De Berlim, onde apresenta hoje seu filme Greta na mostra Panorama, o cineasta Armando Praça conversou com exclusividade com O POVO. Confira os principais trechos da entrevista.
O POVO - Qual a expectativa de exibir Greta pela primeira vez? Ainda mais em um festival do porte da Berlinale?
Armando Praça - Eu não consigo nem dimensionar muito o que é essa expectativa. É claro que a gente trabalha, pesquisa, e estuda para chegar num grande festival, para lançar o filme da melhor maneira possível, mas para mim é muito novo tudo isso. E é muito bom! Mas a despeito disso, que seria bom para qualquer pessoa, para qualquer filme, ser lançado na Berlinale, particularmente, o que mais está me deixando curioso, me provocando expectativa, na verdade, é ouvir o que as pessoas têm a dizer sobre o filme, sabe? É redescobrir o filme a partir do olhar das pessoas daqui, que são muito cinéfilas. É o maior evento cultural da Alemanha. Um festival muito importante, histórico, emblemático da cidade. Então, de fato, tem um público muito especial nesse sentido. E eu quero poder entender um pouco mais o meu próprio filme a partir do olhar deles. A minha expectativa maior é nesse sentido. É receber o filme de volta, sabe? Entender o que eles estão sentindo, o que funciona e o que não funciona, o que comunica e o que é que não comunica. Coisas que provavelmente nem estão ao meu alcance. Acredito que eu vou ouvir coisas que nunca nem sequer imaginei sobre o filme. Então, eu estou muito curioso sobre isso.
OP - Como o filme dialoga com o momento por que passa o País?
Armando - É muito curioso isso. Este projeto, até ele se realizar, passaram-se dez anos. E o País, evidentemente, mudou drasticamente durante estes dez anos. O filme nunca pretendeu, e ainda não pretende, ser um filme que levante ou defenda uma causa específica. O filme não é político dessa maneira. Eu acho que o filme é político num momento em que ele coloca como protagonista uma pessoa de 70 anos de idade, que pertence à comunidade LGBTQ . Nesse aspecto ele é político. Ele tira um personagem que está muito à margem, muito na sombra, e o traz para o primeiro plano. Nesse sentido ele é político, mas eu não acho que ele vá muito além disso. No entanto, nesse momento atual do País, com os membros dessa comunidade específica sofrendo ameaças concretas em relação a perdas de direito, à sua própria segurança, ameaças em relação à sua própria existência - vide o caso do (deputado federal) Jean Wyllys, que teve que se auto-exilar -, eu acho que o filme não pode se negar à responsabilidade. Então, ele nunca pretendeu ser exatamente um filme político, mas no momento em que a gente passa a viver essa realidade no Brasil, e o filme tem um representante dessa comunidade como protagonista, eu não posso jamais me furtar a responsabilidade de dar visibilidade a esse personagem e a esse público e chamar atenção para o que está acontecendo no País. Então, eu acho que ele não se relaciona diretamente (com o momento por que passa
o País), mas indiretamente sim.
OP - Na sua opinião, o quê, em Greta, vai tocar as pessoas?
Armando - Eu acho que Greta é um filme sobre solidão. Se eu tivesse que eleger uma única palavra para dizer o tema que possa designar o filme eu acho que seria "solidão". Claro que a solidão a partir da perspectiva de um homem gay de 70 anos de idade. Mas ainda assim é a solidão. E esse é um sentimento que atravessa qualquer pessoa. É um sentimento da nossa experiência existencial. A gente pode viver muitas relações, ter muitos amigos, mas a experiência humana é sempre uma experiência solitária. Então, o filme é sobre isso, a partir dessa perspectiva, e acho que ele pode tocar e se comunicar com as pessoas a partir desta questão, que é uma questão que atravessa todos nós.