João Redondo, babau, fantoche, títere, mamulengo, marionete... A arte do teatro de bonecos – aqui no Ceará conhecido por Cassimiro Coco - é sabida pelo mundo afora por diversos estilos e denominações. Sua história atravessa o mar e o tempo numa data que remonta cerca de 3 mil anos com registros de alguns historiadores quanto ao uso de “figuras de madeira operadas com barbante” e “bonecos articulados de marfim e argila” por civilizações egípcias.
O mamulengo seria, assim, a nomeação típica do brinquedo - este no sentido de tradição atrelada à cultura popular – no Nordeste brasileiro. “O molengo, momolengo, mamolengo, mamulengo vem de mão mole, molenga (...). É o ‘boneco brasileiro’ surgido em Pernambuco com características bem regionais”, explica Ângela Escudeiro em Cassimiro Coco de Cada Dia: Botando Boneco no Ceará (Ed. Imeph, 2007).
Atriz, escritora, bonequeira, arte-educadora, produtora e diretora artística, Ângela escreveu o livro motivada não só pelo registro do rico material em suas mãos, mas também visando o fortalecimento, a reafirmação e a evolução dessa arte em questão, a partir da catalogação de mestres (da Capital e interior do Estado) que a produzem e sobrevivem dela até os dias atuais.
[SAIBAMAIS]“Já vinha de uma pesquisa desde 2000, 2001, só com recursos próprios. Até que abriu um edital, mas só para a pesquisa. A publicação veio bem depois, mas o que eu queria mesmo era que o livro desse visibilidade a eles (mestres mamulengueiros). E eles, para a minha surpresa, se estimularam muito com a minha visita”, relembra ela, que desde 2015, manipula bonecos e também dirige a equipe de manipulação do programa Nas Garras da Patrulha (TV Diário).
No Ceará, a trajetória da “bonecagem” pode ser talhada por nomes expressivos como Pedro Boca Rica (apelido de Pedro dos Santos de Oliveira) e Babi Guedes (grande referência também na cena musical), ambos já falecidos. Recém-chegado de Pernambuco, no início de 1980, Augusto Oliveira - ao lado da cearense Zilda Torres - fundou o Folguedo Produções Artísticas, considerado oficialmente o primeiro grupo de teatro de bonecos profissional do Ceará. Ainda na mesma década, passaram a existir outros na mesma linha (Formosura, Carrossel, Circo Tupiniquim, Gingobel, etc).
Na área do humor, Augusto adquiriu o sobrenome de “Bonequeiro”, trazendo a reboque vários personagens, sendo os carros-chefe o fofoqueiro Encrenca (que rendeu, por 16 anos, um programa de TV) e o inseparável Fuleragem. “Depois de um certo tempo que eu estava aqui (no Ceará), conhecia o Pedro Boca Rica e sugeri que ele fizesse um boneco pra eu trabalhar com um número solo. Aí ele construiu o Fuleragem pra mim. E ele (o boneco) é fantástico, uma figura maravilhosa! (risos) Tá quase virando gente, só falta título de eleitor e carteira de motorista”.
[FOTO2]Mais recentemente, a brincadeira segue firme ainda com a presença de grupos como Epidemia, Bricoleiros, Calu Maravilha, Ânima, Blitz Intervenções, Bia Marques Fantoches, Bagaceira (que dialoga com várias linguagens), entre outros. Ângela Escudeiro inseriu-se nesse promissor cenário numa época em que os personagens femininos no teatro de bonecos, segundo ela, “não tinham vez”. “Comecei a me impor, a dar mais força e, justamente por isso, tive vários embates. Mas, ao mesmo tempo, fui ganhando terreno”, reforçou ela, uma das responsáveis pelo reconhecimento, em 4 de março de 2015, do Teatro de Bonecos Popular do Nordeste (TBPN) como Patrimônio Cultural do Brasil.
Em termos de data, o 21 de abril também é considerado significativo para a arte, sendo celebrado o Dia Mundial do Teatro de Bonecos. Já no dia 27 de abril, celebra-se o Dia Nacional, sendo a data instituída pela Associação Brasileira de Teatro de Bonecos (ABTB), também numa alusão ao dia de sua fundação, em 1973. Mas, na prática do dia-a-dia, há o que ser comemorado?
“Nós, por exemplo, andamos sempre atrás de políticas públicas porque nem mesmo existe ainda uma área de formação, um curso de graduação, para novos profissionais dessa área. Eu sou funcionária pública também e procuramos sempre realizar oficinas (geralmente utilizando a sucata como matéria-prima) para professores e alunos da rede pública de ensino”, explica Izabel Vasconcelos, da Companhia de Teatro Epidemia de Bonecos.
E por que ainda fascina tanto? “Para mim, o teatro de bonecos é a base de tudo (referindo-se ao fazer teatral) e por vários motivos. Ele lida com artes porque é você quem o confecciona também, não é? Corta mais ou menos uns 90% da sua vaidade - porque quem tem que aparecer não é você, mas sim o boneco - e ele tem o dom de dizer qualquer coisa e, mesmo assim, não ofende a ninguém. Nós, atores, nos vestimos de um personagem, mas o boneco não. Ele é exatamente o que é”, ressaltou Ângela.