Pablo Villaça é o diretor-fundador do site Cinema em Cena, o mais antigo do gênero da web brasileira. Ele trabalha como crítico desde 1994 e é autor de dois livros: O Cinema Além das Montanhas, biografia do cineasta Helvécio Ratton; e Os Filmes da Sua Vida Têm Muito Mais para Contar, uma compilação de suas críticas. Pablo também contribuiu com o livro Os 100 Melhores Filmes Brasileiros, tornou-se o primeiro latino-americano a fazer parte da Online Film Critics Society – maior associação de críticos de cinema que atuam na internet - e foi convidado pelo crítico norte-americano Roger Ebert, vencedor do Pulitzer, para ser um dos “correspondentes estrangeiros” em seu site oficial.
Pablo também é conhecido por seu forte posicionamento político, o que lhe garantiu vários conflitos nas redes sociais. Ele já entrevistou o ex-presidente Lula para a emissora TVE Bahia e palestrou para 5 mil pessoas no período das eleições de 2014, na presença dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Na última semana, ele esteve em Fortaleza com o curso “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica”. Pablo também foi convidado pelo Porto Iracema para discutir “A crítica da arte em tempos de crise”. O crítico conversou com O POVO sobre seu ofício e o cinema nacional.
O POVO – Qual foi o primeiro momento que você se afirmou com crítico de cinema?
Pablo Villaça – Acho que a primeira vez que me senti como crítico profissional foi quando eu fui à minha primeira cabine de imprensa, a minha primeira sessão para crítica. Eu acho que foi o Boleiros, um filme do Ugo Giorgetti. Eu estava entrando em um lugar que só crítico profissional podia entrar. Agora, a primeira vez que eu tive o interesse despertado pela crítica em si, eu era adolescente. Tive um CD chamado Cinemania, que um tio me deu. Era um daqueles bancos de dados, uma enciclopédia dentro do CD sobre cinema. Sempre que eu assistia a um filme, eu ia à ficha do filme no disco. E uma das críticas que tinha era a do Roger Ebert. Comecei a ler as críticas do Roger depois de ver os filmes. Foi assim que comecei notar vários aspectos que nunca tinha visto. Eu ficava fascinado com esse olhar mais aprofundado. Foi assim que vi que tinha outra dimensão que eu estava perdendo, foi aí que comecei a estudar teoria e linguagem. Eu tinha 14 anos.
OP – As pessoas valorizam a crítica cinematográfica?
Pablo – A crítica nunca foi valorizada em lugar nenhum em época nenhuma. Não é a toa que quando um veiculo jornalístico começa a cortar equipe, o caderno de cultura é a primeira a ir embora. A cultura não é valorizada, e a crítica de cinema muito menos. Acho que dou sorte, já que tenho um número considerado de leitores que são muito carinhosos. Eles se preocupam, não só comigo, mas com o cinema de modo geral. Agora, não é uma profissão que se tem alcance. Maior parte das pessoas não encara a crítica como sendo algo relevante. Elas pensam “por que preciso de uma pessoa para me falar se devo ver filme ou não?”. A crítica não é para isso, mas é a noção que grande parte das pessoas tem.
OP – O cinema também funciona como um espelho da nossa sociedade. Como você interpreta esse cinema em uma era pós-Trump ou pós-impeachment?
Pablo – Ainda não estamos vivendo uma era de pós-Trump ou pós-golpe, pois não deu tempo ainda. Os filmes sobre a era Trump e Temer nós vamos começar a ver em dois, três anos ou mais, como aconteceu na Guerra do Iraque, que começamos a ver filmes sobre essa guerra quatro ou cinco anos depois. O Polícia Federal: A Lei é Para Todos, por exemplo, é um filme de gênero, que tem um caráter comercial. Ele não foi feito para discutir o que quer que seja. Ele é uma tentativa de capitalizar comercialmente em cima de um público, que é movido ideologicamente a abraçar esse tipo de adoração a força policial. Mas ele não é um filme que tenha relevância ou profundidade do ponto de vista de discussão temática.OP – Mas ele cumpre algum papel enquanto espelho da sociedade?
Pablo – Ele tem relevância como retrato acidental da época que ele foi feito. Tem uma frase que eu adoro e que já disse um milhão de vezes, do Eric Rohmer, da Nouvelle Vague (escola cinematográfica), em que ele comenta que cada filme é um documento de sua época. Então Polícia Federal é um documento de sua época sem querer ser. Ele acaba sendo um reflexo até pelo cinismo com o qual ele foi produzido. E, honestamente, eu nem sei se vamos ver filmes sobre esse período. Porque, sinceramente, observa o grande buraco que nós temos no cinema brasileiro e que nunca produzimos realmente de forma consistente filmes sobre a ditadura militar. A cinematografia da Argentina ou Chile tem uma penca de filmes sobre isso. Nós não refletimos a ditadura, que encerrou em 1985. Quer dizer, qual a esperança de ter uma reflexão séria sobre o golpe de 2016?OP – Você não acredita que isso vai ficar mais latente em ano de eleições, tanto para direita como para a esquerda?
Pablo – Não sei. Espero que sim, mas eu não sei. Mesmo porque os mecanismos de produção estão sendo limados pelo Governo Temer. Então isso dificulta mais ainda esse tipo de reflexão. Cinema é um negócio caro. Então, quando se lima o sistema de produção, sabota a lei do audiovisual e os meios de cineastas se manifestarem, não é algo por acaso. Calar artista é a primeira ação de qualquer regime totalitário, de qualquer tipo de fascismo. E estamos vivendo isso no Brasil. Estamos em 2017 e vivemos isso. Não sei se vamos ver essa reflexão sobre o golpe tão cedo.