Jaime Santos), Estrela, A Mulher Vento, Poeta, Se Vieres (ao lado de Amanda Machado) e Quero um Cavalo de Várias Cores (com letra de Reinaldo Ferreira).
Para além do autoral, a cantora resgata um antigo fado conhecido na voz de Antonio Calvario, em gravação de 1966, chamada Pop Fado (César de Oliveira/ F. Carvalho). Com guitarra elétrica, baixo acústico e viola portuguesa, Carminho passeia pelo tradicional e o contemporâneo, dando nova roupagem à obra, enquanto canta as mudanças que já ocorriam no estilo musical 50 anos atrás. A música segue bastante atual e foi modernizada na interpretação e nos arranjos. "Arranjou novos modelos/ Para atrair mirones (olhares)/ Remendos nos cotovelos/ E os cabelos à Rolling Stones/ Existencial nos diversos/ Rimas de novos sentidos/ Tem os trinados dispersos com esses versos muito atrevidos", canta.
Entre as autorais A Mulher Vento é destaque, em que a artista mistura arranjos suaves e modernos ao tom de voz muito próprio das fadistas, reafirmando a identidade construída desde que lançou seu primeiro CD, Fado (2009). De lá para cá, o trabalho da cantora amadureceu bastante e Maria chega como resultado deste processo, deixando a certeza de que para ouvir Carminho é preciso estar aberto para novas experiências.