Daniel Galera está entre os nomes mais importantes da literatura nacional contemporânea. Autor de cinco romances, um livro de contos e uma história em quadrinhos, o paulistano radicado em Porto Alegre destaca-se por criar narrativas majoritariamente urbanas que retratam os dilemas da geração atual. Seus livros trazem personagens jovens em busca da própria identidade, que lidam com conflitos e dilemas morais.
O autor iniciou a carreira escrevendo em publicações online até abrir a editora independente Livros do Mal, por meio da qual publicou seus dois primeiros livros. Atualmente o autor lança seus livros pela editora Companhia das Letras. Teve duas de suas obras adaptadas ao cinema e em 2013 recebeu o Prêmio São Paulo de Literatura por seu Barba Ensopada de Sangue. Sua última obra, Meia Noite e Vinte, foi lançada em 2016 pela Companhia das Letras, e traz uma narrativa feita em diversas vozes, uma novidade na literatura do escritor.
[QUOTE1]Na entrevista a seguir, Galera comenta o cenário da literatura brasileira, fala da transição entre publicar por uma editora independente e agora fazer parte do time de autores do maior grupo editorial do País, das adaptações dos seus livros pro cinema e de autoficção - a grande aposta dos escritores atualmente.
O POVO - Nos últimos anos houve uma ampla discussão no mercado literário sobre o volume dos livros. As editoras publicaram livros com muitas páginas e questionou-se se havia leitores para eles. Nessa onda dos “livrões” você lançou o Barba Ensopada de Sangue, um calhamaço de mais de 400 páginas, que teve boas vendas e boa crítica. Logo após lançou o Meia Noite e Vinte, voltando aos livros pequenos, de 200 páginas. Por quê?
DANIEL GALERA - O livro se delineia conforme você vai trabalhando nele. Meia Noite e Vinte, quando comecei a trabalhar nele, eu de fato pensei que fosse ser um livro mais longo. Mas no processo de escrita ele foi se tornando uma outra coisa, acabou sendo uma história mais curta, narrada em fragmentos. O Barba conta a vida de um personagem por nove meses praticamente todos os dias. O Meia Noite não, trata de vários personagens em diversos tempos, percorre quase duas décadas de história e pega momentos específicos da vida dos personagens. Nele eu trabalho em flashbacks, trago lembranças no passado. Nesse ponto ele é bem diferente do Barba. Enquanto um é descritivo, traz um tempo linear, e por isso é mais longo em páginas, o outro já tem uma narrativa mais breve porque tem outro contexto narrativo. Não me preocupei com o tamanho do livro em nenhum dos dois, meu objetivo era contar uma história da melhor forma.OP - No Barba também o foco não está apenas no personagem, mas no cenário e no tempo-espaço. Já no Meia Noite seu foco foi trazer mais o caráter dos personagens do que no cenário da narrativa?
DG - O Barba é mais descritivo porque trouxe muito forte o cenário. Quis trabalhar bem a cidade de Garopaba, o que tinha em volta do personagem principal. Ali o cenário era muito importante pra história. Eu quis descrever em minúcias o ambiente porque achava que isso fazia parte da trajetória do personagem. Ele próprio estava experimentando aquele lugar, descobrindo, e tinha toda a relação dele com o mar com a comunidade local, com a natureza. Tudo é parte da história que quis contar. Então ali é uma narrativa diferente. Já no Meia Noite trago personagens urbanos, que passaram a vida toda em Porto Alegre, e essa necessidade de descrever minuciosamente todos os elementos do cenário já não fazia parte desse livro. Por outro lado faço descrições minuciosas de outras coisas. A relação dos personagens com o vídeo, com as novas tecnologias. Narro muitas cenas de relações pessoais, de sexo, pornografia online, tudo isso eu também descrevo à exaustão. Essas cenas ganham peso descritivo grande, mas a rigor, com relação à descrição, são livros essencialmente diferentes.OP - Você começou a carreira publicando em revistas eletrônicas e blogs; até hoje é possível achar Dentes Guardados, seu primeiro livro de contos, em PDF para baixar na internet. Além disso você é bem ativo nas redes sociais e por meio delas mantém contato com os leitores. Você se definiria como um “escritor da internet”?
DG - Essa relação com a internet me ajuda no meu trabalho. Mas não diria que o escritor tem uma relação com a internet mais especial do que qualquer outro profissional que use a rede. Acho que todo profissional e pessoa teve sua vida transformada pela internet. Eu não sou uma exceção. E claro que nosso trabalho muda um pouco, principalmente nessa relação com os leitores, com as reações aos nossos livros. Mas isso vale pra todo mundo. Eu não diria que sou um “escritor da internet”. Ela é uma parte muito importante do meu dia, e é inevitável que eu faça parte dela.OP - Você lida mais com os leitores em razão da internet. Chegam mais críticas por meio dela? Como lida com os haters?
DG - Existe a crítica profissional, a crítica dos grandes veículos, e em relação a essa eu acho que a internet fez com que ela diminuisse consideravelmente. E existe a crítica online, informal, a opinião dos leitores, as resenhas publicadas em blogs, em sites de livros e redes sociais. Isso, de fato, é uma novidade, mas ao mesmo tempo minha carreira já começou com isso, eu não sei como era antes. Eu não fui escritor numa época em que não havia o retorno do leitor pela internet e não sei nem comparar como é escrever algo e não ter quase que imediatamente um retorno.