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Filme baseado na biografia de Bozo é surpreendentemente profundo
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Filme baseado na biografia de Bozo é surpreendentemente profundo

Inspirado na biografia do palhaço Bozo, filme de Daniel Rezende foge dos clichês e cria drama emocionante, criativo e surpreendentemente profundo
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“Tem gente que nasceu para ser formiga. Tem gente que nasceu para ser cigarra. Nós nascemos para ser mariposas: adoramos a luz”. Marta Mendes (Ana Lúcia Torre) não é só mãe de Augusto (Vladimir Brichta). Ela é ex-estrela das novelas, jurada de programas, uma diva – ainda que relegada ao esquecimento. Assim como a mãe, o filho quer provar que é mais do que julgam. A história do ator de pornochanchadas que virou o mais famoso palhaço da TV brasileira nos anos 1980 é mais do que o clichê do drama do palhaço trágico. Bingo: O Rei das Manhãs, de Daniel Rezende, é uma biografia precisa, criativa e emocionante onde tudo é bem mais do que parece ser.


Da primeira a última cena, Augusto se põe no holofote. Na sequência inicial, no set de filmagem de uma pornochanchada, o ator distrai o filho de 10 anos, Gabriel (o ótimo Cauã Martins), ao criar uma história com sombras contra a luz. Da amizade com o filho, Bingo corta para a frustrada tentativa de Augusto de conquistar um papel sério em novelas da TV Mundial, chefiada pela mão de ferro de Armando (Pedro Bial). Após a frustração, o ator resolve se arriscar em um teste de elenco para interpretar o palhaço internacional Bingo em uma rede rival. Depois de um hilário teste de elenco, Augusto luta, conquista o sucesso e acaba entrando em uma espiral de drogas, sexo e desejo por reconhecimento.

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Para quem achou a trama familiar, trata-se da trajetória de Arlindo Barreto, segundo intérprete do palhaço Bozo no Brasil (no filme, ele é o primeiro). Marta Mendes era Márcia de Windsor (1933-1982), a Rede Mundial é a TV Globo e Armando é inspirado no ex-chefão do canal, Boni. A única personagem a manter o nome na história é Gretchen (Emanuelle Araújo), frequente atração do programa infantil e ex-amante de Augusto/Arlindo.


Mais importante que apontar nomes, no entanto, é discutir a forma como a história de Augusto se desenrola. O roteiro de Luiz Bolognesi trabalha em volta de dois conceitos concorrentes, família e reconhecimento. Para isso, Daniel Rezende traz a metáfora visual do holofote. Pode ser um facho de luz de uma lanterna, uma câmera acesa ou um palco, mas o fato é que a família Mendes é atraída a isso, como numa maldição. Em sua estreia como diretor, o montador consegue se desprender da história real para construir uma trama bastante imagética. De quebra, Bolognesi e Rezende criaram uma metáfora visual que consegue fazer com que a conclusão da trama seja, simultaneamente, satisfatória para os menos moralistas e historicamente precisa para os de moral mais ilibada.


A chave de Bingo, no entanto, é Vladimir Brichta. Tão comumente menosprezado, tanto pela beleza quanto por surgir comparado aos amigos Wagner Moura e Lázaro Ramos, Brichta aproveita a chance de impor um timing de humor preciso a um personagem trágico. Com isso, o filme acaba tendo os dois primeiros atos bem redondos e divertidos, antes de dobrar para um ato final mais pesado e corrido. Some-se a isso ainda uma fotografia e design de produção capazes de nos transportar diretamente para a disputa televisiva brasileira dos anos 1980 e Bingo vira uma experiência de entretenimento e saudosismo que vai além do drama humano.


Bingo é, em muitos planos, um filme sobre busca por reconhecimento. E, talvez, seja o caso de nos dobrarmos ao talento de Daniel Rezende, na estreia como diretor, e de Vladimir Brichta. É também um filme sobre a TV brasileira dos anos 1980; ou seja, remonta alguns dos momentos mais baixos e geniais da nossa trajetória de entretenimento. É retrato de uma época em que o mundo passava a entender algo que já sabemos há séculos: “O Brasil não é para amadores” (ou “Brazil is not for begginers”, como diria Bingo).

 

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