André Bloc
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Centro de Pesquisa de Langley, em Hampton, Virginia (EUA), 1961. Enquanto a Guerra Fria se acirrava, a corrida espacial surgia como uma frente de batalha. Rússia e Estados Unidos tentavam pôr astronautas em órbita como forma de comprovar a maior eficácia de seus modelos de poder, por assim dizer. Paralelamente, o país símbolo do capitalismo no mundo ainda engatinhava rumo aos direitos civis da população negra.
Dentro desse contexto denso, mesmo dentro da Nasa, surgiram Katherine, Dorothy e Mary, figuras reais, definitivas para o programa espacial norte-americano. E apagadas da história por sua cor e sexo. Estrelas Além do Tempo, de Theodore Melfi, tenta amenizar a injustiça histórica. No longa, baseado no romance biográfico Hidden Figures, de Margot Lee Shetterly, Katherine (Taraji P. Henson), Dorothy (Octavia Spencer) e Mary (Janelle Monáe) trabalham como “computadores” em uma ala do Centro de Pesquisa de Langley – ambiente dominado por homens brancos.
Por mais que na época não houvesse essa carga, hoje, o termo “computador” serve para designar um objeto, o que denota certa “coisificação” das personagens. O mais interessante de Estrelas Além do Tempo é como a introdução conjunta (e hilária) das três protagonistas se desmembra em histórias únicas de imposição de uma minoria. Katherine, matemática brilhante, é convidada para trabalhar ao lado de Al Harrison (Kevin Costner), chefão do grupo de projetos espaciais de Langley. Aliás, não bem ao lado – abaixo, bem abaixo, ajudando a pensar cálculos de trajetórias, janelas de lançamento e caminhos de regresso para os voos do programa espacial. Paralelamente, Dorothy, que galgava uma promoção a supervisora, não se intimida com a competição de um novo computador IBM e tenta investir em sua formação. Já Mary tem o talento como engenheira reconhecido, mas para ser uma profissional de fato precisaria fazer um curso em uma escola exclusiva para homens – brancos, claro.
Diante de tantas subtramas, Estrelas Além do Tempo podia se perder ao tentar conectar tantos pontos. Felizmente, desvia disso tudo. A subtrama de Dorothy vez por outra cai no novelesco, mas como um todo, o longa investe em humor e drama social de forma tranquila e equilibrada. Diante do tecido histórico presente ali, é admirável a capacidade do roteiro de fazer rir, seja no pastelão, seja na ironia.
O mais importante nas três histórias é que Katherine, Dorothy e Mary nunca deixam de protagonizar suas histórias. Não há condescendência dos chefes; há reconhecimento dos méritos. A união entre as três, bem como as outras mulheres negras do longa, é a grande demonstração de força da história. Há, claro, excessos. A trilha musical, em especial, parece por vezes fora do tom. Há também um ufanismo norte-americano recorrente.
Adaptação importante e, melhor que isso, boa, Estrelas Além do Tempo não faz justiça às suas três protagonistas. Mas não por falta de méritos do filme. Quem podia ter feito justiça às três era a sociedade norte-americana da época, que preferiu ignorar o papel fundamental de três mulheres negras para que um homem chegasse ao espaço dentro de uma lata metálica cheia de explosivos. O longa de Theodore Melfi, no entanto, ajuda a trazer uma espécie de justiça histórica. Uma compensação poética a quem merecia láureas enquanto realizava seus feitos.