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22ª Mostra de Tiradentes: A Rainha me solta
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

22ª Mostra de Tiradentes: A Rainha me solta

| FESTIVAL |Afeto e cultura popular são forças motoras de resistência no longa cearense Tremor Iê, que será exibido amanhã, 22, na Mostra de Cinema de Tiradentes
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Cantos, danças, rezas, toques, palavras de ordem. Muito da resistência histórica de povos originários parte de uma ferramenta tão potente quanto frágil: o corpo humano. Através da oralidade e da corporeidade, raízes se fincaram - e se fincam - ao longo do curso “civilizatório”. Massacres, silenciamentos e opressões também históricos, por mais frequentes que sejam, não deram conta de interromper este ciclo. E nem darão. É esse o discurso do longa cearense Tremor Iê, dirigido por Elena Meirelles e Lívia de Paiva, com roteiro escrito por elas e pelas atrizes Lila M Salú e Deyse Mara. A obra fará sua estreia amanhã na competição da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

O filme mostra um futuro indefinido, mas marcadamente atual - essa reflexão de tempo futuro, inclusive, parece uma constante na produção cearense que está na mostra, podendo ser vista também nos curtas Espavento, de Ana Francelino, e Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno, de Leon Reis, ambos selecionados na Mostra Formação. Em Tremor Iê, acompanhamos um grupo de mulheres em Fortaleza vivendo em um Brasil pósgolpe político que instaurou um governo antidemocrático. Janaína (Lila M Salú) encontra esse contexto quase como que de súbito: presa em 2013 durante uma manifestação popular, ela sai da prisão, se deparando com essa realidade, mas também reencontrando amigas. A reunião do grupo é marcada, então, por lembranças do passado e planos para o futuro.

A narrativa e a linguagem de Tremor Iê - apesar do filme ser bastante calcado em fatos políticos identificáveis da história recente do País - descolam-se de noções clássicas ou do naturalismo. Há diversas passagens que se aproximam de experimentações poético-visuais, quase sempre com as tais danças, cantos, tambores como elementos vitais das cenas.

Trazendo para o centro da narrativa essa força que vem das raízes, Tremor Iê constrói uma abordagem política frontal, baseada em valorização das identidades. No filme, o governo antidemocrático respalda suas ações opressoras em nome da paz e da fé - e é passo comum, nesse sentido, a negação e consequente tentativa de enfraquecimento de pautas identitárias.

Em uma longa e complexa sequência, Janaína e Cássia (Deyse Mara) conversam sobre as memórias dos momentos de repressão vividos por cada uma no período anterior ao estabelecimento do golpe vivido no filme, relacionados à força policial. Em mais de 20 minutos, elas dividem relatos que, difícil deixar de achar, tem muito de autobiográficos para as próprias intérpretes. No fechamento da cena, Cássia propõe: “A gente tá aqui num momento novo, é tudo muito peso, mas acho que a gente tem que comemorar um pouquinho”. Entra, mais uma vez, a musicalidade cumprindo papel central. Janaína começa a entoar canções que inventava na prisão, misturando menções à capoeira, Bola de meia, bola de gude, beatbox e rap.

É nessa força que Tremor Iê aposta: a que baseia sua resposta, força e luta em instrumentos como o coco, o quixerê, a alfaia, o triângulo, além da companhia de erês, flechas, altares, Jesus, Maria, José e todos os pajés. “Se a polícia me prende, olelê/ A Rainha me solta”, ecoa a canção Tá Caindo Fulô.

 

Foto do João Gabriel Tréz

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