Fortaleza, segunda-feira, 14 de janeiro de 2019, cartório do Mucuripe, 16h30min. Um trem da alegria, de um lado uma faixa escrita "recém-casados Eduardo e Waldírio" e do outro a bandeira LGBTQI . Assim dava-se a conclusão do projeto artístico 7 performances de casamento. Eu e Waldírio, enquanto noivos e performers, estávamos encerrando a experiência estético-política de transformar a vivência de nosso casamento em um manifesto artivista. Se a vida sexual e amorosa dos LGBTQI , cada vez mais, é posta a ocupar os espaços privados - "tudo bem ser gay, mas não precisa se beijar em público" -, fizemos de nossa vivência do casamento um compartilhamento estético-político-interventivo com/na cidade de Fortaleza.
Durante a semana anterior ao casamento, ocupamos a Cidade e as mídias sociais com ações performativas acerca da LGBTQI afetividade no espaço público e que, corpóreo-simbolicamente, nos atravessavam enquanto casal gay. Lambes com as cores do arco-íris e frases de pesquisadores que estudam as questões de gênero e sexualidade foram colados nas paredes do Bairro de Fátima. No Centro da Cidade, durante duas horas, com uma placa escrita "Procura-se candidatos para ir a um casamento gay", entrevistamos pessoas com o objetivo de selecionar dois convidados desconhecidos para ir ao nosso casamento. No bairro do Montese, local onde residimos, entregamos 24 "convites de casamentos" durante a madrugada nas caixas de correio, constando, no interior do envelope, dados acerca da violência física e simbólica que os LBGTQI sofrem diariamente no Brasil. Fizemos uma web-leitura performativa dos livros Questões de Gênero e Manifesto Contrassexual (de Paul B. Preciado) com câmeras espalhadas nos cômodos de nossa casa e ligadas online em nossas redes sociais por uma hora. Panfletamos, no sinal da esquina da avenida Aguanambi com a avenida Domingos Olímpio, 100 exemplares da resolução Nº175-2013, na qual é dada a liberação para a realização do casamento homoafetivo. Derivamos pela noite da cidade com a bandeira gay pintada no rosto e, ao final, fizemos uma gif-arte nos beijando. Por último, afixamos uma faixa escrita "Insurreição Gayzista. Não morreremos calados" na passarela que dá acesso ao Aeroporto Pinto Martins.
Produzir estas ações foi nosso exercício de esgarçar o compartilhamento social de nossa relação/casamento e, assim, materializar autobiograficamente a resistência a LGBTQI fobia. Empregar no espaço público, para além das ações do cotidiano (andar de mãos dadas e beijar-se quando se sente o desejo de beijar e etc.), foi nosso modo de megafonizar poético-politicamente o confronto com a máquina mortífera que vem tomando de assalto o Brasil. Não vamos aceitar calados termos que retroceder um passo, já quebramos os nossos armários e com as madeiras fizemos fogueiras para iluminar a ignorância. Estamos em disputa simbólica contra a LGBTQI fobia e se eles combinaram de nos apagar, nós combinamos de cada vez mais gritarmos mais alto em um misto de cólera e alegria. Não somos poucos e nossas vozes sabem gritar e sabem resistir as mordaças da tortura do silenciamento.
Entre Peppa Pig, Homem-Aranha, Fofão, Linn da Quebrada, Lady Gaga, Gloria Groove, I will survive e um microfone aberto para gritos de guerra - como "Eu beijo homem, beijo mulher, tenho o direito de beijar quem eu quiser" e " Eu não sou otário, não adianta que eu não volto pro armário" -, o trem da alegria andava pela Cidade com um grupo de LGBTQI fantasiados e imersos na cólera e na alegria da resistência em corpo vivo. Centro, Benfica, Beira-Mar, Praia de Iracema, Meireles, Aldeota, Edson Queiroz e Bairro de Fatima foram rasgados pelo som das músicas e das vozes. Na calçada da Praia de Iracema, teve brinde com os passantes, o buquê (um livro de Judith Butler) foi jogado e a tão tradicional valsa foi dançada. Corpos intrusos homoerotizaram o espaço público com beijos, declaração de amor, abraços, gritos de guerra e dança. Marcamos simbolicamente a cidade. "Ado, aaado, Fortaleza também tem viado", gritávamos.
Com isto, se retornamos ao título dado a esse texto e nos perguntarmos: O que pode um casamento (gay)? Eu arriscaria dizer que ele pode muito, ele pode tanta coisa, que é por isso que o temem tanto. Parafraseando Butler, eu também diria "As pessoas que estão raivosas não querem que o mundo mude, mas elas precisam aceitar que o mundo já mudou, independente do que elas acham"!
Eduardo Bruno é artista-pesquisador mestre em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo