A biografia é um dos gêneros mais queridos do leitor. Por transitar entre a ficção e a história, ela apresenta o universo íntimo de algumas personalidades tão interessantes que poderiam ter sido inventadas pela pena de um romancista. Esse é o caso de Jinga de Angola, a rainha guerreira da África, que viveu entre 1583 e 1663. Suas histórias foram reunidas pela americana Linda Heywood em biografia lançada pela Editora Todavia.
A vida de Jinga se confunde com os primórdios da colonização ibérica no continente africano. Seu maior feito? Ter executado uma laboriosa estratégia de resistência ao invasor português, que envolvia o uso de inteligência militar, um saber sofisticado sobre a geografia, sutilezas da arte diplomática e uma capacidade incrível de articulação de forças religiosas e econômicas locais. Jinga pôs à prova o poder da pólvora portuguesa e representou, por toda sua vida, o maior obstáculo à consolidação definitiva do país europeu no território de Ndongo, atual Angola.
O livro de Linda Heywood nos leva a descobrir a exuberância da rainha guerreira, por meio de um relato que se inicia nas décadas anteriores ao seu nascimento. Nos capítulos de abertura, a autora tem o cuidado de situar o leitor na geografia e na cronologia histórica, preparando o terreno para apresentar sua personagem. Jinga assume o trono de Ndongo depois da morte de seu irmão, com quem manteve uma relação ambígua durante a vida. Cenas ferozes de vingança darão o tom dessa irmandade marcada pela disputa.
Sendo a preferida do pai, Jinga pôde ser educada nas artes da guerra e da negociação política desde criança. Sua primeira missão diplomática é deliciosamente descrita por Heywood: à frente de uma extravagante comitiva, ornada por música, perfumes e tecidos ricos, uma esplendorosa Jinga chega à Luanda para discutir os termos de um acordo de paz com o governador português, representante do reino. Ostentando fidalguia, impressionando por sua inteligência e pela passionalidade de seus humores, é recebida com as dignidades guardadas à fina flor da aristocracia metropolitana. Sua elegância altiva contrasta com a palidez macilenta dos portugueses atemorizados pelo sol e pela escassez de alimentos. Aí descobrimos que Jinga se tornará, numa cerimônia inesquecível, dona Ana de Sousa, batizada na fé cristã para proveito de sua conveniência diplomática.
Não pense o leitor que a biografia de Heywood apresentará uma mulher previsível, enclausurada em intrigas de corte. Jinga passa a maior parte da vida ocupada em fugas cinematográficas que envolvem precipícios, feras selvagens e a ameaça permanente da captura. Sua resistência se traduz na recusa em se declarar vassala de Portugal: herdeira legítima do trono, a rainha Jinga se via como a única soberana a quem o povo de Ndongo devia lealdade e lutou a vida inteira para consolidar seu poder.
A riqueza da narrativa histórica de Heywood revela uma dimensão fundamental da ancestralidade brasileira: sua raiz africana. A vida da rainha guerreira descortina não só o passado de Angola, mas seu vínculo com a construção do Brasil, que era, então, o longínquo destino dos escravos capturados nas guerras de dominação de Ndongo. Acompanhar esses passos é um convite a fazer uma viagem de volta às origens. O brasileiro, como escreveu José Eduardo Agualusa em ótimo romance sobre Jinga, não deixa de ser a "soma, por certo um tanto extravagante, de todos esses sangues inimigos".
Juliana Diniz é escritora e professora do curso de Direito da UFC
Jinga de Angola, a rainha guerreira da África
Autora: Linda M. Heywood
Editora Todavia
320 páginas
Preço médio: R$75