Uma história contada e recontada há mais de dois mil anos. Um enredo já conhecido com um final sem variações. Relembrar todo o sofrimento vivido por Jesus nos últimos dias de sua vida é tradição entre cristãos em vários lugares do mundo durante a Semana Santa. Mas no meio do agreste pernambucano, a Paixão de Cristo ganha proporções monumentais há 52 anos e atraiu, ao longo dessas décadas, um público de cerca de quatro milhões de pessoas. Não à toa. A cidade cenográfica, construída em 1968 especialmente para esta representação - fruto de um sonho também de dimensões monumentais do gaúcho Plínio Pacheco (1926 - 2002) - , investe em ricos detalhes para que seus visitantes se sintam, realmente, na antiga Judeia. A grande muralha, que cerca uma área de 100 mil metros quadrados, o equivalente a um terço da área murada da Jerusalém original, fez o pequeno distrito de Fazenda Nova, no município de Brejo da Madre de Deus, a 180 quilômetros de Recife, aparecer no mapa do Brasil. E o público que comparece ali realmente tem tudo para se sentir na Terra Santa.
O Vida&Arte foi convidado para assistir à estreia da temporada deste ano, na última sexta-feira, 12 - as apresentações seguem até próximo sábado, 20. Da experiência, uma constatação: ao vivo, a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém supera, e muito, a apresentação levada pela Rede Globo às telas da Televisão desde o final da década de 1990. Ali, in loco, conseguimos dimensionar a suntuosidade dos cenários, do capricho dos figurinos, do apuro técnico na execução dos efeitos especiais. No meio disso, um elenco global destacado para os papéis principais, o que não é, necessariamente, determinante para a grandeza do que é apresentado.
Os ingressos variam de R$100 a R$120 (inteira). O espetáculo tem duração de três horas, mas o tempo parece correr num ritmo diferente do relógio comum, não fossem nossos pés a nos lembrar que já estamos há tanto tempo de pé (apenas cadeiras de rodas são disponibilizadas para idosos e pessoas com mobilidade reduzida).
Para ver essa história sendo recontada, vem gente de todo o País, e de fora dele também. Mas é do Nordeste o maior público. Segundo um levantamento feito pela assessoria do evento, 15% do público são atraídos para a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém por motivos religiosos. 70% são mulheres e 50% já viram o espetáculo mais de uma vez.
A pedagoga Ilza Buriti integra essas estatísticas. Evangélica, já esteve ali outras três vezes. "É sempre como se fosse a primeira", garante. "Esse ano, em especial, me emocionei ainda mais", completa.
O representante comercial recifense Alberto Junior se divide entre emoção e orgulho. "Nós, pernambucanos, temos o maior teatro a céu aberto do mundo. Temos que prestigiar", celebra ao lado da esposa, que o acompanha pela terceira vez à apresentação.
Ao fim do espetáculo, com o show de fogos de artifício anunciando o desfecho de mais uma sessão, o sentimento é de que a experiência vale demais à pena. Se não pela crença, certamente pelo valor artístico empregado em cada detalhe pensado portões adentro daquela muralha.
*A jornalista viajou a convite da Secretaria do Turismo de Pernambuco
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No meio da cidade-teatro, uma estátua feita em concreto representa o criador da Paixão de Cristo, Plínio Pacheco, que aparece montado em um cavalo com um megafone na mão. Esta seria a forma como ele acompanhava o espetáculo no início dos tempos. A estátua muda de direção ao longo da encenação, de acordo com o cenário onde o ato está acontecendo.
Desde o fim da década de 1990, atores globais integram o elenco principal. Este ano, além de Juliano Cazarré no papel de Jesus, participam do espetáculo Gabriel Braga Nunes (Pilatos), Ricarto Tozzi (Herodes) e Priscilla Fantin (Maria).
A maior parte da equipe que trabalha na produção, cerca de 600 pessoas, é do próprio município. Eles participam de várias etapas do processo e também atuam como figurantes.
Você dentro da história
E se no lugar de simplesmente assistir à Paixão de Cristo de Nova Jerusalém você pudesse participar do espetáculo? Há pacotes, disponibilizados pela pousada instalada dentro da cidade-teatro, que incluem a participação dos hóspedes como figurantes dos atos. A programação se divide em dois dias. No primeiro, os hóspedes ocupam a plateia. No segundo, já inteirados das cenas, sobem ao palco como figurantes, com direito a certificado de participação especial e crachá para circular entre o elenco principal pelas dependências do hotel também como uma "estrela".
O casal João Paulo e Rejane Borgonovi compartilhava sorrisos depois da "estreia" no maior palco a céu aberto do mundo. Os paulistas vieram convidados por amigos pernambucanos. Para os "novos atores", o dia entrou para a lista dos inesquecíveis. "Superou em 150% as nossas expectativas. Vou começar a distribuir autógrafos", brinca o administrador de empresas, que pagou R$2.600 pela experiência.
A Pousada da Paixão fica aberta o ano todo, com pacotes de fim de semana por R$700 (sexta a domingo), com pensão completa, incluindo jantar temático em um dos cenários do espetáculo.