Durante uma hora na tarde da última terça-feira, 21, vivi um episódio da série Black Mirror. Talvez até ainda mais intimidante do que a trama da Netflix por não se tratar de uma distopia, mas, sim, de uma realidade tão presente — e é até banalizada. Estou falando da performance YoUturn, trabalho da diretora alemã Christiane Mudra que está sendo realizada na Capital em parceria com os grupos Teatro Máquina e Aparecidos Políticos. As inscrições estão abertas e são gratuitas (ver serviço).
O experimento, que acontece nas ruas do Centro, foi construído a partir de entrevistas realizadas com pessoas que sofreram vigilância ao redor do mundo. Dentro da lógica da ação, o público pode vivenciar uma experiência de monitoramento em tempo real num trajeto permeado por textos que revelam casos que ocorreram durante a ditadura militar brasileira.
[QUOTE1]Tudo começa com a confirmação da inscrição que chega por email. Entre as recomendações: não se atrasar, ir com calçado confortável e levar celular ligado e carregado. A produção marca um local específico para a tour começar. Lá, você deve esperar, sozinho, as recomendações (tanto que nem fui acompanhado de repórter fotográfico para não comprometer). No meu caso, recebi a orientação de ir para a frente do Comando da 10ª Região Militar, que fica próximo ao Mercado Central.
De lá, recebi uma ligação me indicando um trajeto que deveria seguir, cujo caminho seria direcionado por pistas que encontraria em locais como orelhões e bueiros. YoUturn não se parece com nenhuma experiência artística que eu já tenha vivido. Em percurso solitário, somos conduzidos a pensar sobre o cerceamento de liberdade que nos atravessa em ambientes online e offline.
No trajeto entre praças do Centro, fui fiscalizado, de perto e de longe, em diferentes graus. A partir das pistas encontradas no espaço urbano, experimentei o medo de ser “subversivo” num Brasil governado por militares. O caminho acaba num prédio, onde fui instigado a uma reflexão sobre tortura de um modo que a ficção por si só não consegue dar conta.
A possibilidade de realidade aumentada de YoUturn diz muito de passados fascistas, mas também de um presente de censuras veladas. Fugir do que se convenciona como norma ainda nos aterroriza e essa performance nos convida a refletir sobre privações de liberdade bem de perto — com o coração acelerado por um temor que não é nada fictício.
SERVIÇO
YoUturn // experimento-vigilância
Quando: até 30 de novembro, de segunda-feira a sexta-feira, às 14h e 16h30min, e sábados, às 13 h.Onde: Centro - vários locais
Informações e inscrições: youturnfortaleza@gmail.com