Vai se frustrar muito quem for à Caixa Cultural esperando encontrar no palco os mesmos tons bucólicos que a versão cinematográfica da história de Macabéa tem. Enquanto o filme de Suzana Amaral, de 1985, é ancorado num certo naturalismo nas interpretações e nos cenários, a versão musical de A Hora da Estrela tem a hipérbole como norte. A versão cearense é toda acima do tom, cheia de exageros que deslocam a já conhecida história escrita por Clarice Lispector. A montagem, que captura sem medo a essência de musical da Broadway, se desafia a adaptar em canto e dança uma trama cheia de sutilezas.
Na versão dirigida por André Gress e roteirizada por Allan Deberton e André Araújo, Macabéa tem a estranheza como bandeira. A jovem de 19 anos que sai do interior para a cidade grande ganha aqui uma voz nada naturalista (que soa, a princípio, como a dublagem de uma personagem de desenho animado dos anos 1990). A atriz Tuane Toledo dá dignidade à personagem que, por ser muito ingênua, precisa de curvas dramáticas muito bem desenhadas para não cair na caricatura.
Já os atores Germana Guilherme, Vinícius Cafer e Larissa Góes, que representam todos os outros personagens, mergulham de cabeça no burlesco. Em muitos pontos, porém, o esforço para o cômico atrapalha mais que ajuda — a exemplo do momento em que a protagonista, que é telefonista de uma funerária, tenta vender caixão para uma senhora que está passando mal sentada num vaso sanitário.
O “não-casal” Macabéa e Olímpico é responsável pelos melhores diálogos do musical. Os atores estabelecem um jogo de lá e cá que não deixa a energia cair. E, apesar do talento de Vinícius de passear com segurança entre os personagens, a mesma sintonia não é vista quando Rodrigo S.M., o narrador dessa história, chega perto da protagonista.
Musicalmente falando, o espetáculo tem muitos acertos. A banda mantém um tom jazzístico que eleva a atmosfera que as cenas precisam ter — seja um tom mais macabro (como quando Macabéa está no trabalho ouvindo reclamações) ou onírico (no número da Madame Carlota, que é um dos melhores da peça). Na divisão de canções, o público acaba por ouvir pouco o canto de Larissa, que poderia ser bem melhor aproveitado, tendo em vista a desenvoltura vocal da atriz.
O cenário, de autoria de Rodrigo Frota, reforça a atmosfera “Tim Burton” buscada por Gress. Com movimento circular inspirado nos ponteiros de um relógio, a cenografia vai rodando e criando ambientações. O “miolo” desse relógio, o quarto da jovem, é subutilizado e acaba se firmando mais como ornamento, pois muitos momentos se aproveitam apenas da boca de cena.
A Hora da Estrela cumpre, com ousadia, o que se propõe: é um deslocamento da história de Lispector para o campo do extravagante. Ao investir no anedótico, a peça perde um pouco da sutileza, mas essa delicadeza às avessas se mostra em sintonia com o tom excêntrico que é norteador do todo. A história se costura como uma noite de estrelas estranhas.
SERVIÇO
A Hora da Estrela
Quando: de hoje a sábado, às 20 horas, e domingo, às 19 horas.Onde: Caixa Cultural (avenida Pessoa Anta, 287)
Quanto: R$ 20 (inteira)