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A elegância do banal
Vida & Arte

A elegância do banal

Os irmãos Fernando e Humberto Campana realizam investigação do artesanato brasileiro para reinventar objetos em alto design. A Galeria Multiarte recebe mostra com 33 obras dos dois, incluindo parceria com Espedito Seleiro
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Como em muitas localidades do interior brasileiro, o município de Esperança, na Paraíba, abriga a tradição do artesanato como fonte de renda e autoafirmação cultural. Na última década, os artistas locais têm conseguido alcance muito além dos limites da cidade - chegando, inclusive, a figurar no cenário do programa global Encontro com Fátima Bernardes. A ponte entre essas peças e a TV foi o trabalho dos irmãos Fernando e Humberto Campana, cuja capacidade de reinvenção fez nascer uma poltrona tendo como matéria-prima as bonecas de Esperança. A partir do próximo dia 17, toda essa vocação à transformação de objetos corriqueiros em peças de alto design poderá ser vista na exposição Irmãos Campana, em cartaz na Galeria Multiarte até 29 de setembro.

"Somos híbridos e defendemos que o criador do século 21 tem de criar pontes e não limites. Eu e meu irmão adoramos inventar possibilidades", consolida Humberto, destacando que, a exemplo dos artesãos da Paraíba, os designers têm por missão essa preservação de saberes. "O resgate de tradições é também resgate de vidas. Quando você trabalha com uma comunidade que não consegue mostrar seu trabalho, você coloca uma luz naquilo e é um resgate também da autoestima", reflete, celebrando o crescimento da produção na cidade paraibana após a chancela do trabalho dos dois - que são destaque internacional e compõem galeria fixa no Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova York, e no Centre Georges Pompidou, em Paris.

O público cearense terá agora acesso a esse mundo de mescla de texturas e motivos trabalhado pela dupla de artistas de Brotas (SP). A exposição reúne 33 peças dos irmãos cujo forte é o design de imobiliário, com atuação nas áreas de design de interiores, arquitetura, paisagismo, cenografia e moda. A mostra reúne ainda esculturas individuais criadas pelos artistas.

Curador e diretor da Multiarte, Max Perlingeiro destaca a relevância internacional e a capacidade de criação dos Campana. "Eles têm o talento de olhar os objetos do cotidiano e transformar aquilo em obra de arte. O design deles ultrapassa o objeto corriqueiro e o transforma em escultura. O produto final é de uma qualidade extraordinária", aponta o galerista, narrando ter um diálogo com os irmãos que já soma 12 anos.

A galeria localizada na rua Barbosa de Freitas é muito mais do que um cenário para essa mostra, inédita no Ceará. A Multiarte se converteu numa casa para os Campana. "A exposição ficou pronta muito antes da abertura, porque é uma montagem muito sofisticada, precisávamos ter a possibilidade de um ajuste fino, uma iluminação especial. Ela exige imagens holográficas, projeções", afirma Max, detalhando que são recriados espaços das casas, do instituto e do estúdio de Fernando e Humberto. "A mostra já começa no estacionamento, porque eles criaram nossa nova fachada", celebra o curador.

A fachada-objeto-design consiste na reprodução de 1304 cobogós "mão", obra nascida da "indignação" dos artistas com o desastre ambiental ocorrido em 2015 na cidade de Mariana (Minas Gerais). Em sintonia com uma iniciativa coletiva chamada Brado Mariana, os tijolos de cobogó são feitos de argila e foram realizados em parceria com a fábrica Divina Terra, da cidade de Turmalina (MG). "O designer de hoje tem papel político, é também um formador de opinião e pode chamar atenção para áreas em que o governo não atua como deveria", defende Humberto.

A mostra inclui a obra Cangaço Sofá, de 2015, peça realizada pelos Campana em coautoria com o artesão cearense Espedito Seleiro, dono de grife reconhecida mundo afora. "O Espedito é um universo onírico. Aquilo deslumbrou a mim e a meu irmão pelas cores, riqueza, elegância. É um trabalho refinadíssimo, trabalhamos com marcas da Europa e o Espedito tem o mesmo acabamento, não fica atrás", elogia Humberto, orgulhoso do resultado junto ao mestre nordestino que resultou em coleção emblemática sobre o cangaço. "Quando vou ao Ceará fico maravilhado com a qualidade do trabalho, da técnica, das texturas, da tradição. O nosso trabalho é pensar esse Brasil híbrido", conceitua.

Na avaliação de Max, a busca de exaltação da cultura brasileira acaba elevando muito do que se cria aqui a outro patamar. "Os Campanas defendem que a gente tem de mostrar os nossos materiais para o mundo e, assim influenciar também outros artistas e outros designers a partir desse acúmulo", aponta.

Toda essa pluralidade dos Campana chega também à moda. Eles têm parceria com a marca de calçados Melissa, o que acaba dando acesso mais popular à obra dos dois. "Trabalhamos com a Melissa há quase 10 anos e acreditamos que o criador tem que ser plural e poder visitar a moda, a arquitetura, o paisagismo, os cenários de teatro", exemplifica Humberto, que exalta a busca dos irmãos de seguir inovando. "A miscigenação está no DNA do brasileiro. Somos várias culturas de uma riqueza incrível", finaliza.

 

Irmãos Campana

Quando: de 17 de agosto a 29 de setembro. De segunda a sexta-feira, das 10h às 19 horas

Onde: Galeria Multiarte (Rua Barbosa de Freitas, 1727)

 

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