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Literatura contra o facismo
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Literatura contra o facismo

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Os italianos têm primazias culturais admiradas no mundo todo. É o caso da Renascença. Outros primados, entretanto, deixam a maioria dos italianos ainda hoje com vergonha, como no caso do fascismo. A vergonha é tamanha que qualquer tentativa de reconstituição política do Partido Nacional Fascista é tida como crime pela lei italiana.

 

A união de camadas sociais diferentes debaixo de um Estado autoritário (os diversos galhos que se juntam no símbolo do "feixe", etimologia de fascismo) tornou-se um fenômeno político-governamental no ano 1922, quando Benito Mussolini tomou o poder. Uma das causas do surgimento do fascismo foi o medo associado à vontade de poder: grandes empresários, que financiaram o nascimento do Partido Nacional Fascista, estavam assustados com o perigo da explosão de uma revolução comunista na Itália e queriam continuar lucrando, como antes e como durante a guerra. A instabilidade econômica devida ao desastre da Primeira Guerra Mundial assustava a classe média. Os trabalhadores assalariados, no que diz respeito à representação política, estavam fragmentados.

 

O medo das classes dominantes de perder o controle da "modernização conservadora" encontrou a sua encarnação política em Benito Mussolini, "homem forte" cuja exibida e teatral prepotência pública teve, porém, como desfecho um ato de extremo pavor: fantasiado de soldado alemão, Mussolini tentou a fuga, para não ser capturado pelos antifascistas. Uma contradição gritante, considerando que a propaganda fascista tinha exaltado inúmeras vezes a "bella morte", ou seja, a beleza de morrer gloriosamente em guerra pela pátria.

 

Mas paranoica - e muitas vezes grotesca - foi a política cultural do fascismo no seu conjunto. O lema que na Itália sintetizava a concepção de cultura dos fascistas era "libro e moschetto / fascista perfetto" ("livro e fuzil / fascista perfeito"). O fuzil acabava sendo utilizado para reprimir até os fatos mais insignificantes. A força escondia um medo obsessivo: no rádio, uma música tinha os seguintes versos: "Ma Pippo Pippo non lo sa / che quando passa ride tutta la città" ("Mas Pippo, Pippo não sabe / que quando passa ri toda a cidade"). Logo os funcionários do Partido Nacional Fascista perguntaram-se: será que Pippo é uma referência ao dirigente do partido Achille Starace? O resultado foi a censura radiofônica.

 

A resistência literária mais artisticamente eficaz passou por um sofisticado modernismo. Os maiores escritores e artistas na Itália da época foram aqueles que conseguiram representar de forma menos previsível o vazio infernal que esteve por trás da retórica fascista: pulsão de morte, sede de poder.

 

No poema de 1934, Lo sai: debbo riperderti e non posso. Assim o poeta Eugenio Montale representa tal fria desolação, congelada numa exterior paisagem urbana, com seca tensão metafísica: "Lugar de ferralha e mastrame / como uma selva na poeira do ocaso. / Um longo zumbido desce do espaço, arranha como unha sobre vidro...". Vazios e áridos, dessa vez em relação à subjetividade, são também os altos burgueses romanos do grande romance de Alberto Moravia, de 1929, cujo título é emblemático: Os indiferentes.

 

Yuri Brunello é professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFC

 

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