Em 2010, na coluna Das Antigas, do O POVO, o jornalista Demitri Túlio publicou entrevista concedida pelo poeta Manoel de Barros (1916 – 2014) a crianças cearenses. Questionado por uma delas sobre o uso de palavras “estranhas e abstratas”, o autor respondeu: “Eu invento imagens. As imagens devem expressar o concreto”. E seguiu dando o exemplo do verso: “eu vi a tarde correndo atrás de um cachorro”. Para o autor, há como se vislumbrar essa cena – basta um pouquinho de sensibilidade. Pois é exatamente desse “amalucamento” da língua portuguesa que fala a peça O delírio do Verbo, que chega agora a Fortaleza.
O solo do ator Jonas Bloch cumpre temporada, de amanhã até domingo, 10, e entre os dias 15 a 17 de junho, na Caixa Cultural. “O espetáculo é um apanhado de vários trechos do trabalho do Manoel. É um texto com humor, fantasia, poesia. Trouxe também o que ele escreve mais focados para as crianças”, detalha o ator, em entrevista ao O POVO. O intérprete, que já soma mais de cinco décadas de profissão, destaca a vontade de se arriscar mergulhando fundo na poesia.
Na transposição das páginas para a cena, Jonas se apegou a um preceito fundamental da obra de Manoel: a simplicidade. “Pensei nos textos que tivessem mais possibilidades de levar ao palco e trabalhei sempre da maneira mais simples possível”, conta. Segundo Jonas, é justamente essa relação às claras com o texto e a encenação têm encantado diferentes plateias. “Tenho encontrado uma repercussão surpreendente. Apresentei na Feira Literária de Bonito e aplaudiram como se estivessem num show de rock”, se diverte.
A cenografia do trabalho é inspirada em outra figura também conhecida por seu olhar subversivo ao mundo, o artista plástico Arthur Bispo do Rosário (1909-1989). “O próprio Manoel falava muito do Bispo do Rosário e (na peça) tem elementos que remetem ao universo do interior, seja o do Mato Grosso do Sul ou de qualquer lugar do Brasil”, reforça Jonas, destacando ter presente na trajetória do artista plástico o gosto pelo singelo.
O próprio Jonas, também formado em artes visais, assina o cenário da peça, assim como o trabalho artesanal presente na cenografia. Já os figurinos são de Cassio Brasil e o desenho de luz de Bruno Cerezoli. A supervisão cênica da obra fica por conta do também ator Emilio de Mello.
“A gente anda necessitado de poesia, ela está fazendo falta nesse momento em que se vê o mundo de maneira tão crua, tão focado em dinheiro”, defende Jonas, reforçando a atualidade da peça O delírio do Verbo. A expressão do título vem das palavras do próprio Manoel, que escreve: “No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira”.
Considerado por Carlos Drummond de Andrade “o maior poeta brasileiro”, Manoel não constrói seu verso composto de rimas e métrica. As palavras dele não se baseiam num clima romântico tradicional, é rica de humor, de inovações e delicadezas. “O universo da imaginação pode nos ajudar a pensar de outras maneiras e, a partir disso, mudar nossos pensamentos e comportamentos. A poesia do Manoel é poderosa”, convida Jonas.
Espetáculo O Delírio do Verbo
Onde: Caixa Cultural (avenida Pessoa Anta, 287 - raia de Iracema).
Quanto: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia)
Informações: 3453 2770