Longe de ser perfeito, Kingsman: Serviço Secreto (2014), de Matthew Vaughn e baseado nos quadrinhos de Mark Millar e Dave Gibbons, é um filme divertido. Muito mesmo. É um filme de ação com uma assinatura original, violência estilizada e inesperada, cenas de ação lúdicas e corpo de personagens bem fora do comum. A sequência direta do longa, Kingsman: O Círculo Dourado – também de Vaughn –, oferece exatamente os mesmos ingredientes, com uma leve adição de uma discussão social relevante e com a retirada quase completa do fator surpresa.
De cara, O Círculo Dourado abre com pancadaria absurda, uma cena de perseguição non-sense, referências à formalidade britânica e referências à Serviço Secreto. Eggsy (Taron Egerton), o novo agente Galahad da agência britânica independente Kingsman é atacado por um antigo conhecido e consegue forçosamente se salvar. O problema é que o vilão consegue hackear o carro de Eggsy e consegue uma lista de endereços de toda a Kingsman. Mísseis lançados, agência destruída e o novo Galahad só sobrevive porque viajara para um jantar com os futuros sogros, o rei e a rainha da Suécia.
A partir daí, o agente Galahad e Merlin (Mark Strong) consultor logístico da Kingsman, precisam desvendar o ataque enquanto buscam ajuda da Statesman, prima norte-americana da agência de espionagem britânica. Lá, eles conhecem os agentes Tequila (Channing Tatum) e Whsikey (Pedro Pascal), a consultora Ginger Ale (Halle Berry) e o chefão, Champ/Champagne (Jeff Bridges). Para quem não é familiarizado com sotaques na língua inglesa e diferenças culturais entre as duas nacionalidades, esse primeiro ato pode soar banal. Para quem gosta disso, a dinâmica é tão boa quanto a relação do “almofadinha” Harry com marginal Eggsy em Serviço Secreto. Ou seja, divertido, mas não propriamente novo.
Visualmente semelhante e com personagens que se relacionam de forma semelhante à obra anterior, Kingsman: O Círculo Dourado atinge seu ponto de virada ao se propor a discutir a liberação das drogas. A vilã, Poppy (Julianne Moore), é uma narcotraficante internacional que sonha em voltar para os Estados Unidos e ser vista como a empresária mais bem sucedida do mundo. Para isso, ela usa um veneno para deixar todos os usuários de seus narcóticos doentes e diz que distribuirá a cura caso o presidente dos EUA a dê anistia e legalize as drogas. Soa infantil o bastante?
A proposta, claro, é absurda – como tudo em Kingsman. Mas abordar um nervo exposto da sociedade é uma ideia corajosa. Para além disso, as atitudes do presidente dos EUA são condizentes com a visão niilista da política tradicional vista hoje e a barbárie que segue a ameaça de Poppy é previsível. Só que parear a discussão sobre liberação das drogas com o discurso de uma narcotraficante é reducionista. Aliás, é apresentar falsa informação. Liberação de drogas é uma estratégia de combate à violência, já que exclui o traficante da equação. Para além do moralismo, existe uma questão de Estado, uma questão urgente na sociedade. É triste ver o diretor de uma obra tão progressista como X-Men: Primeira Classe (2011) cair no discurso fácil da falta de informação.
Para piorar a situação de Vaughn, o setor de marketing do filme ainda “estragou” a principal surpresa da obra no trailer. SPOILER DO TRAILER Lá, descobríamos de cara sobre a volta do agente Harry Hart/Galahad (Colin Firth), morto no longa original. O tal personagem retorna de maneira esdrúxula – o que, no final das contas, encaixa no contexto de excessos de Kingsman. FIM DO SPOILER
O problema é que, para justificar a volta do agente, o filme mostra completa falta de compromisso com uma série de peças-chave da obra original. Em especial Roxy (Sophie Cookson), um dos melhores pontos de Serviço Secreto, e que é descartada antes da metade do primeiro ato. De certa forma, isso tudo representa que Kingsman virou mais franquia que obra. É uma produção mais interessada nas continuações, e talvez no lucro proveniente delas, do que em construir um universo coeso. Bom, lá se vai mais uma franquia de potencial.
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