Um elefante visitou Fortaleza, nomes importantes da música cearense compuseram jingles para empreendimentos e, como avisava o bordão do comercial da loja de variedades Esmeralda, "o gerente endoidou". São muitos os marcos da publicidade cearense analisados e debatidos pelo professor e pesquisador Gilmar de Carvalho em ensaios produzidos por ele a partir da década de 1980 e reunidos na obra que leva no nome o antigo bordão, O Gerente Endoidou. Os escritos já formaram livro há cerca de uma década e, em 2019, ganharam reedição especial para marcar os 20 anos do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade de Fortaleza (Unifor). O relançamento conta com a inclusão de um novo capítulo.
"A intenção inicial era registrar muita coisa que estava reunida nos cronistas, na memória dos que fizeram a publicidade e nas hemerotecas", explica Gilmar, em entrevista ao O POVO. "Sempre gostei de ler anúncios. Eles me deram uma ideia do contexto de Fortaleza por meio destes textos descartados por uma boa parte dos pesquisadores, por serem frívolos, inúteis e descartáveis. Nunca os vi assim", avança, exemplificando: "Aprendíamos que as elites consumiam salmão, vinhos de boa casta, bacalhau, manteigas francesas, azeites de oliva. Alguns anúncios traziam tudo isso em forma de poesia, com rimas e alguns logros", conta o professor.
Aos ensaios, Gilmar também adicionou "uma pitada do saber dos teóricos" para "dar um pouco mais de rigor à forma como trabalharia este material". "Sempre me incomodaram os manuais funcionalistas, aqueles que nos davam lições de como fazer anúncios. Queria ir mais fundo", atesta. "Sabia que tinha diante de mim um desafio e decidi enfrentá-lo. Juntei bordões, cenas curiosas, factóides, garotos e garotas propagandas. Tudo começou a ficar mais profissional com o advento da TV Ceará, em 1960, e nossa primeira agência com cara de agência foi a Publicinorte, de 1964", recupera Gilmar, citando nomes importantes da publicidade da época - Seu Dudu, Tarcísio Tavares, Zé Domingos, Carlos Paiva, Barroso Damasceno, Xyco Teóphilo, Nazareno Albuquerque, "dentre tantos…".
O elefante citado no início do texto, explica o professor, veio visitar a Capital para a inauguração do hipermercado Jumbo, marcando o "desembarque do Pão de Açúcar na cidade". Os jingles publicitários compostos por artistas cearenses, por sua vez, são obras de gente como Rodger Rogério e Mona Gadelha, entre outros exemplos, sem falar do "inesquecível" que Ednardo fez para o Shopping Center Um em 1974. Há ainda registrados no livro de Gilmar "o sopro de criatividade e juventude de um grupo de universitários e profissionais liberais que inovaram" quando "a propaganda política era tímida" em 1985, resultando na eleição de Maria Luiza Fontenele para a Prefeitura de Fortaleza, ou a ascensão do cinema sonoro com o crescimento dos Cines Majestic, Moderno, Diogo e São Luiz.
Para o professor e pesquisador, as diferentes fases pelas quais a publicidade no Ceará passou culminam num período de mudanças impactado pelas novas tecnologias. "Ela teve a fase dos corretores de anúncios, passou pela implantação das agências e vive hoje uma implosão da agência e uma fragmentação do mercado, em pequenos birôs criativos, pequenas contas e mais espaço para os jovens. Vamos ter mais criatividade (espero) e menos engessamento", analisa Gilmar, que complementa: "Passamos pela valorização da linguagem com referenciais da cultura (cordel, cantoria, folguedos, provérbios) e caímos numa criação que não difere muitos dos outros centros. As pessoas já curtiram mais o discurso publicitário, os bordões tinham espaço e 'o gerente endoidou' foi um deles. Vivemos um momento de quebra e de antecipação de um novo que passa pelas redes sociais, pelos comerciais no YouTube e pelo que virá de novo nas próximas décadas", prevê. Aos interessados na publicação, Gilmar adianta que doou exemplares para as bibliotecas do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará, da Academia Cearense de Letras e do Museu de Arte da UFC. A Unifor, por sua vez, informa que distribuiu exemplares para bibliotecas e instituições de ensino superior públicas e privadas.