Em pedaços de papel jogados no ateliê ou no fundo de malas, Antônio Bandeira deixou textos literários escritos a partir de um processo criativo múltiplo. “Continuam no fundo das malas. Às vezes, relendo um verso, uma frase, parto para um quadro. A inspiração tem vindo assim, em mais de uma oportunidade”, contou o abstracionista em entrevista ao número 19 da Revista Clã.
O texto mais emblemático de Bandeira é Cidade queimada de sol, homônimo do quadro exposto no Mauc-UFC. Nos versos, ele fala sobre como Fortaleza “envelhece e volta a ser moça”. É mais uma prova de seu afago e de seu amor pela terra natal. Além das poesias, ele também deixou um romance: Flamboyant Amarelo. “Escrito entre 35 a 45, e depois datilografado, nunca mais o reli. Não pensei em publicá-lo para não atrapalhar a pintura. Agora, porém, penso em lançá-lo por intermédio de José Olympio”, disse o pintor na entrevista publicada em 1960 também na Revista Clã.
Em 2007, a pedido da UFC, a escritora Angela Gutiérrez e o artista plástico Estrigas organizaram uma compilação de poesias e desenhos inéditos. Batizado Bandeira: Verso e Prosa, o livro integrou as celebrações pelos 40 anos de morte do pintor. Nos papéis datilografados que recebeu, explica Angela, havia 51 poemas que revelam uma personalidade brincalhona e uma ótica particular para a vida como estrangeiro em Paris.
Há textos em francês, textos em português e outros mesclando os dois idiomas. “Se analisarmos o conjunto, vemos que existem temas comuns”, explica Angela. O primeiro é sobre ser estrangeiro e estar em Paris. “Bandeira esteve na cidade em uma época interessante para os artistas, uma época da Paris mais aberta. Existem esses poemas dedicados a cidade e em muitos deles eu notei aquele tom de humor do nosso modernismo. Uma brincadeira consigo mesmo”. O outro tema recorrente é a saudade. Do pai, da mãe, dos irmãos e do Ceará. “E tem um terceiro recorte, que são poemas que falam da arte de escrever ou da arte de pintar. Quase metapoemas”.
A publicação anos após a morte, acredita Angela, não fere a memória ou os desejos de Antônio Bandeira, pois ela defende que há cintilações poéticas na obra. “Ele era um artista extraordinário. E talvez achasse que os seus textos, poéticos, não estivessem à altura da sua obra nas artes plásticas. Se nós observarmos bem, realmente, esses textos não foram retrabalhados. Foram, digamos... veio a inspiração e ele escreveu”.
INOVAÇÕES
Além de buscar a própria linguagem a partir das diferentes formas de expressar sua arte, Bandeira buscou inovar nos suportes e nos moldes de criar. O artista pintou em superfícies como papel de jornal e isopor, criou com miçangas, barbantes, fitas adesivas, canutilhos e frascos de perfume (este último numa incursão quase dadaísta).
Max Perlingeiro conta ainda que adquiriu uma obra do pintor feita em bolacha de água e sal. “Era uma tela pequena de 16x22, em que ele pegou quatro biscoitos e passou um verniz, pintou em cima daquilo e deixou dentro de uma caixinha de acrílico”, conta.