Natural de Exu, em Pernambuco, Bárbara foi parar no interior do Ceará quando casou com o José Gonçalves dos Santos, comerciante português vendedor de tecidos e outras miudezas na feira do Crato. Viajar entre as duas cidades se tornou comum para a matriarca da família Alencar, cuja vida é atravessada por muitas leituras e percursos históricos. Depois de mais de 15 mil quilômetros de andanças pelo Ceará, o pesquisador Gylmar Chaves retoma o projeto "Ciclo de Palestras sobre Bárbara de Alencar", que chega a diversos locais do Ceará para falar de uma das personagens mais icônicas da história da região Nordeste.
Idealizador do projeto, o escritor Gylmar Chaves lembra que Bárbara de Alencar foi uma das mais expressivas personalidades do Nordeste brasileiro."Quando me debrucei sobre sua história de vida percebi que estava diante de uma sertaneja vibrante e inflexível. Ela me embrenhou nas trilhas do nosso processo colonizatório, conduzindo-me pela mão à tentativa de desvendar sua ancestralidade em terras brasileiras e portuguesas, conviver com sua família, ouvir sua fala, cavalgar as margens dos rios", conta Gylmar.
O escritor e pesquisador ainda destaca a importância do conhecimento dos fatos históricos vividos por essa personalidade do Nordeste. De acordo com ele, as trocas de conhecimento entre alunos e o público interessado serão pontuadas nas palestras por uma vivência histórica ainda muito atual: a construção do sentimento republicano. "Foi por meio de dois de seus filhos, Carlos José e José Martiniano, este último pai do romancista José de Alencar, estudantes do Seminário Nossa Senhora da Graça de Olinda, que Bárbara de Alencar manteve os primeiros contatos com os princípios republicanos, logo tomando como afinco o ideal para fazer ruir a monarquia, em detrimento de um sistema de governo republicano", conta.
O Ciclo de Palestras Bárbara de Alencar é contemplado pela lei de incentivo à cultura X Mecenas do Ceará. Nos últimos dois anos, teve apoio cultural da Corpvs e da Enel, respectivamente, com mais de 120 palestras realizadas. Nesta edição, conta com apoio de mobilização do Projeto Arte e Cultura na Reforma Agrária/Incra-CE, e promove 52 palestras sobre a vida familiar e humana da matriarca. As palestras devem ocorrer em assentamentos de Reforma Agrária, Escolas Públicas urbanas e rurais, Centros Culturais e Comunidades Quilombolas e Indígenas, nos municípios das regiões do Cariri, Ibiapaba, Vale do Jaguaribe e Litoral Leste. As palestras, que também chegarão à Região Metropolitana de Fortaleza, ainda não tem programação fechada.
Em 2014, Gylmar lançou o livro infanto-juvenil intitulado "A Invenção de Bárbara de Alencar", ilustrado pelo seu amigo Audifax Rios. A obra aborda, sobretudo, a dedicação de Bárbara em relação à construção do sentimento republicano. "Construir as bases para impulsionar esse ideário necessitou de intensas articulações, mesmo porque havia o entrave de uma mulher estar à frente delas, embora participassem com Bárbara de Alencar das reuniões promovidas pelo Cariri afora, seus filhos e amigos. Não era costume as mulheres liderarem", pontua.
Autor de 21 livros, Gylmar Chaves foi estudante do Curso de Música na Universidade Estadual do Ceará e, atualmente, também se dedica ao projeto "Vamos falar de amor!", pesquisa sobre a construção dos sentimentos e gestos amorosos, observados em períodos históricos diversos, desde os tempos primitivos à contemporaneidade. Dez anos depois de ter iniciado sua pesquisa sobre Bárbara de Alencar, ele demonstra sua forte ligação com o legado da mulher considerada primeira presa política do País. "Bárbara de Alencar pode muito bem ainda estar nos dizendo, que mesmo diante das dores que sofrera, principalmente pelos cárceres da monarquia no Ceará, Pernambuco e Bahia, que jamais devemos desistir dos nossos propósitos", finaliza.
Uma República no Crato
"Dona" Bárbara do Crato, a avó do escritor José de Alencar, foi uma das primeiras mulheres que se envolveram, de fato, com política no Brasil, sobretudo durante o momento histórico atravessado pela Revolução pernambucana de 1817. Natural de Exu, Pernambuco, foi também na região do Cariri que Bárbara e seus filhos abraçaram os ideais das lutas levadas a cabo pela Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824, que objetivavam a libertação de Portugal e a instituição de um sistema republicano de governo.
Viúva ainda jovem, Bárbara matriculou seus filhos no Seminário de Olinda, pois acreditava na educação para a formação dos filhos, e, de acordo com a pesquisadora Maria Icleide Viana, o seminário onde estudaram o seminarista cratense José Martiniano de Alencar e os filhos da elite nordestina foi fundamental para a efervescência dos novos ideais iluministas. "Bárbara fazia reuniões em sua casa com os revolucionários, militares da guarda nacional e fazendeiros da região do Cariri", descreve Icleide.
A agitação política culminou em um movimento que, mais de 70 anos antes da Proclamação oficial da República do Brasil, levou, no terceiro dia de maio de 1817, uma pequena vila do interior do Ceará, o Crato, a proclamar sua emancipação. O evento aconteceu ao fim da missa dominical, na praça da Igreja Matriz, e deu início a uma República que durou apenas oito dias. "Quando começaram as prisões, Bárbara queimou os arquivos com dados dos participantes dessas reuniões. Foi presa e levada com seus filhos Tristão Gonçalves de Alencar e José Martiniano Pereira de Alencar para a prisão em Fortaleza, seguindo depois para Salvador, onde ficou presa por dois anos", descreve a pesquisadora.
É por esse momento histórico que Bárbara Pereira de Alencar, ainda hoje tida como uma grande heroína cearense, é considerada também por alguns historiadores como a primeira mulher presidente do Brasil. Idealista e líder do movimento republicano de 1817 na cidade de Crato, foi a primeira mulher presa política no Brasil. "Bárbara de Alencar que se atreveu a concretizar o sonho de liberdade de muitos brasileiros enfrentando o poder da monarquia. Seu nome está, desde 2014, no "Livro dos Heróis da Pátria", demonstrando e incentivando o empoderamento da mulher cearense", finaliza Maria Icleide.