O ator mexicano Damián Alcázar, que interpreta o chefe do Cartel de Cali Gilberto Rodríguez Orejuela na série Narcos, da Netflix, considera que mais do que glorificar o crime, as séries sobre o narcotráfico representam uma “magnífica oportunidade de retratar a cruel realidade latino-americana”.
Na terceira temporada da série que a maior plataforma de streaming do mundo estreou globalmente na última sexta-feira, 1°, o grande líder colombiano do tráfico de drogas Pablo Escobar (que foi interpretado pelo brasileiro Wagner Moura) morreu e o Cartel de Cali se converte no inimigo número um dos Estados Unidos.
Alcázar define seu personagem como “um homem pacífico” que “prefere corromper e comprar as pessoas, e mantém a paz entre os seus. Não quer guerra com ninguém, muito menos com o Estado”. E continua: “O Cartel (de Cali) é quem passa a ser o protagonista da história. É muito interessante ver que um homem de negócios quer fazer deste negócio não-santo (o narcotráfico) uma coisa boa para a sociedade. Porque ele (Gilberto Rodríguez) elevou o nível econômico em Cali, com muitos negócios, dando trabalho a muitas pessoas”.
“Acredito que temas como o narcotráfico não tenham motivos para ser evitados. Ao contrário, se o levamos a um projeto em massa e global como o da Netflix, em outros lugares vão saber mais do que é esta nossa realidade”, diz o ator de 64 anos, vencedor de oito prêmios Ariel.
O ator confesa que participar de Narcos mudou a sua percepção sobre o narcotráfico. “Há algum tempo acredito que somente a legalização (das drogas) acabará com este monstro infame que destrói o nosso povo, as nossas pessoas mais pobres, nada além disso. Porque os soldados e marinheiros, que são alguns, também estão fodidos. Mas os grandes, os de cima, os que têm os lucros, esses não. Acho que depois de fazer a série disse: ‘claro, esses homens (o Cartel de Cali) levantaram Cali!’.
Cali nunca teria tido uma economia próspera sem estes senhores, porque parece que para o governo só interessa o progresso”.
“(O público) tem que perceber que não pode desviar o olhar, porque muitas pessoas estão morrendo por causa desse pesadelo”, explica Alcázar em referência aos mais de 180 mil mortos no México desde que o governo lançou um combate militar contra as drogas.
“Em muitos casos há sociedades que não sofrem com isso, ou que não tem isso tão latente como nós, os latino-americanos. A medida não é acabar com programas como Narcos, ou com os tão polêmicos ‘narcocorridos’ (subgênero musical que exalta o tráfico e seus chefões), mas acabar com a pobreza, essa infame desolação na qual estão mergulhados milhares de mexicanos, sobretudo nesses lugares do deserto do país, onde não há nada”, comenta Alcázar sobre o fascínio do público por temas como a corrupção, o tráfico e a pobreza. “A Netflix está pegando isso e lhe dando a visão da ficção, muito interessante, com uma produção quase cinematográfica. Por isso é tão atraente e está tão forte”.
Para o ator de 64 anos, os problemas sociais contribuem para a evolução do fenômeno do narcotráfico. “É bem interessante. É a história deste pesadelo que é o narcotráfico e que agora está se repetindo aqui de maneira muito mais terrível do que na Colômbia. Muitíssimo mais, porque somos mais e porque temos muito mais pessoas pobres, e porque o país é um deserto absoluto e não há nada para os moradores de lá. Então isso não vão conseguir acabar com isso lá, nunca”.
Na série, a agência antidrogas americana (Dea, em inglês) foca a sua atenção no cartel de Orejuela, que na vida real foi extraditado em 2004 para os Estados Unidos, onde cumpre uma pena de 30 anos. (AFP)