Uma Charlize Theron em plena forma atirando nos olhos de vários homens. Uma Berlim às vésperas da queda do muro, em 1989, e com agentes soviéticos, britânicos e norte-americanos em um nível de tensão altíssima. James McAvoy como um personagem quase tão dúbio quanto o que interpretara em Fragmentado (2016). E tudo isso com uma trilha musical tirada diretamente das paradas de sucesso do fim da década de 1980. A receita de sucesso parece equilibrada, mas, em um olhar atento, Atômica, de David Leicht, aposta mais em estilo do que em conteúdo.
Com roteiro baseado no romance gráfico escrito por Antony Johnston e ilustrado por Sam Hart, Atômica traz Charlize Theron, a Imperatriz Furiosa em pessoa, como Lorraine Broughton, agente britânica na Berlim pré-queda do muro. Após a morte de um companheiro do MI6, a agência secreta inglesa, em solo alemão, ela precisa encontrar o assassino e recuperar uma lista ultrassecreta de agentes duplos. Para isso, conta com o apoio do “primitivo” James McAvoy, que há 10 anos lidera o QG britânico na capital dividida da Alemanha. A dupla de uma espiã pragmática com um outro de moral ambígua é o centro de uma trama que prefere confundir para parecer mais densa do que de fato é.
[QUOTE1]Apesar de ser fincada em um contexto político dos mais ricos, Atômica substitui negociação por ação. Em dois tempos, qualquer cena pode virar uma pancadaria bem coreografada. No início, David Leicht tenta cortes rápidos para imprimir velocidade às sequências, deixando tudo mais confuso. Aos poucos, o codiretor do ótimo De Volta ao Jogo começa a estender as cenas e diminuir os cortes, até um plano-sequência emocionante em que Charlize Theron enfrenta quase uma dezena de agentes russos. O problema é que o plano-sequência é falso e os cortes bem mal escondidos em closes mal utilizados. É como se a câmera se aproximasse para esconder os problemas, algo que a direção de Leicht tenta em vários níveis.
A começar pela protagonista, Atômica é muito mais casca que substância. Existe um mérito de uma heroína de ação mulher, mas quando a personagem tem características gerais de “action heroes” e nada que a diferencie dos valentões tradicionais, esse mérito se esvai. Para além disso, o filme parece querer explorar a sexualidade de Charlize Theron, que aparece nua logo em sua primeira sequência.
As credenciais de Leicht como diretor de dublês e codiretor de um dos grandes filmes de ação recentes ajuda, mas o problema de Atômica é que ele não se propõe vazio e simples como De Volta ao Jogo. Dessa vez, a trama é mais complexa, com um jogo de traições envolvendo duas ou mais nações. Acaba que, na prática, o longa vai pouco além do jogo de gato-e-rato e usa meios pouco sutis de segurar a expectativa para viradas na trama (plot twist). Assim, os personagens principais sempre sabem exatamente o que se passa na trama, mas o público fica no escuro, sendo deliberadamente impedido de ouvir frases que desvendariam os mistérios dos agentes. É pouco sutil, como quase tudo em Atômica.
Algo que não se pode negar, no entanto, é o charme visual da trama. Um retrato de uma época que parece tanto distante quanto recente, a Alemanha do fim da Guerra Fria tem aquele colorido por cima do cinza que marca Berlim até hoje. Atômica brinca com o jogo de cores, puxando para o saturado da arte urbana tanto na fotografia quanto na direção de arte. A trilha musical parece sempre muito óbvia – jovens alemães ouvindo 99 Luftballons, da banda Nena, em plena Berlim dividida -, mas o saudosismo ajuda a equilibrar o excesso. Com isso, Atômica acaba sendo um bom entretenimento de abordado de forma mais descompromissada.