Na rua Maria Filipa de Oliveira, entre as avenidas Marisa Letícia Lula da Silva e Patrícia Pagu Galvão (Jacarepaguá - Rio de Janeiro), Edmilson Filho comentava: "estômago vazio, oficina do diabo". Ali o ator encarnava o papel de João, em set de filmagens montado no meio da rua, movimentando a vida das pessoas que vivem próximo. Em meio a olhares curiosos, crianças enfileiradas para tentar bisbilhotar um pouquinho e vizinhos atentos, o cearense protagonizava cena gravada em uma noite de sexta-feira, dia 22 de março. Era o set do longa-metragem Não Vamos Pagar Nada, que havia começado a ser filmado três semanas atrás. No elenco principal, além de Edmilson, estão Samantha Schmütz, Flávia Reis, Leandro Soares, Fernando Caruso e Flavio Bauraqui. O filme foi rodado em 21 dias, em estirões que começavam nas quintas e seguiam até as terças-feiras.
Com base em texto de 1974 do escritor, dramaturgo e comediante italiano Dario Fo, esta é a primeira vez em que a obra, originalmente teatral, é adaptada para o cinema, sob a direção de João Fonseca. Nos palcos, contudo, a peça Não vamos pagar foi encenada um sem-número de vezes. O ponto de partida do filme e do texto original é o casal Antônia (Samantha) e João (Edmilson). Ela está desempregada e percebe que seu dinheiro não tem poder de compra algum no mercado, que tudo está ficando mais caro. Nesta situação, ela e outros clientes decidem se rebelar: não vão pagar nada. Na confusão, as pessoas acabam saqueando o mercado, mas Antônia tenta esconder as sacolas do marido - um homem religioso - e da polícia.
As filmagens ocorreram tendo a cidade do Rio de Janeiro como cenário, ocupando cinco locações. Apesar de a comédia ter sido gravada na periferia carioca no ano de 2019, não existe uma temporalidade específica, não existe um local específico onde a obra se contextualiza. O diretor fugiu disto. "O filme é uma comédia, é uma farsa, então, a gente queria que tivesse a realidade, a dureza, mas tivesse um certo romantismo", contou durante intervalo das gravações, em Jacarepaguá. Ele lembra que o conjunto habitacional que rodeia o espaço onde as cenas foram gravadas naquela locação lembraram muito o filme Ladrões de Bicicleta, de Vittorio de Sicca. "Lembrei muito da forma como aquelas pessoas viviam no filme. É um conjunto habitacional de pessoas simples, mas elas têm o básico, é um condomínio legal. E eles têm uma vida difícil, assim como a das personagens", relaciona.
Esta, inclusive, é a estreia de João como diretor de longa-metragem, após mais de 20 anos de carreira no teatro. Em seu repertório estão musicais como Tim Maia, Cazuza, Cássia Eller e Rock in Rio - O Musical, além de obras de Nelson Rodrigues, Chico Buarque, Ariano Suassuna, Bertolt Brecht, entre outros. "Estou tendo de aprender muita coisa muito rápido, mas o cinema era uma coisa que eu sempre amei muito, sempre quis. Jamais pensei que fosse acabar acontecendo, porque o teatro tomou minha vida, de uma maneira muito positiva. É isso que eu sou: diretor de teatro". E o teatro é algo bastante presente na obra, se observamos bem, já que o texto é originalmente uma peça, o diretor tem duas décadas de experiência nos palcos, as cenas são mais compridas, com diálogos mais demorados - apesar de dinâmicos.
"É um filme de ator. A gente tem de segurar muitas cenas dentro de um ambiente pequeno. Metade do filme se passa dentro do apartamento da Antônia e do João", ressaltou Edmilson Filho, entre o ensaio e o início da gravação, enquanto fazia um lanche no camarim. "Quando essa peça foi escrita, ela foi encomendada para contar a vivência da época, em que a Itália passava por uma crise social e econômica. Dario criou esse vilarejo, que era onde a comédia se passava", explica. "A mensagem maior é que as pessoas têm de se unir mais, para reivindicar. No filme, isso acontece por meio de um saque, mas poderia ser por meio de um protesto. Um dos policiais até diz: 'vocês têm protestar'. E é muito isso que a gente está vivendo hoje no Brasil".
Atualmente, Edmilson está em cartaz nos cinemas protagonizando Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral, longa de Halder Gomes. O filme estreou bem na semana em que o ator estava gravando as cenas de seu novo trabalho, no Rio. Morando nos Estado Unidos há mais de 10 anos, Edmilson está no Brasil e vive um bom momento de sua carreira. Em 2019, estreiam ainda A Chance e Os Cabras da Peste e, em junho, começam as filmagens de Bem-Vindo. "Isso é interessante de ressaltar, contando histórias brasileiras. Acho que a gente nunca produziu tanto como estamos produzindo hoje", aposta.
A jornalista viajou a convite da produtora A Fábrica
Por trás das câmeras
As bases de camarim, alimentação e figuração do filme foram montadas no Conjunto Juliano Moreira, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Enquanto a equipe circulava pelos espaços, moradores e vizinhos observavam curiosos às movimentações.
Durante gravação de cena, uma conversa mais exaltada que vinha de um dos apartamentos fez interromper o trabalho dos atores. Edmilson disse que não conseguia se concentrar.
A diretora-assistente Letícia Prisco é uma das vozes ativas que se destacaram nos bastidores, sempre ao lado do diretor João Fonseca. Ela tem em seu portfólio filmes, como Simonal e Que Horas Ela Volta?, sempre como diretora-assistente.