Nas redes sociais, uma das reações mais comuns a um dos trailers do filme de terror brasileiro O Rastro, que estreia hoje, é aquela que elogia a iniciativa de “finalmente” se fazer um filme do gênero na cinematografia nacional. Sabendo que não é (e não tendo a intenção de ser) pioneiro – “imagina!” -, o diretor J.C. Feyer admite em entrevista ao O POVO, no entanto, que espera que o trabalho funcione como incentivo tanto para diretores quanto para espectadores brasileiros se permitirem ao terror nacional, que não tem histórico comercial favorável no País. “É uma aposta. A gente acredita que possa ser uma injeção de ânimo para as pessoas se aventurarem por outros gêneros. É possível”, defende o diretor.
A história de O Rastro segue um médico carioca (interpretado pelo ator Rafael Cardoso) escalado para supervisionar a transferência de pacientes de um hospital público que está prestes a fechar por falta de verba; nesse processo, uma paciente de dez anos desaparece. Apesar dos comentários nas redes sociais, o terror feito no Brasil não é uma novidade – em 1964, José Mojica Marins, o Zé do Caixão, dirigiu o longa À Meia-Noite Levarei Sua Alma, considerado um dos principais filmes da cinematografia nacional. Mais recentemente, a produção brasileira que circula em circuitos exibidores alternativos e em festivais vem intensificando o uso de recursos do gênero, com exemplos que vão de Mate-me Por Favor (2015), de Anita Rocha da Silveira, ao cearense A Misteriosa Morte de Pérola, de Guto Parente.
[QUOTE1]Professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará, Diego Hoefel explica que esse “movimento” é fruto de diferentes momentos do cinema autoral. “Na primeira década dos anos 2000, tempo de passagem do analógico para o digital, houve um momento de radicalização e distanciamento das formas e códigos do cinema clássico. Isso em parte se dava por uma demarcação de posição de um cinema arthouse em relação a um cinema de indústria”, ensina. “De uns anos para cá, vêm surgindo propostas de reinvenção e torção dos procedimentos do cinema de gênero, que possibilitam que o cinema autoral possa repensar os formatos de gênero já estabelecidos pelo cinema industrial”, completa.
Além do gosto pessoal pelo terror, J.C. Feyer aponta que um estudo do mercado mundial também foi determinante para a realização do filme. “Eu e meus produtores identificamos que o filme de gênero transformou alguns mercados, como o coreano. Juntamos uma vontade minha com uma grande pesquisa mercadológica e acreditamos que é possível fazer um bom filme que dê bilheteria”, aposta. No entanto, o cineasta sabe dos entraves para chegar ao público. “A média de público de um filme de terror internacional aqui é de 750 mil pagantes. A média de um filme brasileiro desse estilo não dá 12 mil”, afirma. “Os filmes de terror mais recentes são de muita qualidade, com roteiros bons. Quem pode mudar o panorama é o exibidor. Ele tem, por exemplo, Mate-me Por Favor em cartaz, mas na semana seguinte chega Os Vingadores e ele tira o nacional”, ilustra. “É uma indústria que não valoriza o próprio cinema e as pessoas acabam não sendo atingidas pelos projetos”, opina. O Rastro está estreando com 350 cópias em todo o País.
Outras possíveis causas para esse panorama são arriscadas por Diego. “É difícil apontar motivos, pois qualquer resposta soaria como uma elucubração. Talvez seja por certa desconfiança frente ao nosso cinema (algo triste, mas bastante comum). Ao mesmo tempo, há poucos diretores se aventurando no terror e o público também aposta pouco nesse tipo de filme quando decide ao que assistir no cinema”, elabora. Apesar dos desafios, J.C. crê no potencial do longa. “Acredito que O Rastro pode ir bem. Espero que ele sirva de incentivo para que se vá atrás de um cinema autoral, porém comercial e diversificado”, torce.