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Cinema. O horror de cada família é retratado em Hereditário
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Cinema. O horror de cada família é retratado em Hereditário

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Há um movimento de renovação no cinema de horror. Não que o gênero tenha deixado para trás as características que o transformaram em um filão poderoso para a indústria do entretenimento - jump scares, assassinos em série, espíritos e bonecas macabras continuam em alta -, mas há um punhado de produtoras e diretores interessados em roteiros que priorizem aspectos menos óbvios do formato. Filmes como Corrente do Mal (2014), The Babadook (2014) e A Bruxa (2015) estão aí para mostrar que é possível criar medo a partir de uma construção mais elaborada - e por isso mesmo mais lenta - de personagens e narrativa.


É também o caso de Hereditário, em cartaz nos cinemas brasileiros. Primeiro longa do diretor norte-americano Ari Aster, ocupa a maior parte de seus 127 minutos de duração com uma lenta elaboração do cenário. Conhecemos a família de Annie (Toni Collette) e acompanhamos seus esforços para superar a morte da mãe. Mais que qualquer coisa, é um filme sobre luto.


Como um dos gêneros mais subjetivos do universo cinematográfico, gerar empatia com a audiência é a melhor estratégia para o êxito de uma produção de horror. Identificação assusta. E como experiência universal e irreversível, o trauma do luto, enxergá-lo em suas mais devastadoras sequelas, causa pavor e ansiedade. A dor da família de Annie, tão real e ao mesmo tempo inimaginável para a maior parte dos espectadores - por um acréscimo de tragédias que o público vai acompanhar -, transforma a experiência de ver Hereditário no mais genuíno exercício empático: enquanto restauramos nossas próprias dores também receamos a aproximação das futuras perdas.


Mas nem só de drama vive o novo horror. Hereditário sabe aproveitar a fragilidade de sua audiência para inserir elementos clássicos do cinema de assombração, resgatando métodos que já demonstraram eficácia em clássicos como O Exorcista (1973) e O Bebê de Rosemary (1968), inspirações óbvias para o longa de Ari Aster. A diferença em relação à infinidade de outros lançamentos do gênero é que aqui há uma cuidadosa elaboração de atmosfera, um extenso caminho que conduz ao clímax.


Em uma das primeiras cenas, durante o velório da mãe, Annie interrompe seu discurso para dizer, encarando os presentes, que não conhece a maioria deles. A fala da personagem dá pistas sobre o desenrolar da narrativa, sustentada a partir de um acúmulo de coincidências e estranhamentos que conduzem a trama até um desfecho macabro. As sequências de horror explícito em Hereditário não ficam atrás dos momentos mais arrepiantes de filmes que se tornaram referência para o gênero. O diretor sabe honrar suas referências.


Passeando entre o drama e o terror, o elenco de protagonistas sustenta o desafio proposto pelo roteiro. Além de Toni Collette no papel da mãe de família que não sabe como superar sua dor - com algumas cenas que estão entre as melhores já realizadas pela atriz, estão Gabriel Byrne, seu esposo, e Milly Shapiro, a garotinha que aparece na maioria das peças de divulgação do filme e que oferece uma atuação que borra fronteiras entre a ternura e o bizarro. Mas a grande surpresa de Hereditário é Alex Wolff, o filho do casal, com a impressionante interpretação de um adolescente que não encontra seu lugar na família e no mundo e que precisa carregar o peso de pertencer a uma família construída sobre traumas e segredos.


Hereditário pode incomodar a parcela da audiência interessada em soluções rápidas. O filme tem um tempo próprio, uma construção particular que avança sem apuros. Ainda estão lá os sustos que te fazem saltar da poltrona, a trilha sonora macabra, mas todos são elementos colocados a serviço de uma história de perda e dor. É o drama familiar que conduz esses elementos. E é justamente quando o doméstico é parcialmente afastado que o longa perde parte de sua força.


O desvendar dos mistérios acelerado no último ato acaba deslocando o sobrenatural daquele grande elemento gerador de empatia. O luto perde seu lugar, e o que é colocado em substituição, por mais macabro que seja, não assusta tanto quanto o medo da perda. Por sorte, a ruptura do escopo narrativo não compromete a qualidade do filme. Antes, reforça os atributos de seus primeiros atos. No final das contas, Hereditário é um grande drama que assusta.

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