Com nome inspirado no icônico álbum Racional, do cantor Tim Maia, os então jovens Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay fundaram, em 1988, o Racionais MCs – grupo firmado até hoje como o mais importante do rap nacional. De lá para cá, o gênero musical passou por mudanças bruscas de perfil dentro do contexto da música brasileira. Se o grupo paulista foi colocado, no início de carreira, como um som à margem do mercado, hoje os grandes nomes do rap no País estão incluídos no meio da MPB e são sucesso entre os mais diferentes públicos. O Vida&Arte reuniu especialista e rappers para questionar: como o rap nacional tem se transformado?
“Os Racionais nem queriam e nem se preocupavam com essa inclusão pela tradição da MPB. Já nomes como Criolo e Emicida querem e conseguem”, avalia Ricardo Teperman, antropólogo e músico com pesquisa de doutorado sobre batalhas de MCs. Autor do livro Se liga no som: as transformações do rap no Brasil (ed. Claro Enigma), Ricardo conta que o grupo liderado por Mano Brown se firmou como um fenômeno nos anos 1990 justamente por correr por fora. “Pela força e pelo talento, eles foram rapidamente reconhecidos. E mais notável: sem contar com os canais hegemônicos de divulgação do mercado e da mídia. Eles construíram uma carreira nacional sem depender desses canais”.
Para o especialista, a mudança do perfil de quem faz e consome o gênero mudou principalmente com a ascensão da classe média e o consequente aumento dos bens de consumo nas periferias. “O acesso à tecnologia mudou tudo. Nos anos 1990, o jovem tinha que ter acesso a LPs que chegassem dos Estados Unidos. Hoje é muito diferente, inclusive para gravar. As formas de produzir de maneira independente foram crescendo e mudando o mercado da música”, avalia.
“A geração mais antiga construiu uma base para que esses rappers atuais pudessem partir de pontos diferentes. Os Racionais prepararam o público para a chegada de um Emicida”, aponta Pedro Fávero, documentarista. Diretor de O Rap Pelo Rap (2015), ele aponta que a maior aceitação que o gênero musical conseguiu na grande massa tem muito a ver com fusão dele com outros ritmos. “Essa mistura de estilo só tem a contribuir. Mas, por mais que agora o rap tenha presença maior na música, sempre acompanhado de um violão ou outros instrumentos, e com temas não tão pesados, o preconceito ainda existe”, contrapõe.
Para ele, a resistência de alguns públicos ao gênero se mantém porque o rap segue sendo uma expressão de minorias. “Acredito que o rap é como se fosse o jornal da periferia. Sua origem é a da luta racial do povo negro contra a desigualdade social. Vem da vontade de falar sobre o que a gente não vê na grande mídia, porque se o artista estiver conformado com a situação, ele vai para outros estilos e não para o rap”. Para o pesquisador, hoje o gênero é produzido em várias frentes, não só nas periferias, mas segue mantendo essa vontade de mudança do status quo.
“De uns dez anos para cá, a periferia teve acesso a muitas coisas que antes não tinha. Eu pude ter um aparelho de som e comprar os CDs. Eu atribuo a esse acesso o avanço do número de rappers”, confirma o cearense Felipe Rima. Para o rapper, que está em fase de produção do seu primeiro álbum completo, o ganho de espaços trouxe novas questões para dentro do estilo. “O rap tem seus próprios conflitos ideológicos. Até pelo discurso de ‘não poder ir à mídia’ que criou uma alienação dentro do próprio rap”, aponta, celebrando os artistas que estão tendo a “coragem” de ocupar esses espaços hegemônicos, como a TV.
MUDANÇA FEMININA
Para Treta MC, do Conjunto Santa Terezinha, no Vicente Pinzon, a transformação do gênero musical se dá pela diversidade. “O rap é lugar de qualquer um. Da mulher, do homem, da criança, do idoso, do adolescente. É de todos nós”, aponta ela, que já tem na bagagem o álbum Liberdade de pensamento (2014). Apesar da conquista de espaços, ela aponta ainda haver muitas dificuldades. “Se o rap está vivendo um bom momento no Brasil, aqui no Nordeste não. Eu passei, nas minhas viagens, por Sergipe e Pernambuco e vi que é igual aqui no Ceará. A galera passa bastante sufoco para gravar um som. Os estúdios ainda são bastante humildes”, critica.
Apesar de apontar um participação feminina ainda tímida no meio, ela diz que o estilo não é um ambiente machista. “Quando eu entrei no rap há dez anos, fui muito bem recebida. Sou muito respeitada. Nunca me senti diminuída de alguma maneira”, conta. Além disso, ela celebra que aqui em Fortaleza, novos espaços culturais têm sido conquistados. “Estamos chegando por algumas brechas, o (Centro) Dragão do Mar, por exemplo, tem aberto portas, mas tem que melhorar. Existe casas de forró, existe de reggae. Falta o espaço só do rap”, aponta.