Há 25 anos, Hollywood levava soco no estômago que adiava há décadas. “Pulp Fiction: Tempo de Violência” e Quentin Tarantino, diretor do filme, foram a quebra pela qual o cinema norte-americano ansiava desde meados dos anos 1970, quando os realizadores perderam poder sobre as criações, que surgiam cada vez mais anabolizadas por produtores em busca de lucro certo.
Se é necessário um quarto de século para medir o legado de uma obra, hoje “Pulp Fiction” finalmente pode se encontrar com o próprio destino. A primeira exibição do longa, o segundo da carreira de Quentin Tarantino, foi no Festival de Cannes, no dia 21 de março de 1994. E ali a obra pavimentou uma carreira surpreendente ao vencer a Palma de Ouro – principal honra da mostra francesa. No Brasil, o filme só chegou em 1995 e já sob a fama de injustiçado ao Oscar, que perdera para o convencional “Forrest Gump: O Contador de Histórias”, de Robert Zemeckis.
A obra se impulsionou mais no timing do que na renovação. As principais características do filme – narrativa não-linear, trato irônico para a ultraviolência, referências à cultura pop – não eram propriamente novas. A quebra ali era a leveza de um filme que tratava de temas densos, explorava questões de forma brutal, se estendia por 2h34min e ainda assim era divertido como poucos. É como se Tarantino tivesse conseguido imbuir de sofisticação o então esvaziado cinemão de Hollywood.
E a resposta do público não só imediata, como se mantém forte até hoje. Orçado em US$ 8 milhões, “Pulp Fiction” rendeu US$ 213 milhões, segundo dados do site especializado Box Office Mojo. A título de comparação, o primeiro filme de Tarantino, “Cães de Aluguel” (1992), foi feito com investimento de US$ 1,2 milhão e deu US$ 2,8 milhões de retorno. Mais que isso, “Pulp Fiction” virou capítulo quase obrigatório no coração de cinéfilos em formação. E mesmo dentro da maturidade, ele segue tendo espaço – tanto por saudosismo, tanto por qualidade e permanência.
“Pulp Fiction” foi a confluência de uma espécie de orgasmo artísticos. Literatura pulp, cinema de gângsteres e blaxploitation, envelopados por trilha sonora alucinada e pautada nas décadas de 1920 e 1960. Quentin Tarantino provou ali ser um tarado por cinema e, a partir de então, se dedicou a mastigar e reconfigurar nas telonas toda a arte que consumira. A única dosagem possível é a overdose. E nessa brincadeira, o cineasta ainda levou a estatueta de melhor roteiro, junto a Roger Avary, no Oscar de 1995. Faltou tino à academia para dar o prêmio principal.
Ali, a vida de muita gente mudou. Vinte cinco anos atrás, John Travolta tinha uma segunda chance na carreira – que aproveitou brevemente antes de desperdiçar de novo. Samuel L. Jackson começou a sedimentar trajetória de um dos atores mais lucrativos da história. Uma Thurman foi alçada a novo patamar de estrelato. E Quentin Tarantino virava ele próprio um ícone da cultura pop. Um “garoto” que provava que o sonho de ser cineasta era possível. Nessa mesma linha, vários outros ganharam os holofotes, desde os limitados amigos de Tarantino, como Eli Roth e Robert Rodríguez, a obras de cineastas como Christopher Nolan, Bryan Singer ou Guy Ritchie.
Tarantino, “Pulp Fiction” e o produtor Harvey Weinstein – hoje em ostracismo após uma série de denúncias de assédio – ajudaram a criar um modelo bem sucedido para filmes independente, com mais liberdade criativa para realizadores e investimento massivo em maketing para pautar uma carreira internacional lucrativa e cheia de prêmios. Essa porta aberta repercute até hoje e deu espaço para nova onda no cinema norte-americano. O que rendeu tanto treva – e uma geração que tenta replicar tanto o cinema de Tarantino que o próprio parece uma paródia de si –, quanto luz – quando o pequeno cinema se impõe diante dos megafilmes de produtores.