A negação dos direitos e da representatividade de pessoas transgêneras ainda é viva e cruel em 2017. É o que lamenta Thina Rodrigues, presidente da Associação de Travestis do Ceará (Atrac). Para ela, porém, essa repressão não significa silenciamento. Ao contrário, a reação está cada vez maior. E agora, com o lançamento do livro Travestis: Carne, tinta e papel, a transfobia sofre um novo golpe. “É muito importante resgatar essa história de glamour e sofrimento. É bom saber que tem gente preocupada em contar essa história esquecida da gente”, comemora a militante, uma das perfiladas na publicação. Jogando luz sobre a história de travestis que se destacaram em Fortaleza na década de 1980, a obra do historiador Elias Veras vai ser lançada amanhã, 23, no Cineteatro São Luiz, às 18 horas.
[SAIBAMAIS]“Eu fico preocupada, com medo do legado das travestis acabar. Estão usando um discurso higienizador de que todo mundo tem que ser visto como trans, como se a pessoa se identificar como travesti fosse menor”, conta, explicando que a briga — ou “o atraque”, como chama — é pela aceitação da palavra. Na prática, esclarece Thina, as duas denominações (trans e travesti) falam sobre identidade de gênero feminina e são muito semelhantes. O problema, ela aponta, é a estigmatização da expressão “travesti”, ainda associada à marginalidade.
Thina tem 56 anos, começou a se apresentar na noite como transformista aos 22 e, aos 25, passou a realizar modificações corporais. Da década de 1980 para cá, ela vê avanços, mas diz que as conquistas ainda são tímidas. “Falta uma lei de respeito. Tem muita resolução e portaria, mas falta uma lei. Com essa bancada evangélica (no Congresso Nacional) está ainda mais difícil”, lamenta. Para ela, o “básico”, que é o respeito ao nome social, ainda suscita discussões. “Muitas meninas deixam o ambiente escolar, porque os professores e diretores não querem chamar ela pelo nome que ela deseja”, critica.
Publicação
Travestis: Carne, tinta e papel nasceu da tese de doutorado de Elias Veras, desenvolvida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A pesquisa destaca pessoas que se tornaram pioneiras do movimento trans na Capital, e inclui o perfil de Thina Rodrigues, Rogéria Chacrete e Bianca. Costurando as memórias das três, o material traz à tona pesquisa das mídias impressas, que mostram como as travestis começaram a ser retratadas em jornais e revistas há 30 anos. O livro revela estigmas, preconceitos e violências, lutas que ainda seguem presentes entre essa população.
“A ideia da pesquisa surgiu de uma inquietação a partir do questionamento: ‘Por que as travestis são tão estigmatizadas até hoje e seguem sendo associadas à criminalidade?’”, explica Elias. Ele iniciou uma busca de documentos que dessem conta das primeiras aparições dessas pessoas nas publicações que circulavam em Fortaleza. “Fui percebendo que a imagem delas foi se construindo a partir de uma série de representações. Elas só apareciam nas páginas policiais ou então em especiais de Carnaval, como uma coisa glamourosa”, diz.
Apesar de ponderar que as populações trans ainda têm muitos direitos negados, Elias identifica progressos. “A travesti agora é colocada como protagonista da própria história. Na década de 1980, elas não apareciam na mídia com direito à fala. Hoje, apesar dos programas policias ainda tentarem ridicularizá-las, teve uma transformação e a representação da travesti é mais plural”, comemora.
SERVIÇO
Lançamento Travesti: carne, tinta e papel
Quando: amanhã, 23, às 18 horasOnde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 - Centro)
Entrada franca ( O livro será vendido por R$ 45)