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Existe um antigo clichê cinéfilo que aponta o gênio francês François Truffaut (1932–1984) como o autor da frase “é impossível fazer um filme anti-guerra”. O mestre da Nouvelle Vague parece nunca ter dito isto, mas, apesar dos estímulos óbvios, se recusava a fazer um longa sobre a colonização francesa da Argélia porque “filmar é enobrecer algo”. Paralelamente, dezenas de filmes humanitários e supostamente anti-belicistas surgiram nas últimas décadas, como Apocalipse Now (1979), Platoon (1986), Além da Linha Vermelha (1998) e Valsa Com Bashir (2006), que exemplificam quase quatro décadas disso. Todos são anti-belicistas, mas quando um clássico critica a guerra, ele está mostrando um ponto de vista.
Até o Último Homem, novo longa de guerra de Mel Gibson, se propõe ir além. É uma obra que se pavoneia como humanitária. Mas demonstra o mesmo desprezo pela diferença, nacionalismo desmedido e tara sexual pela violência que marcam toda sua filmografia. Com sua visão política enviesada, então, Gibson acaba construindo uma história humanista para os norte-americanos e abertamente fascista para quem não se entrega aos sentimentos impostos.
A obra se divide em três cenários. Lynchburg, cidade no interior da Virgínia (EUA) onde o jovem Desmond Doss (Andrew Garfield) sonha em proteger as pessoas e se tornar médico. Em seguida, o filme se move para o campo de treinamento do exército, enquanto Doss tenta manter seus princípios de não-violência enquanto se prepara para ir para o front oriental da Segunda Guerra. O terceiro terreno é a sangrenta batalha de Okinawa, no Japão. Impelido a defender os EUA, Doss se alista e vai para Okinawa, mas se mantém fixo na promessa de que nunca encostaria em uma arma de fogo.
Cada um desses trechos funcionam para, a seu modo, amaciar o espectador para engrandecer Doss, uma figura real e de trajetória inacreditável. Há ali a vida pacata, um amor, uma mãe amorosa, um pai traumatizado. Depois há a falta de compreensão, o idealismo patriótico do jovem, a defesa da religiosidade, a resistência e integridade. Doss é, em suma, irrepreensível mesmo dentro de um campo de guerra.
O paradoxo é que Gibson consegue a proeza de exaltar a guerra em um filme protagonizado por um pacifista. Não há um tom farsesco nisso. Há exposição excessiva de tudo. A não ser dos japoneses, que nem nome têm. O filme se apresenta como a redenção de Gibson, persona non grata de Hollywood pelos absurdos da vida pessoal. Só que os vícios de um homem e os vícios de sua arte se confundem no caráter.
E o único filme de guerra humanitário, anti-belicista e que me convence como 100% anti-guerra até hoje segue sendo Túmulo dos Vagalumes (1988), do japonês Isao Takahata.
Por André Bloc