O que torna um filme um clássico? Muitos apontam que é possível se medir o sucesso de diferentes maneiras. É preciso analisar o número de público, participação e prêmios em festivais, avaliação da crítica e algum tipo de marca que o filme deixa em termos culturais, como uma fala ou personagem.
Nesse sentido, vamos lembrar de Sangue Negro e Onde os fracos não têm vez, jovens clássicos que marcaram a disputa do Oscar 2008. Além de estrearem no mesmo mês, eles são considerados filmes semelhantes, já que os personagens principais destroem as vidas de várias pessoas inocentes e se mostram monstros psicóticos.
Sangue Negro, que estreou em 15 de fevereiro de 2008 no Brasil, conta com a direção de Paul Thomas Anderson, indicado novamente por Trama Fantasma em 2018. A obra fala de Daniel Plainview, interpretado por Daniel Day-Lewis, se estabelecendo como um bem-sucedido explorador de petróleo. Ainda no início do filme, ele recebe a informação sobre a existência de uma jazida sob o solo de uma pequena e miserável cidade. Partindo para o local acompanhado de seu filho H.W, o filme nos mostra sua trajetória movida pela cobiça e um profundo desprezo pela humanidade a sua volta.
Empenhando-se em exibir uma fachada de falsa cordialidade e sinceridade, o sujeito traz na ponta da língua um discurso cuidadosamente ensaiado para iludir suas humildes vítimas. Aliás, até mesmo o seu filho surge como uma estratégia para que Daniel possa parecer mais simpático.
Daniel Day-Lewis, ator de talento inegável, cria um monstro. Movido mais pelo prazer de conquistar o poder do que pela perspectiva de ser milionário, não é à toa que Plainview só se excita pelo trabalho, que é refletido na natureza fálica das torres de perfuração.
Culminando em uma cena absurda que chega a beirar a comicidade ao enfocar o declínio absoluto de um personagem amaldiçoado pela própria natureza, Sangue Negro talvez seja o melhor filme, em aspectos técnicos e de roteiro, do início do século XXI. Graças à composição da montagem, da trilha sonora de Jonny Greenwood e do texto, o filme é indicado para todos os amantes da sétima arte. O longa recebeu oito indicações ao Oscar e levou duas.
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Ambientado no Texas, Onde os fracos não têm vez, dirigido pelos Irmãos Coen, acompanha o veterano do Vietnã Llewelyn Moss, que, certo dia, encontra uma maleta com 2 milhões de dólares. Decidido a ficar com o dinheiro, ele passa a ser perseguido por um matador cruel que atende pelo nome de Anton Chigurh. Enquanto isso, o xerife Ed Tom Bell tenta encontrar Llewelyn antes que este seja morto por Chigurh e, neste processo, se mostra cada vez mais impressionado com a matança promovida pelo assassino.
O filme já chama a atenção por sua riqueza narrativa, que traz uma mistura de western e filme noir. Este talvez seja um dos trabalhos mais disciplinados dos Coen, que substituem seus costumeiros invencionismos visuais por uma lógica firme, apresentando aquele mundo como uma versão contemporânea de um “Velho Oeste”.
Neste sentido, o personagem de Javier Bardem (que ganhou o Oscar de ator coadjuvante) surge não apenas como um vilão assustador, mas como um símbolo do mundo em que vive. Bardem oferece um desempenho perfeito como o apavorante Chigurh. Utilizando um corte de cabelo que torna o personagem ainda mais inquietante, ele cria um monstro cuja natureza metafórica já é ressaltada por sua primeira cena, quando os Coen o apresentam com o rosto oculto, enquanto a narração de Tommy Lee Jones discute a crueldade incompreensível de certos indivíduos.
Assim, quando finalmente podemos ver a face do vilão, ele surge já em ação, exibindo um olhar alucinado, quase em transe, enquanto faz mais uma vítima. Além disso, os diretores ainda lhe garantem uma arma que é usada para abater gado, o que rima com as mortes de suas vitimas, consideradas animais.
Já Tommy Lee Jones interpreta o xerife Ed, que sabe que jamais conseguirá acompanhar o ritmo com que a sociedade vem se transformando. Por meio disso, o seu cansaço torna-se crescente à medida que percebe estar no meio de uma batalha já perdida.
Pessimista como o próprio xerife, o filme expõe com tristeza o terror crescente de nosso dia a dia. A obra encarna a frustração que todos sentimos diante da brutalidade crescente que faz do planeta um lugar que justifica tragicamente o título do filme. A obra venceu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Direção e Melhor Filme. Esse, talvez, seja o marco definitivo de como ser um assassino nos cinemas, invejando todos que vieram antes e depois.