Atualmente aguardado apreciação do Senado Federal, um projeto de lei de autoria do deputado federal Tiririca (PR-SP), aprovado em caráter conclusivo na Câmara, inclui explicitamente as artes e as atividades circenses como modalidades artísticas que podem ser beneficiadas pelos mecanismos de incentivo fiscal estabelecidos na Lei Rouanet. Desde 1991, ano de criação da lei, a arte do picadeiro está incluída no guarda-chuva das artes cênicas, mas, na disputa por incentivo com espetáculos de teatro, dança e ópera, o circo acabava ficando com possibilidades de captação reduzidas. O Vida&Arte repercute hoje com a classe artística os impactos que a mudança pode trazer.
[QUOTE1]“Essa entrada mais efetiva na Lei é importante, porque pode abrir portas fechadas de patrocínios. É realmente uma dívida (do poder público) com o circo, essa cultura milenar. Eu me pergunto por que a gente foi deixado de lado por tanto tempo”, avalia o mágico cearense Jeffy, apontando ser preciso tirar essa ideia de conformidade do “senso comum” de que o “circo não é valorizado e pronto”. Segundo o artista, muitos trabalhos circenses, para conseguir sair do papel, precisam passar por adaptações para serem aceitos em editais e outras formas de incentivo. “Muitos trabalhos têm que ser classificados como teatro e circo para que consigam entrar numa lógica de mercado”, aponta.
Sâmia Bittencourt, palhaça e diretora da Companhia Circo Lúdico Experimental (CLE), porém, destaca que essa associação com outras linguagens artísticas historicamente acabou provocando o apagamento das artes circenses. “Muitos artistas se inscrevem (na Lei Rouanet) como teatro e dança, mas ficam de fora porque cada linguagem já tem as suas demandas. Essa mudança na Lei vai abrir possibilidades” pondera. Ela explica que o CLE acaba se inscrevendo também em editais que não incluem o circo, até como forma de resistência. “É preciso que entendam que essa linguagem é viva. Dentro e fora da lona, tem muita gente trabalhando com técnica circense”, afirma.
Produtor cultural da Associação dos Proprietários, Artistas e Escolas de Circo do Ceará (Apaece), Leandro Guimarães é mais cauteloso. “O Estado precisa fazer um processo de sensibilização junto às empresas, porque é muito mais atrativo para elas aliar suas marcas a quem está na grande mídia”, aponta, destacando que a alteração na Lei precisa vir acompanhada de debate sobre quais projetos serão apoiados. Ele conta que, desde 2006, a Apaece aprova projetos pela Rouanet, mas só conseguiram captar “duas vezes num universo de 40 projetos”. “O que pode mudar agora com essa instrução normativa na Lei é garantir que o circo, enquanto linguagem mais frágil e com menor envergadura, tenha assegurado um percentual”, reflete.
Leandro aponta também que as grandes multinacionais, maiores apoiadoras via Lei Rouanet, não têm sede no Nordeste e no Norte, regiões onde a cultura da lona de bairro ainda é presente. “A Lei atende a uma lógica de mercado, por isso fica tão presa no eixo Rio-São Paulo e não inclui tanto a cultura tradicional popular. A renúncia de imposto é feita com dinheiro público. Sou muito mais a favor de que fosse passado do Estado para o Fundo Nacional de Cultura”, contrapõe, apontando, que o com o Fundo, essa distribuição seria feita por órgãos estatais.
Com o atual funcionamento, as empresas escolhem, entre os projetos contemplados, em qual quer investir.
Sâmia ressalta ainda que são muitas as resistências em relação ao circo. “Tem muito o discurso de que o circo é uma iniciativa privada e, se tem dono, por que o governo tem que apoiar? Mas essa lógica esquece que o circo é um bem cultural super democrático e acaba levando para as periferias, além das técnicas circenses, o teatro, a dança, a música. A lona agrega várias artes”, finaliza. O texto do projeto de lei ainda não tem data para ser apreciado pelo Senado. Se aprovado, ele segue para sanção presidencial.