José Zanine Caldas não aprendeu o ofício da arquitetura, do design e do paisagismo em salas de aula. Filho de médico e baiano nascido em Belmonte, optou pela prática como o caminho para atingir a perfeição. O ano de 2019 marca o centenário do modernista, que ganha ocupações em feiras de São Paulo e de Milão. As homenagens buscam aproximação com o legado deixado por Zanine - profissional que transitou em várias áreas e deixou sua marca na história da criação brasileira. A ausência do "diploma" não o impediu de fazer casas, móveis e projetos. Ao longo da carreira, Zanine teve algumas querelas sobre a ausência da formação, sanadas apenas quando o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) concedeu o título de arquiteto honorário.
O cearense Érico Gondim, design de produtos e mobiliário, explica que Zanine conhecia a madeira e seu ínterim - "ele fazia aproveitamento das partes mais grossas, ele fazia aproveitamento sustentável, ele usava de forma completa, por isso é uma referência histórica para nós". Uma das fases mais lembradas do baiano - que morou em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e em muitos outras cidades brasileiras - é a criação feita na fábrica Móveis Artísticos Z. Foi nesse ambiente artístico que Zanine criou mobiliário em larga escala, com preços acessíveis e lançando mão de um recurso até então pouco divulgado ou apreciado: o compensado.
Os compensados que estavam disponíveis no mercado à época, nas décadas de 1970 e 1980, não eram boas opções para a produção de móveis em série - explica Federico Concilio - curador da mostra promovida pela Loja Teo sobre a obra de Zanine. O designer, então, pesquisou e criou uma nova maneira de formar os compensados. "Outros profissionais já usavam, mas não da forma como Zanine. Apesar de não ser um material novo, teve uma nova maneira de utilização a partir do trabalho dele. Vamos dizer que o compensado entra no processo fabril com a Móveis Artísticos", argumenta. A Loja Teo compôs um acervo com peças de Zanine através de buscas em espólios e compras avulsas. As peças, em sua maioria cadeiras, ficaram expostas na SP-Arte - boa parte delas foi comercializada logo nos primeiros dias de evento.
"Ele foi um dos pioneiros de mobiliário moderno no Brasil e um dos poucos brasileiros. O nosso modernismo foi feito por estrangeiros. Zanine veio com uma novidade para o mercado, trazendo as peças em compensado que eram inusitadas para a época. As pessoas usavam madeira maciça. E ele conseguiu dar outra característica para o mobiliário. E tinha uma vantagem grande da popularização do mobiliário moderno, pois ele fez móveis acessíveis. Ele tinha a vontade popularizar o mobiliário moderno. Antes todo mundo meio que usava os moveis de estilo, que eram mais rebuscados e com outra linguagem. Veio o modernismo com a linguagem mais simples, desenhos não tão rebuscados. E o Zanine foi um desses pioneiros", explica Vivian Lobato, sócia e proprietária da Galeria Apartamento 61, empresa que também está expondo peças de Zanine. Mas, além da produção de móveis, o baiano também é reconhecido pela construção de casas, pelas maquetes e pelos projetos de paisagismo. Zanine é múltiplo e variável.
Lissa Carmona, diretora e curadora da Etel, ressalta o caráter de pluralidade na obra de Zanine Caldas. "De músicos a poetas, de designers e arquitetos. Ele conviveu com pessoas de diferentes vertentes". Lissa é responsável por exposições que recontam a história de Zanine em São Paulo e em Milão. "Temos que comemorar, temos que celebrar. Deixar viva essa memória, trazer de volta e contar a história dele como personagem. Nós estamos celebrando tudo que ele foi, tudo que ele fez e toda a importância que teve", aponta Carmona. Inquieto, Zanine, além de ocupar lugar em várias áras, morou em várias cidades. "Ele ficou muito a frente de seu tempo. Não à toa chamamos de revolução Zanine. O revolucionário que ele foi".
Muito mais que um objeto de decoração
Um museu totalmente dedicado às cadeiras brasileiras, sua história e importância para o design. O projeto - que a primeira vez parece ousado - foi colocado em prática na cidade de Belmonte, litoral sul da Bahia, onde o designer José Zanine Caldas nasceu, em 25 de abril de 1919. A iniciativa reúne peças de nomes da criação nacional como os Irmãos Campana, Claudia Moreira Salles, Domingos Totora, Estevão Toledo, Fernando Mendes e Flávio Franco. É o primeiro museu brasileiro que se propõe trabalhar unicamente as cadeiras.
"O objeto “Cadeira” contém uma extensa possibilidade de narrativas de cunho histórico, bem como retrata a evolução cultural registrada em seu aspecto formal e material; a história da cadeira brasileira pelo viés antropológico propõe inspirador diálogo social, cultural, político e econômico nacional. As cadeiras desempenham uma função fundamental no nosso cotidiano. Seus diversos usos as tornam um objeto de intensa relação entre usuário e objeto", explica o material de divulgação disponibilizado pelo museu. A ideia de reunir a coleção e concentrar em apenas um espaço surgiu através da iniciativa do designer Zanini de Zanine - filho de Zanine Caldas. Seguindo os passos do pai, ele se tornou uma referência na criação moveleira - apresentando sempre peças inovadoras e com uso experimental de materiais.
O Museu da Cadeira Brasileira, o MuC, como foi apelidado, tem funcionamento de quarta a domingo. Podem ser realizadas visitações para apreciação e conhecimento do acervo - que foi organizado por Christian Larsen, curador do The Metropolitan Museum of Art de Nova York. O intuito é fazer o espaço se tornar uma referência nacional para profissionais, apreciadores e estudantes de design.