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Caetano, Ednardo, Belchior. Precisamos todos rejuvenescer
Vida & Arte

Caetano, Ednardo, Belchior. Precisamos todos rejuvenescer

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Foram muitas as manifestações que citaram Belchior e sua obra desde o domingo, 30, quando foi anunciada a morte do compositor cearense. Inúmeras publicações em redes sociais, textos jornalísticos, depoimentos pessoais e algumas poucas críticas negativas davam conta de abarcar a personalidade de um homem que fez sucesso e se afastou dele por opção própria (até onde se sabe).

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Dentre as muitas manifestações, uma que chamou bastante atenção veio de Caetano Veloso. Publicado no jornal O Estado com o título “Canções de Belchior não são das que morrem”, o artigo busca destacar as relações estéticas entre o Tropicalismo e o Pessoal do Ceará, e as discussões que geraram no correr dos anos. Nas entrelinhas, há também uma intenção de discutir se este veio daquele ou vice-versa.


Surgido no âmbito dos festivais de música, o movimento organizado baiano teria sido confrontado pelo grupo fortalezense que nunca, de fato, foi um movimento organizado. Melhor dizer que o Pessoal do Ceará foi uma movimentação de jovens compositores que queriam mostrar que o Nordeste era bem maior e mais plural que a Bahia.


O artigo de Caetano gerou uma resposta que merece nota. Ednardo, nome que mais abraçou o termo “Pessoal do Ceará”, publicou a réplica em seu perfil do Facebook, seguindo o mesmo tom de ironia cordial adotado pelo baiano. “Sempre me mantive longe de discussões estéreis com qualquer artista brasileiro, de qualquer grupo e os tropicalistas sabem disto”, afirma o cearense antes de lavar as mão quanto aos confrontos mais claros e agressivos de seus pares Belchior e Fagner.

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O mais surpreendente no texto de Caetano é que ele soa como resposta ao que Belchior critica em Apenas um Rapaz Latino-Americano, de 1976. “Mas trago, de cabeça, uma canção do rádio em que um antigo compositor baiano me dizia ‘tudo é divino, tudo é maravilhoso’”. Chamar Caetano de “antigo”, antes de afirmar que nada seria divino ou maravilhoso, é uma expressão clara de que Belchior queria romper com uma estrutura, propor um novo momento para a música brasileira e/ou demonstrar sua oposição ao que estava estabelecido em termos de estética.


Como não se tratava de um grupo organizado, bem delimitado por um disco-manifesto, é preciso ver o Pessoal do Ceará enquanto coletivo, mas principalmente como indivíduos com ideias que foram se distanciando cada vez mais ao longo do tempo. E, dentre eles, foi Belchior o que mais trouxe para si o papel de citar, valorizar e questionar a MPB estabelecida desde os festivais. Josely Teixeira Carlos, doutora em Letras com uma análise sobre a construção do discurso na obra de Belchior, elenca as muitas citações contidas em canções como Paralelas, Bossa em Palavrões e Mote e Glosa (nesta, Belchior repete 32 vezes que “é o novo”). A pesquisadora também segue com as respostas que o cearense recebeu, como a que Raul Seixas mandou em Eu Também vou Reclamar.


Quando se acredita que é possível fazer arte com um objetivo maior do que ganhar dinheiro ou angariar likes, discuti-la sob o ponto de vista das ideias é algo que dá muito pano para a manga. Sem mágoas guardadas, Belchior até veio a gravar canções de Caetano (O Nome da Cidade), Raul Seixas (Ouro de Tolo) e Chico Buarque (Almanaque), outro dos seus alvos. Que pena que o baiano demorou tanto para dar sua resposta. Se bem que o silêncio de tantos anos também pode ser interpretado como uma resposta. Ou não.

 

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