Contar histórias através não só de palavras, mas de imagens. Assim pode ser apresentada a atuação do xilogravador e cordelista pernambucano J. Borges para quem, por ventura, ainda não o conheça. Há mais de 50 anos atuando em diversas frentes da cultura popular, o artista "ganhou" a exposição J. Borges 80 anos de presente ao completar a marca de vida em 2016. Após passar por diversas cidades como Salvador, Recife e Brasília, a mostra, que tem curadoria de José Carlos Viana e Marcelle Faria, chega agora à Caixa Cultural Fortaleza. Na noite de hoje, haverá coquetel de lançamento com visita guiada e amanhã o espaço abre ao público.
José Francisco Borges, hoje com 83 anos e considerado Patrimônio Vivo pelo governo de Pernambuco, teve uma trajetória de vida rica pelos confins do sertão nordestino, riqueza essa que se reflete nas marcantes características do seu traço e, também, das suas palavras, já que antes de ser xilogravador, "estreou" na atuação em cultura popular como cordelista. "A poesia popular é o carro-chefe e a xilogravura era mais para ilustrar. Hoje, ele tem dois canais: as artes plásticas e a ilustração de cordéis, já que continua sendo cordelista", explica o curador. "Ele é o considerado o maior gravador popular do Brasil, isso (dito) por Ariano Suassuna, por diversos críticos, muita gente. É uma figura ímpar que conseguiu fazer com que a gravura do cordel, daquele tamanho pequeno, tomasse a dimensão das artes plásticas", aprofunda José Carlos.
Definido pelo curador como "um grande contador de histórias", J. teve uma "vida de experimentos", ocupando-se com diversas lidas ao longo das décadas de vida - de lavrador a construtor de móveis de brinquedo para crianças. Essas vivências foram cruciais, como expõe José Carlos, para a construção das imagens e poesias de autoria do pernambucano. Foram nas típicas feiras do sertão, porém, que surgiram as principais inspirações para as obras.
A intenção da exposição foi a de mapear o universo das obras em xilogravura de J. Borges partindo justamente do local das feiras. Compõem a mostra 40 obras assinados pelo artista, sendo 10 delas produzidas por J. para a ocasião - "e a produção é gigantesca, dava para preencher cinco museus", calcula simbolicamente o curador. "A feira é basicamente onde tudo acontece na cultura popular. A vida dele é em cima dela, especialmente da feira de Bezerros", contextualiza José Carlos, citando a cidade natal do xilogravador. "(O universo de J. Borges) é esse popular da feira, dos amores, das crenças", avança. Assim, nas obras do artista, coexistem criaturas fantásticas das lendas populares, figuras que pululam pelas paisagens sertanejas populares e elementos religiosos, por exemplo.
Apesar de marcadamente nordestinas, essas vivências do artista já viajaram o Brasil e o mundo nas xilogravuras assinadas pelo pernambucano - as obras já passaram por diferentes estados do Brasil e, ainda, centros culturais dos Estados Unidos, Alemanha e Suíça, como elenca José Carlos. "Hoje, ele é um artista internacional. É aquela coisa da 'aldeia universal': onde chega, todo mundo tem uma leitura, comparando sua cidade com o universo dele, que é mitológico, cheio de monstros, diabos. Ganha uma dimensão feito essas figuras que fazem da sua narrativa algo universal", considera.
A proximidade geográfica, no entanto, coloca o Ceará num lugar de destaque para a repercussão da obra de J. Borges, como explica o curador. "O Sérvulo Esmeraldo contratou umas gravuras dele. (A partir disso) Muitos artistas de Fortaleza entraram na escola da xilogravura através de Sérvulo e J. Borges. O sertão nordestino é um só e J. correu também o Ceará, como todos os poetas populares que atravessam essas fronteiras o tempo todo", aponta.