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Cria da Zona Leste do Rio, Lellêzinha ainda não conhece Gomes Avilla, jovem do bairro Mondubim. A “Nega Braba”, porém, recebe o comunicador da Rede Cuca cheia de alegria e intimidade. “Tá cheiroso, ein? E esse look?”, abraça a cantora e atriz de 20 anos. O cearense – dizendo-se “bem basiquinho” – retribui: “Linda. Seu número da sorte só pode ser o 36, porque olha o manequim da gata! Belíssima”, se encontram. Ela no Rio, ele aqui e entre os dois a conexão de uma juventude que transpõe a relação periferia-centro com arte, talento e muita coragem.
Lellêzinha é a voz feminina do Dream Team do Passinho, grupo carioca que, de 2013 até aqui, já fez turnê da Europa à África, emplacou música em novela, gravou clipe com Ricky Martin e brilhou num Maracanã lotado na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos 2016. Ao lado de Rafael Mike, Breguete, Pablinho e Hiltinho, a artista deu show também no Centro de Eventos no último dia 24, data de encerramento da terceira edição do Festival Vida&Arte. Após a apresentação, o grupo conversou com três jovens que movimentam as periferias da Região Metropolitana de Fortaleza. Além do designer de moda Gomes Avilla, 22, estiveram presentes a jovem comunicadora Nala Jasmine, 20, e Bruno DLX, 26, produtor do Festival do Passinho de Fortaleza.
PERGUNTA DESTACADA (NALA): “De que modo vocês são atuantes nas comunidades de vocês?”
Pablinho e Hiltinho detalham as atividades realizadas por cada membro do grupo nas suas respectivas comunidades. “Eu puxo a molecada de lá (Rocinha) e dou aula de passinho, faço trabalho de corpo, com alongamento e passo um pouco das ideias que eu aprendo com eles (referindo-se aos demais membros)”, contra Pablinho, orgulhoso. Lellêzinha ressalta também o diálogo permanente com as comunidades do Rio, afinal, são eles os primeiros ouvidos e olhos do grupo. “Eu sempre fico na minha comunidade, trocando ideia, sempre perguntando: ‘O que você acham do que o grupo está fazendo?’. É fundamental saber o que eles estão achando”, conta.
PERGUNTA DESTACADA (GOMES AVILLA): Comunicação é um direito e a mídia é uma forma de a gente fazer o negócio e divulgar o nosso peixe. O que vocês querem seguir comunicando daqui pra frente?
“A música amplia nossa voz, a gente tem mais liberdade para falar. Acabei de lançar um single chamado Nega Braba, virou até meu codinome. É uma mensagem diferente que a gente está passando. Fala da vida da mulher negra, das lutas da mulher negra, os sonhos.
Com a música, a gente pode falar de tudo que a gente quiser falar”, responde a cantora. Breguete complementa com o desejo de dar protagonismo às diversidades. “A gente quer falar de tudo. No nosso CD, a gente fala de relacionamento de mulher com mulher, homem com homem”, pondera. Nala indaga novamente: Mas como é pra vocês serem um símbolo do movimento negro?
Resposta destacada (MIKE): “É aquele papo da representatividade! A gente sabe da importância, a gente aprende com isso e troca. A gente não é uma entidade que só fala, a gente escuta e aprende com o molequinho que está passando um perrengue. Você viu recente lá no Rio? O molequinho foi baleado e estava de uniforme. Ele perguntou: ‘Mãe, será que ele não viu me uniforme?’. Eu queria entender aquela parada. Não é só o sofrimento, tem algo por trás. Esse evento amadureceu a gente. Eu acordei diferente dos outros dias”.
Ainda sobre negritude, o cantor ressalta o perigo de vincular as questões de raça somente ao sofrimento. “A gente estava esses dias trocando uma ideia com o Mano Brown em Curitiba. Eu não quero me reunir com ele só para falar de mazela, ouvindo as de onde ele mora e falando das de onde eu moro. Eu quero entender a evolução profissional que aquele negão vive nesse momento da vida dele, com sei lá, 50 anos. É isso que eu quero trocar com ele. Isso que me importa".
Pergunta destacada (Bruno): O preconceito diminuiu com produções advindas da periferia?
“O fato de vir da favela, de ser preto, ainda pesa. Estão sempre querendo criminalizar o funk, como fizeram com o samba. As pessoas têm muito preconceito. Claro que a gente não está sozinho nessa, a gente tem vários artistas do funk, a gente tem a própria Anitta, que é um símbolo, que está levando o funk para outros lugares. O preconceito está aí, continua na mente das pessoas, mas enquanto isso estamos aqui, no festival Vida&Arte”, ri a cantora.
Como uma mensagem para as juventudes, de aqui ou de lá, Mike aponta: “A gente vive numa sociedade que quando a gente fala que é artista, tua mãe já diz: ‘Ah, vai fazer um curso’. Meu irmão, tem que ser artista mesmo, tem que pintar, fazer colagem, cantar, escrever poesia...”. Ele interrompe e pergunta à colega de banda: “Antes de entrar no Dream Team você está indo para onde?”. Ela responde prontamente: “Indo trabalhar no Guanabara (supermercado)”. Mike complementa: “Dá para viver de arte, sim, só precisa ser excelente: trabalhar, estudar. A relação que a gente tem que ter com a favela, com a nossa arte, não é só ficar o tempo inteiro falando que a gente vê na televisão. Tem que trocar, brother! Caralho, a Lellêzinha está na caixa do shampoo! Sacou?”.